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7. Conclusões

7.1. Cena após cena

Pode-se sugerir que a construção cena-a-cena tenha sido usada por João Antônio como uma forma poderosa de dinamizar as reportagens. Este procedimento cumpre a tarefa de trazer vivacidade e calor aos textos, que trazem uma realidade descortinada diante dos olhos do leitor como se fosse um filme. As reportagens em que as cenas se sucedem são mais movimentadas e podem trazer o efeito de suspense em relação aos acontecimentos que estão por vir. O desenrolar de um dia no sanatório ou na zona do cais do porto, a expectativa em torno de um jogo de futebol, uma noite no hipódromo em que aconteciam as corridas de trote, o dia-a-dia de um informante da polícia, são algumas histórias contadas por João Antônio com esse tipo de recurso narrativo. Os personagens se movimentam nas páginas da revista em um vaivém de emoções, euforia e tristeza, bebedeira, fome, sono, tensão e perigo. O artifício denuncia os métodos de apuração de João Antônio, típicos do Novo Jornalismo: ele acompanhava os personagens, vivia nos ambientes em que a ação acontecia durante tempo suficiente para que os fatos relatados acontecessem diante de seus olhos, o que permite mais eficiência no ato de transmitir ao leitor a sensação de presenciar tudo o que se passava da maneira mais realista e dinâmica possível. A estratégia aproxima quem lê a reportagem dos fatos retratados, e diminui a sensação de interferência do repórter no resultado final do texto67. Como se assistisse os acontecimentos, o leitor se torna uma espécie de testemunha de cada história contada por João Antônio. O resultado é uma sensação de experiência mais direta, de testemunho, porque o estilo de texto e a ausência do lide deixam o leitor sem saber o final da história. À medida que se lê, descobre-se o desenrolar dos acontecimentos junto com os personagens. Experimentam- se as tensões e o suspense que a incerteza, o não saber, impõe aos que viveram a história

67 Não se trata de propor que tenha havido uma diminuição real da interferência do repórter no

que o leitor decifra. Ao contrário, justamente por se tratar de um recurso literário, o trabalho de quem redige a reportagem é ainda mais acentuado.

contada pelo repórter, o que aumenta o sentimento de participação do leitor nos fatos relatados.

Em “É uma revolução”, João Antônio narrou os lances que se passam em torno de um jogo de futebol entre Atlético e Cruzeiro, em Belo Horizonte. Desde a véspera da partida até depois do encerramento do jogo, o repórter contou, em ordem cronológica, ações dos moradores da cidade que se relacionavam com o evento. Entretanto, o jogo de suspense foi montado sobre o que se passou dentro das quatro linhas que marcam o campo de futebol: o leitor termina a reportagem sem saber o resultado da partida. Já em “Um dia no cais”, o mesmo recurso de ordem cronológica, cumpriu o objetivo de prender a atenção do leitor, que se entretém com as aventuras de Rita Pavuna e Odete Cadilaque, as duas prostitutas que vagavam pelo Porto de Santos. Na reportagem “O pequeno prêmio”, a noite de apostas dos motoristas de táxi Elcino e Caculé também pode ser acompanhada do início ao fim, e o tom se torna mais tenso à medida que a noite avança e os ânimos dos apostadores ficam mais acirrados. Gradualmente, com o passar das horas, o clima fica mais pesado no hipódromo de Vila Guilherme, e essa tensão é repassada para o leitor. Fica difícil não torcer pelo sucesso ou fracasso dos personagens, e esse envolvimento leva à constatação de que o trote é um jogo em que os únicos ganhadores são os donos dos cavalos, e os apostadores são vítimas de seu próprio vício, que ceifa patrimônios e famílias, mas do qual é difícil se afastar, pois sempre se espera por sucesso na próxima vez.

Em “Casa de Loucos”, a construção cena a cena traz um efeito diferente: no lugar da tensão e da expectativa, o resultado é um sentimento de repetição, de que todos os dias são iguais, e que mudanças – principalmente as positivas – não fazem parte da vida dos moradores do Sanatório da Tijuca. Outro efeito desse mesmo recurso é percebido em “Quem é o dedo duro”. Como a narrativa começa pelo fim da história – o momento em que o informante Zé Peteleco entrega a quadrilha na qual havia se infiltrado, há apenas algum suspense ao longo do texto. Neste caso, a tensão aparece porque o repórter faz com que o leitor se pergunte como a história havia chegado àquele desfecho, e principalmente, de que maneira a cena descrita no início se relaciona com o restante da reportagem. Porém, a peculiaridade percebida na utilização desse recurso é a de amarrar as duas pontas do texto da reportagem, ou seja, atrelar o início ao fim de uma história. Em outras palavras, a construção cena a cena funciona como um elemento de coesão no texto, o que no jargão jornalístico é chamado de matéria redonda.

Avalia-se que a construção cena-a-cena cumpre diferentes funções: além de dinamizar as reportagens, o recurso confere uma atmosfera de tensão aos textos, o que auxilia a prender a atenção do leitor. Em outros momentos, como em “Um dia no cais” e “Casa de Loucos”, essa maneira de estruturar o texto funciona como um efeito de repetição, ao mostrar que o dia narrado na vida daqueles personagens reflete o que acontece todos os dias naquele ambiente, ou seja: os dias se sucedem quase sempre iguais, numa rotina que aprisiona os personagens da reportagem. A última função desse recurso seria a de coesão, de unir o início ao fim da reportagem, como um tecido que amarra os fatos reportados.

Uma marca estilística de João Antônio ligada à construção cena-a-cena refere-se à marcação do tempo. Expressões como “fechando o olho da noite”; “noite, noitão”; “pelas beiradas das 7”; “bem antes do lusco-fusco”; “Na marca das 11”; são encontradas em “Um dia no Cais” e “Casa de Loucos”. Infere-se que nesses casos, a passagem do tempo está mais ligada às sensações transmitidas pelo clima dos ambientes e pela natureza. É um tempo relacionado à sensibilidade, às emoções, que aparecem com mais relevância do que o registro dos ponteiros do relógio.