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Nesta pesquisa, foram analisados oito textos feitos pelo jornalista João Antônio para a revista Realidade. As oito amostras estão divididas em sete diferentes edições da revista, no período de outubro de 1967 a agosto de 1971, totalizando 102 páginas, das quais 35 são integralmente ocupadas por anúncios. Portanto, esta análise volta-se para as 67 páginas de reportagens elaboradas por João Antônio. Os textos têm imagens dos fotógrafos Geraldo Mori, Francisco Nelson, Jorge Butsuem, Zépinto e George Love, à exceção de “Casa de Loucos”, ilustrado pelo artista Omar Grasseti.

Foram encontrados procedimentos do Novo Jornalismo em sete dos oito textos (Tabela 20). Em “Este homem não brinca em serviço”, João Antônio utilizou o registro de hábitos e costumes e a narração em terceira pessoa. Em “Quem é o dedo-duro”, percebeu-se a utilização da construção cena-a-cena, do registro de diálogos completos, registro de hábitos e costumes e o ponto de vista da terceira pessoa. Em “Um dia no cais”, observou-se a presença da narração cena-a-cena, do ponto de vista da terceira pessoa e do registro de hábitos e costumes. Já em “Ela é samba” há o registro de diálogos inteiros e o registro de hábitos e costumes. Em “É uma revolução” encontrou- se a construção cena-a-cena, o registro de hábitos e costumes e dos diálogos completos. Na penúltima reportagem, “O pequeno prêmio”, aparecem a construção cena a cena, o ponto de vista da terceira pessoa e o registro de hábitos e costumes. Em“Casa de Loucos”, encontrou-se a narração cena-a-cena, o registro de hábitos e costumes, o ponto de vista da terceira pessoa e o registro de diálogos completos. A exceção é a crônica “A morte”, na qual não foram encontrados procedimentos do Novo Jornalismo, mas que é representante de um gênero jornalístico reconhecidamente literário.

Tabela 20 – Presença dos procedimentos do Novo Jornalismo nos textos escritos por João Antônio para a revista Realidade

Nome do texto Procedimento do Novo Jornalismo Construção cena-a-cena Ponto de vista da terceira pessoa Registro de diálogos completos Registro de hábitos e costumes Este homem não

brinca em serviço

Não Sim Não Sim

Quem é o dedo duro

Sim Sim Sim Sim

Um dia no cais Sim Sim Não Sim

A morte Não Não Não Não

É uma revolução Sim Não Sim Sim O pequeno

prêmio Sim Sim Não Sim

Casa de loucos Sim Sim Sim Sim

Fonte: Revista Realidade nº 19, 28, 30, 31, 32, 33 e 65.

É possível perceber que nas reportagens “Quem é o dedo duro” e “Casa de Loucos” foram utilizados todos os quatro procedimentos do Novo Jornalismo descritos por Tom Wolfe. Em “Um dia no cais”, “É uma revolução” e “O pequeno prêmio”, estão presentes três dos quatro procedimentos. Já em “Este homem não brinca em serviço” e “Ela é o samba” há presença de dois procedimentos. Finalmente, em “A morte”, não foi constatada presença dos recursos do Novo Jornalismo.

Em relação ao uso de procedimentos na totalidade do material pesquisado, a partir desses dados é possível constatar (Gráfico 1) que o registro de hábitos e costumes é o mais utilizado, com ocorrências em todos os sete textos em que há utilização de recursos do Novo Jornalismo. Em segundo lugar, aparecem a construção cena-a-cena e o ponto de vista da terceira pessoa, presentes em cinco dos oito textos. O procedimento menos usado é o registro de diálogos completos, presente em apenas quatro dos sete textos.

Para quantificar as ocorrências de cada procedimento nos textos, decidiu-se contabilizar a quantidade de excertos citados e analisados nesta pesquisa. Dessa

maneira, os 279 trechos de reportagens citados na presente análise podem ser divididos da seguinte forma (Tabela 21):

Tabela 21: Total de ocorrências de cada procedimento do Novo Jornalismo encontrado na pesquisa

Procedimento Quantidade encontrada

Construção cena a cena 75

Ponto de vista da 3ª pessoa 77

Registro de diálogos inteiros 19

Registro de hábitos e costumes 108

Percebeu-se que a quantidade total de ocorrências de cada procedimento guarda coerência com os dados sobre presença ou ausência dos procedimentos. O registro de hábitos e costumes, presente na maioria dos textos (sete), também é o recurso com maior número de ocorrências (108) percebidas. A construção cena a cena e o ponto de vista da terceira pessoa têm praticamente a mesma quantidade de ocorrências (75 e 77, respectivamente), e apareceram no mesmo número de textos (cinco). Por fim, o registro de diálogos inteiros, presente em apenas quatro textos, é o procedimento do qual se contabilizou o menor número de ocorrências (19). Ao analisar esses números transformados em percentuais, entretanto (Gráfico 2), o registro de diálogos inteiros é o que apresenta maior diferença. A análise de presença ou ausência aponta 19% de presença deste procedimento, enquanto a análise do número de ocorrências mostra apenas 7% de registros de diálogos.

Após a compilação e detalhamento dos dados encontrados durante esta pesquisa, pode-se propor que o Novo Jornalismo teve forte influência na maneira de João Antônio escrever reportagens para a revista Realidade. Os recursos do estilo de fazer um jornalismo literário criado nos Estados Unidos na década de 1960 estiveram presentes em sete dos oito textos analisados (ou 87,5% do total), e nestes sete textos, mais de um procedimento foi encontrado. Em dois dos oito casos, foram encontrados todos os quatro procedimentos do estilo. Em outros três casos, três procedimentos foram usados no mesmo texto. Há ainda dois itens da amostra que apresentam dois dos quatro procedimentos. A informação de que João Antônio utilizou o Novo Jornalismo em suas reportagens na revista Realidade encontra amparo no encontro e na documentação de 279 ocorrências de recursos do Novo Jornalismo em 67 páginas publicadas pelo jornalista na revista. É importante ressaltar que esses dados numéricos não são indicativos de uma abordagem quantitativa na presente pesquisa. Nem poderiam ser, tendo em vista a intenção inicial de elaborar uma análise qualitativa, que se manteve em mente durante todo o processo de elaboração do trabalho. Desde a escolha do corpus a ser pesquisado, até a análise propriamente dita das amostras, a abordagem qualitativa sempre foi o princípio norteador. Por isso, enfatiza-se que a contagem de ocorrências no presente capítulo tem o exclusivo intuito de facilitar a compreensão dos resultados encontrados nesta pesquisa. Em outras palavras, acredita-se que a soma numérica dos achados neste trabalho pode auxiliar na concretização e sistematização do que foi discutido até agora, e é somente esse o papel dos números e gráficos deste capítulo: reforçar a presença do Novo Jornalismo no conjunto de textos analisados.

Foi encontrado na amostra apenas um texto em que não foram verificados recursos do Novo Jornalismo: “A morte”. Ainda assim, trata-se de uma crônica, gênero jornalístico impregnado de características literárias. Mesmo que não se trate do estilo Novo Jornalismo, vale observar que João Antônio manteve a proximidade do jornalismo com a literatura no texto citado. Outra observação a respeito de “A morte” é que ele apareceu na mesma edição da reportagem “Um dia no Cais”, em setembro de 1968, sendo a única vez em que foram publicados dois trabalhos de João Antônio num só número de Realidade. Dessa maneira, pode-se inferir que “A morte” não chega a representar um afastamento efetivo do Novo Jornalismo no período e no veículo jornalístico estudados no presente trabalho.