• Nenhum resultado encontrado

7. Conclusões

7.4. Status de vida das pessoas

O registro de hábitos e costumes, único recurso do Novo Jornalismo presente em todas as reportagens, é muito importante para compreender de que maneira o Novo

Jornalismo pode ser identificado nas reportagens de João Antônio. A predominância pode ser explicada pela combinação das características de João Antônio e do projeto editorial de Realidade. Trata-se de um repórter que nutria gosto pelo estilo de vida marginal, para quem o universo de mesas de sinuca, cabarés, jogadores, prostitutas e malandros não era estranho. O jornalista convivia bem nesses ambientes, gostava de conversar e beber. Nesses locais encontrou boa parte dos personagens para suas reportagens e para sua obra literária. Neste meio, testemunhou ou viveu muitas das aventuras dos personagens. Isso lhe conferiu um conhecimento profundo sobre o que escrevia, uma realidade diferente da vivida pelo público leitor e, especificamente no caso desta pesquisa, o público de Realidade. Pode-se inferir que essa rotina peculiar de João Antônio, que o levou a conhecer e mostrar a marginalidade com tantos detalhes, veio a calhar para trazer uma diversidade maior de temas para a revista que se propunha a apresentar à classe média, todos os meses, um retrato da sociedade brasileira. As reportagens de João Antônio, portanto, tiveram o papel de mostrar como vivem pessoas que estão à margem da sociedade. Esses marginais, vistos em geral com desconfiança, desprezo e até medo, foram apresentados por João Antônio como homens e mulheres que têm seus medos, dificuldades, fraquezas e limitações. Enfim, o jornalista construiu um retrato humano de gente que, em geral, é desconhecida e discriminada pela classe média.

Desde a primeira reportagem analisada, “Este homem não brinca em serviço”, o tema abordado é um dos favoritos de João Antônio, a sinuca. O repórter apresenta, na reportagem, o universo da sinuca, jogo do qual ele mesmo gostava muito, desde rapaz. Em “Quem é o dedo-duro”, João Antônio retrata o desconhecido universo dos informantes da polícia, com detalhes sobre o modo de vida dos marginais, trejeitos, linguajar e o traquejo necessário a Zé Peteleco, que vivia na linha tênue entre a lei e o crime. Já as prostitutas Odete e Rita de “Um dia no cais” são as concentradoras da ação no cais do Porto de Santos, e por meio de um dia na vida delas o leitor é apresentado à “viração”, rotina recheada de verdadeiras peripécias necessárias à sobrevivência na “zona”.

No caso da cantora Aracy de Almeida, ainda que ela fosse uma artista, e por causa disso tivesse uma condição financeira melhor, seu perfil enfatiza determinadas características que podem ser associadas a uma realidade que não é construída somente com histórias felizes: suburbana, cantora de samba, mal-humorada, antissocial e mulher.

Provavelmente o destaque dado a essas características esteja relacionado ao estilo pessoal de João Antônio, em um reflexo da temática marginal própria do repórter, somado ao relacionamento de amizade que o repórter mantinha com a cantora, sobre quem escreveu diversas vezes ao longo da carreira.

Em “É uma revolução”, o esporte não aparece encoberto pela aura de decadência que parecia enevoar todos os escritos de João Antônio. Entretanto, mesmo em uma reportagem sobre a pujança do futebol mineiro, há espaço suficiente para o “povo- povo”, como João Antônio costumava chamar. As pessoas comuns são por meio da descrição de alguns personagens: o garoto vendedor ambulante que almoça na marmita e os desempregados que ouvem a partida por meio do alto-falante porque não podem comprar o ingresso para o estádio. As corridas de trote de “O pequeno prêmio” são mais um assunto inusitado trazido para a revista por João Antônio. Novamente, hábitos não tão conhecidos do grande público são esmiuçados pelo repórter, em uma modalidade decadente de turfe, em que os apostadores pobres compõem o cenário do hipódromo sujo, palco onde o frenesi das apostas contrasta com a decepção de cada derrota. O sanatório da Tijuca de “Casa de Loucos”, por sua vez, abriga alguns dos tipos mais marginalizados: pessoas com problemas mentais. Mitômanos, esquizofrênicos, alcoólatras e estafados são os personagens de uma das histórias mais tristes analisadas na presente pesquisa. A sensação transmitida ao leitor é a de abandono, de uma gente esquecida pelo mundo, trancada em algum lugar afastado dos olhos da maioria. É uma realidade feia, mostrada pela revista de uma maneira sincera, que chega a carregar certo lirismo. Temas difíceis e indigestos como esse povoam os textos analisados neste trabalho. O recurso de esmiuçar hábitos e costumes nas reportagens, portanto, é uma ferramenta que confere realismo às reportagens, e se torna fundamental em um contexto em que o leitor desconhece aquele ambiente retratado.

Na tarefa de construir um perfil do Brasil daquela época, a revista Realidade lançou mão do repórter João Antônio para mostrar loucos, bandidos, sambistas, marinheiros, prostitutas, jogadores inveterados e torcedores de times de futebol. Ele revelou, nas páginas da revista, hábitos e costumes de alguns tipos que estão presentes apenas nas páginas policiais, gente que parece não ter muita importância, mas que existe e luta pela sobrevivência. Um estilo de vida que o repórter, no caso específico desta pesquisa, tinha facilidade em retratar, por sua grande experiência com aquele universo, do qual ele próprio parecia confortável em frequentar rotineiramente. A estratégia de

registrar hábitos e costumes, portanto, tornou os relatos mais vívidos e interessantes, e auxiliou na descoberta de realidades novas e relativamente desconhecidas para os leitores da revista, pelo menos do ponto de vista escolhido por João Antônio. Em outras palavras, o que se encontra são relatos humanizados de pessoas, algumas das quais normalmente apareceriam na imprensa apenas na condição de autores e vítimas de delitos, e cenários que seriam, em outras situações, locais de crimes e contravenções.

O que se pode concluir é que o estilo não se restringe a um punhado de regras e de leis que, se obedecidas, resultam em Novo Jornalismo. Uma constatação mais exata é a de que se trata de um conjunto de ferramentas que o repórter usa com seus objetivos e estilo próprios, na construção do texto. Assim, se não foi possível encontrar todos os recursos do Novo Jornalismo em cada um dos textos de João Antônio para Realidade, após o exame detalhado de cada amostra desta pesquisa, acredita-se poder afirmar que o Novo Jornalismo esteve, sim, presente como modelo de inspiração para o repórter estudado. São grandes as coincidências encontradas entre as reportagens de João Antônio e o que foi descrito por Tom Wolfe e verificado nos textos selecionados. Infere-se, portanto, que cada repórter pode ter a liberdade para usar quantos e quais recursos do Novo Jornalismo quiser em suas reportagens, e ainda assim, deixar-se influenciar pelo estilo. Isso é possível porque um estilo é mais do que alguns recursos. A essência está em usar esses recursos para contar uma história que pode ser lida como um romance ou um conto, mas que é uma reportagem, construída com técnicas de apuração próprias do jornalismo, como a entrevista, mas otimizadas, devido ao maior volume de tempo disponível para o seu preparo. Nesta pesquisa constatou-se que o conjunto de elementos do Novo Jornalismo só se completa quando se adiciona outro elemento fundamental: a vivência do repórter, o estar lá e, no caso das reportagens analisadas no presente trabalho, o estilo peculiar de vida do repórter teve papel determinante no resultado final dos textos.