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Alguns princípios para ensinar a escrever

4. A escrita

4.2. Ensinar a escrever

4.2.1. Alguns princípios para ensinar a escrever

Há muita informação que pode ajudar o professor a agir, quando dá conta que os seus alunos não sabem escrever um texto de opinião ou uma explicação ou uma definição ou um comentário (ver, entre outros, Carvalho, 2001; Pereira e Azevedo, 2005; Santana, 2007; Barbeiro, 2007; Silva, 2008; Silva, 2010; Sousa, 2010a; Sousa et al., 2011). O primeiro passo relaciona-se com observar os saberes dos alunos, pedir-lhes que, perante uma dada situação, exprimam, por escrito, por exemplo, a sua opinião. A partir desta primeira observação, não desanimar nem lamentar o pouco que os alunos sabem, antes, assumir, como pressuposto, que escrever é uma tarefa muito complexa e difícil que exige ensino explícito. Conceber sequências de ensino com tarefas específicas para ultrapassar as dificuldades detetadas, explicitando o processo e pondo o aluno em situação de escrita individual e em colaboração com outros, modelizando comportamentos e estratégias de escrita eficazes. Na verdade, negociar com os alunos projetos de escrita, organizados em sequências didáticas (Silva, 2010, Sousa et al., 2011) estruturadas com objetivos claros e explícitos, promove a aprendizagem, permitindo aos alunos aprenderem a gerar e organizar ideias, planificar e rever os textos. Parte-se do princípio que o professor tem presente o seu papel de mediador, favorecendo trocas e aprendizagens interpares, proporcionando a reflexão sobre textos modelo, discutindo e refletindo sobre textos dos alunos, e outros, organizando os saberes em fichas de monitorização dos processos (Lourenço, 2013).

Todos sabemos como é difícil escrever; como aprender a escrever é um percurso longo e trabalhoso, e como a motivação para a tarefa e a representação de autoeficácia são fundamentais no ensino aprendizagem da escrita. Propõe-se uma síntese de aspetos a observar quando se concebe um currículo de escrita:

(i) Escrever regularmente: aprende-se a escrever, escrevendo... e refletindo e reescrevendo sucessivamente o que se escreve em busca do bom texto, isto é, o texto que preenche os objetivos de quem escreve e que responde às necessidades de quem lê;

(ii) Cuidar da motivação: escreve-se com mais vontade se a escrita fizer sentido, isto é, se responder a uma necessidade do sujeito. Por isso, a construção de projetos de escrita é uma condição necessária para se ensinar/ aprender a escrever. O projeto pode ser escrever um livro (Sousa, 2010a), uma história de amor (Sousa et al., 2011), escrever uma carta ao presidente da Câmara a dar conta da situação de insegurança na entrada da escola, organizar um folheto informativo sobre os monumentos da terra (ver o trabalho da escola de Arouca no projeto Mais Sucesso Escolar) ou sobre as aves mais comuns que se podem observar no recreio da escola ou ainda sobre as plantas do recreio (Amaral, 2012).... Segundo Vasconcelos et al. (2011), o trabalho de projeto supõe metodologias ativas, construtivistas, que impliquem o aluno em processos de investigação e de questionamento, sendo o saber gerado na prática social, e enquadrado cultural e historicamente52.

(iii) Ensinar escrita em todo o currículo: as experiências de escrita devem estar distribuídas através do currículo (Applebee, 1984). Ainda que a aula de língua seja um espaço privilegiado para aprender a escrever, escrever para aprender deve ser um meio importante para aprender: aprender a pensar e construir conhecimento e aprender a escrever para interagir no domínio dos saberes disciplinares. Este é o tipo de escrita cujo ensino não é habitualmente assumido nas nossas escolas. Apesar de não ser ensinado, é o tipo de escrita através do qual os alunos são avaliados mais frequentemente.

(iv) Cuidar do processo: escrever é um processo complexo que conjuga diferentes saberes. O professor precisa de introduzir o ensino do processo da escrita, isto é, as estratégias e passos usados por escritores mais experientes (Hayes e Flower, 1980; Carvalho, 2001), para que os alunos aprendam a regular a sua atividade de escrita. A saber:

(a) planificar o texto – 1. estabelecer e hierarquizar objetivos para responder a exigências da tarefa, do tipo de texto e do leitor almejado; 2. gerar conteúdos através de uma chuva de ideias, de leituras para tomar notas, partilha e confronto de ideias dentro do grupo, etc.; 3. selecionar e organizar os conteúdos de acordo com os objetivos formulados – sublinhar

52 O trabalho de escrita a partir de um projeto de intervenção ou de um projeto de ficção possibilita a criação de um contexto significativo: a) um motivo e um propósito para escrever; b) um escritor e um destinatário; c) conteúdos a transmitir; d) busca do melhor meio e da melhor forma para servir o propósito (género de texto, registo mais ou menos formal, presença ou ausência, no texto, do destinatário); e) trabalho colaborativo para resolver problemas e tomar decisões a vários níveis.

as ideias pertinentes, organizá-las em redes semânticas ou mapas conceptuais, decidir o que se escreve em 1º lugar, em 2º lugar..., utilizar a estrutura textual para gerar e organizar os conteúdos, etc.;

(b) redigir – trata-se de organizar na linearidade textual o plano estabelecido, dando forma ao pensado. É necessário produzir frases, parágrafos, cuidando da coerência e da coesão, constantemente cotejando o plano e o texto, revendo e reformulando tanto o plano como as partes do texto sempre que se deteta uma inconsistência entre os objetivos estabelecidos e o escrito ou a escrever.

(c) rever – trata-se de tomar o texto como objeto de reflexão: reler o texto, ou dá-lo a ler a um colega, assinalar aspetos a melhorar, ou, ainda, ler o texto à turma e ouvir os comentários. Trata-se, no essencial, de aferir a distância entre o pensado e o escrito. Como é uma tarefa que exige grande abstração, o professor tem um papel fundamental nesta tarefa, nomeadamente fornecendo instrumentos de autorregulação.

(v) Conhecer os diferentes géneros textuais: os textos organizam-se de acordo com as esferas de ação a que dizem respeito: na escola, por exemplo, relatamos acontecimentos, contamos histórias, definimos termos, enunciamos problemas ou explicamos as fases da lua; na cozinha, usamos receitas ou seguimos as instruções para pôr a funcionar a máquina de café; na tropa, leem-se e escrevem-se regulamentos, ordens do dia, etc.. Os alunos precisam aprender a escrever de acordo com o contexto, os objetivos e as relações entre enunciadores. Por isso, a escrita precisa de ser ensinada progressivamente (atendendo a graus de complexidade, por exemplo, do texto narrativo) e nas diferentes áreas disciplinares. Como fazemos parte da comunidade de textos da escola, devemos entender a aprendizagem da escrita como uma participação nessa comunidade. Assim, aprender a escrever é, também, aprender a ler, analisando a estrutura, os mecanismos linguísticos, os recursos estilísticos dos textos de um determinado domínio de saber e, paulatinamente, apropriar-se desses modos de funcionamento (Parracho, 2012; Lourenço, 2013).

(vi) Cuidar da aprendizagem: partindo de uma situação de escrita não planeada (por exemplo, a escrita da carta ao presidente da câmara), o professor analisa as dificuldades dos seus alunos e as necessidades de ensino. Elabora, de seguida, uma sequência de ensino (duas ou três semanas) que tem em conta os domínios identificados como problemáticos a trabalhar de modo estruturado, sistemático e explícito (Dolz et al., 2001;

Silva, 2010, Ramos, 2013).

(vii) Fornecer modelos de escrita: preparam-se as tarefas de escrita através de leituras múltiplas de textos considerados “bons” textos para que as crianças discutam e descubram estratégias textuais e estilísticas e se inspirem tanto ao nível das ideias, como da linguagem (Barrs e Cork, 2001). Tomar os textos como modelo implica a leitura pelo professor, pondo em destaque os elementos e as estratégias a focalizar. Os modelos podem ser textos utilitários ou pertencentes ao património literário. Neste caso, a descoberta da vertente estética (tanto da prosa, como da poesia) da língua é o conteúdo a destacar pelas leituras do professor e dos alunos.

(viii) Responsabilizar o aluno pela aprendizagem: se o ator da aprendizagem é o aluno, então o professor deve criar dispositivos, não só que motivem, mas, também, que responsabilizem o aluno pela sua aprendizagem. Pretende-se comprometer os alunos com uma atividade de escrita regular e intensiva, quer na aula, quer fora da aula. Enumerem-se, a título de exemplo, dispositivos que visam comprometer o aluno com a aprendizagem da escrita: caderno de escrita pessoal, lista de conteúdos a aprender, lista de tipos de textos a escrever; estabelecimento de rotinas de reflexão sobre textos - discutindo modos de melhorar os textos e construindo horizontes de expectativas positivas; disponibilização de instrumentos de monitorização da quantidade e qualidade dos escritos – fichas de autocorreção de aspetos gerais de escrita, de pontuação, de características estruturais; discussão com cada aluno sobre os avanços, estabelecendo os objetivos a atingir.

(ix) Avaliar os progressos: aprender a escrever é apropriar-se, progressivamente, de estratégias que possibilitem escrever cada vez melhor. Assim, é importante fazer balanços e guardar memória das aprendizagens. O portefólio pode ser um instrumento rico na aprendizagem da escrita (Sousa e Estrela, 2009a) pela possibilidade de confronto de textos ponto de partida, textos ponto de chegada e versões intermédias. (x) Cuidar do currículo de escrita: se entendemos a escrita como uma tarefa complexa, no seu ensino, é necessário ter em conta essa complexidade. Assim, há decisões, em termos de ensino de escrita, que vão além da esfera de atuação de cada professor e supõem trabalho colaborativo: a decisão do que e como ensinar nas diferentes disciplinas, a decisão sobre que géneros ensinar em cada ciclo e qual a progressão dentro de cada género (por exemplo a narração – quando e como ensinar o relato, a notícia, a

BD, o conto tradicional, a fábula, a novela, a narrativa histórica...). A gestão do currículo de escrita deve ser responsabilidade dos professores colegialmente e das lideranças pedagógicas que devem explicitar o que, como e quando ensinar.