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Para a formação de um leitor competente

3. Leitura

3.3.2. Para a formação de um leitor competente

LEITOR COMPETENTE

Até há bem pouco tempo, como descreve Sardinha (2007), a leitura e sua aprendizagem eram associadas de imediato com o nível de escolaridade elementar, acreditando-se que ao sair da escola primária os sujeitos já sabiam ler. A autora refere que, embora esses alunos soubessem decodificar, hoje esta visão apresenta um caráter redutor: “Espera-se do leitor outro desempenho. No ensino da leitura exige-se uma aprendizagem continuada e é melhor leitor aquele que conseguir adquirir hábitos de leitura para a vida” (ibidem, p. 2) que lhe permitam continuar a ler e continuar a aprender a ler.

Como temos vindo a observar, aprender a ler bem é um processo complexo e longo que necessita de ensino explícito de estratégias (Giasson, 2000; Snow, 2002; Lawrence, 2007; Viana et al., 2010). O leitor proficiente lê uma variedade de textos com facilidade e interesse, tendo em conta diferentes finalidades e compreendendo textos que não são nem fáceis, nem particularmente interessantes (Snow, 2002). Este leitor reflete acerca dos textos e da atividade de leitura, elabora conceitos e constrói conhecimento a partir de material escrito.

De facto, a questão do ensino da compreensão na leitura merece atenção especial. Dominar o processo de decodificação subjacente à leitura é pré- -requisito para leituras de nível superior, mas é ao mobilizar diferentes competências que o leitor constrói sentidos (Viana et al., 2010) e é capaz de pensar criticamente o que lê.

Ainda, de acordo com as autoras, os maus leitores e os leitores principiantes são, no geral, leitores não estratégicos, o que torna necessário, como afirmam, que o processo de ensino da compreensão da leitura integre o desenvolvimento de estratégias cognitivas e metacognitivas. Enquanto as primeiras permitem ao leitor levar a cabo a tarefa de leitura e contemplam tarefas como tomar notas, sintetizar, fazer inferências, mobilizar conhecimentos prévios, antecipar, analisar e usar pistas contextuais; as segundas implicam reflexão e raciocínio acerca da leitura e da aprendizagem. Estas supõem que o leitor conheça a estratégia que usa, como é que ela atua e quando e porquê usá-la (Lawrence, 2007). O leitor estratégico assume a leitura enquanto diálogo entre si e o texto.

Deste modo, o leitor coparticipa, interpreta, avalia, extrai sentido do texto e constrói novo conhecimento, situando-o num contexto mais alargado de saberes.

O professor tem um papel importante no ensino da leitura, privilegiando uma atividade de leitura integral e refletida e propiciando o desenvolvi- mento da autonomia do aluno, através do ensino de capacidades crítica, reflexiva e interpretativa para os diferentes géneros. Assim, vemos como o ensino da leitura deve ir além da habitual leitura e interpretação de textos narrativos, presente no dia a dia das nossas escolas (Graça, 2010). Ao pensarmos a leitura como, por um lado, uma competência heterogénea que está em desenvolvimento durante toda a escolaridade (Chall, 1996) e como uma atividade que pode, por outro lado, ter finalidades diferenciadas - uso privado, uso público, uso ocupacional e uso educacional (Ramalho, 2004) – precisamos de rever o trabalho que se faz em sala de aula. Em primeiro lugar, precisamos de refletir sobre o que é ensinar a ler, o que ensinar, como e porquê ensinar. Com efeito, a aula de língua é espaço de ensino de leitura, mas, também, as aulas de diferentes áreas curriculares precisavam ocupar-se de leitura. O ensino da leitura, ao perspetivar as finalidades diferenciadas desta competência, precisa integrar a noção de géneros textuais (Bakthine, 2003; Barros, 2010) associados a diferentes esferas de ação. A compreensão desses géneros supõe ensino explícito que permita ao leitor transitar por esses géneros para poder agir num contexto social em que o escrito é omnipresente. Sabe-se que os géneros textuais influem na compreensão da leitura (Giasson, 2000; Purcell-Gates, 2007); e ensinar a ler diferentes géneros deve, por isso, colocar em destaque diversas finalidades de leitura e diferentes formatos textuais, mas, também, variados recursos linguísticos - léxico mais ou menos especializado, conectores, estruturas linguísticas complexas - ligados a esferas de ação e finalidades variadas. Em segundo lugar, é necessário refletir sobre as funções da leitura. Como foi dito, lemos para aprender na escola, para aprender fora da escola e, também, para responder a necessidades do dia a dia. Lemos, igualmente, para deleite e recreação.

Como refere Chall (1996), ler implica ensino e aprendizagem. A autora afirma que sem a devida estimulação, a maioria de nós seria iletrada, e destaca que o professor, tal como o contexto escolar, podem contribuir significativamente para o desenvolvimento de competências em leitura. Sousa (2007b, p. 50) destaca esse papel, afirmando que em sala de aula

devem ser criadas condições para que o leitor ultrapasse uma simples leitura de fruição e atinja um nível que lhe permita apreciar o texto e ir, de acordo com as suas experiências, alargando os seus quadros referenciais e os conhecimentos de que é portador. Acrescenta, ainda, que os problemas de compreensão que se colocam a propósito da leitura de um texto, por mais que pareçam triviais, não devem ser ignorados, visto que podem ser transferidos (e certamente ampliados) quando se trata da leitura de textos não narrativos ou textos não lineares, sendo, por isso, necessário que se ensinem aos alunos estratégias que facilitem a compreensão de textos. Efetivamente, o ensino da leitura nas diferentes disciplinas torna-se uma necessidade reconhecida pela investigação (Purceel-Gates, 2007; Wilson, 2011). Ainda que seja uma necessidade, observa-se que está longe de ser uma realidade na sala de aula (Dionísio et al., 2011, Sousa e Gonçalves, em preparação) e tão pouco é acautelada nos manuais escolares (Folgado e Araújo, 2009; Costa, 2012).

Segundo Carvalho (2010), num estudo comparativo entre Portugal e Brasil sobre representações dos professores acerca de literacia e de ensino da leitura e práticas de ensino da leitura, o desenvolvimento do ensino explícito de estratégias de leitura para a compreensão leitora em sala de aula é ainda incipiente. A autora conclui que os professores objeto de estudo não focalizam o ensino explícito de estratégias para o desenvolvimento de processos cognitivos e metacognitivos que estimulem a formação de um leitor crítico. Da análise de planos de aula elaborados para diferentes géneros textuais (ibidem), verifica que há estímulo da participação dos alunos nas atividades de leitura, mas esta é mais passiva do que ativa, centrada em colocar ao aluno questões de nível inferior, sem estimular a reflexão sobre o texto e seu questionamento. Não contemplando, igualmente, atividades que favoreçam o desenvolvimento de estratégias cognitivas e metacognitivas.

Se o ensino de estratégias cognitivas de leitura é fundamental, a aprendizagem de estratégias de autorregulação (isto é, estratégias que permitam identificar o que se compreendeu, o que não se compreendeu, o porquê de ambas e que estratégias usar para reparar a perda de compreensão) é essencial na construção da autonomia do leitor. Estas proporcionam as ferramentas necessárias para o leitor ler textos diversos e com diferentes graus de complexidade, assegurando o exercício da compreensão leitora. É o desenvolvimento dessas estratégias que torna possível aos sujeitos continuarem a aprender ao longo da vida, isto é, a

tornarem-se life-long learners (Comissão Europeia, 2001).

Na perspetiva de Araújo (2005), o desenvolvimento da compreensão literal é importante, constituindo-se, na verdade, como base para uma leitura crítica e reflexiva. De acordo com a autora, para compreender na totalidade um texto, é preciso identificar a informação explícita, associando-a à informação que está implícita no texto e, assim, ler nas entrelinhas. Deste modo, esse processo proporciona, simultaneamente, uma leitura interpretativa e reflexiva com base em inferências, construindo conhecimento para além do texto. Pelo que apresentam os estudos citados e os resultados do exame do PISA, o ensino da leitura carece de ser explícito e sistemático, tendo em conta os textos (estrutura e mecanismos linguísticos), os contextos e as finalidades da leitura.

Damos exemplos de atividades de ensino de leitura a implementar em sala de aula de forma sistemática e explícita. Assim, antes de começar a leitura de qualquer texto, é importante clarificar objetivos e finalidades da leitura, ativar-se conhecimentos prévios sobre o tópico e o género textual e antecipar sentidos; durante a leitura - confirmar-se antecipações, estabelecer novas antecipações, ligar o conteúdo do texto a representações prévias, selecionar ideias importantes, sumariar. Após a leitura, devem confirmar-se as antecipações, resumir o texto e esclarecer todas as dúvidas que surjam. As atividades de leitura devem ser modelizadas e, posteriormente, deve refletir-se sobre os processos e estratégias usados, para que os alunos, por um lado, participem em práticas de leitura guiadas e, por outro lado, tomem consciência dos comportamentos e estratégias usados na abordagem do texto.

A título de exemplo, refira-se que quando se sintetiza com os alunos, está- -se a ensinar-lhes a identificar informação relevante e a afastar informação irrelevante. Esta é uma competência fundamental, pois, no mundo atual, as pessoas são confrontadas com tanta informação que se torna difícil escolher entre o que é essencial e o que é trivial. Ensinar a identificar o essencial é importantíssimo para a escola, mas também para a vida. Mo- delizar comportamentos leitores, verbalizando e refletindo sobre esses comportamentos, é fornecer modos de abordar os textos que ajudam os alunos a ler de forma autónoma.

Um dos fatores que mais influenciam a compreensão do texto é o conhecimento prévio que se tem acerca do assunto tratado. Isto é verdade nos textos narrativos, mas é ainda mais verdade quando se leem textos de

outras disciplinas (Ciências, História, etc.). O conhecimento prévio ajuda o leitor a perspetivar o conteúdo do texto, estimula o interesse, favorece a atenção e facilita a seleção da informação (Gee, 2000). Ensinar os alunos a mobilizar conhecimentos prévios (o que é que eu sei sobre este tópico/ assunto?) quando enfrentam uma nova tarefa é, pois, importantíssimo. Na promoção da interação leitor/ texto, o papel do questionamento do professor é fundamental. No entanto, a investigação alerta para o facto de as questões deverem ser pensadas para o desenvolvimento da compreensão. Sabe-se, também, que, mais importante do que a quantidade, é a qualidade e a diversidade das questões que promovem a compreensão de nível mais elevado. Albanese (1999) propõe cinco tipos de perguntas: (i) de verificação - visam verificar o conhecimento dos factos narrados; (ii) pessoais – referem-se ao universo pessoal da criança e visam promover um maior envolvimento desta; (iii) pedidos de opinião – pretendem suscitar juízos pessoais acerca do lido; (iv) pedidos de inferência - visam verificar a competência para inferir informação a partir do texto; e (v) perguntas enciclopédicas - são usadas para verificar o conhecimento do mundo (enciclopédico) e são seguidas, frequentemente, de explanações.

A compreensão de textos exige envolvimento estratégico na construção da significação (Gee, 2000). Após a leitura orientada de alguns textos, seguindo a mesma metodologia, deve-se parar e refletir com os alunos sobre estas mesmas estratégias, isto é, tornar os alunos conscientes de como fazer para compreender um texto. Sabe-se que os bons leitores usam diferentes estratégias enquanto leem, por exemplo: clarificam o significado das palavras e das frases, sintetizam, antecipam informação, colocam questões ao texto, separam a informação relevante da irrelevante. Num estudo sobre o modo como alunos de 16 anos processam o texto literário, Janssen et al., (2005) referem que a maior diferença entre maus e bons leitores tem a ver com o facto de os primeiros se envolverem mais com os textos, questionando mais, clarificando, fazendo mais comentários avaliativos e metacognitivos.

Numa revisão da bibliografia sobre compreensão da leitura, Dougerty-Stahl (2004) defende que os professores podem desenvolver a compreensão quando leem em voz alta para as crianças ensinando a: a) ativar conhecimentos relevantes e a filtrar conhecimentos irrelevantes, b) usar o texto para fazer ligações significativas, c) expandir os seus conhecimentos de base. Segundo a autora, os comportamentos a), b) e c) são passos

importantes para o desenvolvimento da compreensão autónoma, porque os alunos que se envolvem nestas estratégias em grupo são, mais tarde, capazes de ter um comportamento estratégico quando estão sozinhos a ler (por exemplo a estudar).

Como tem sido apontado, um bom leitor coordena um conjunto flexível de estratégias que mobiliza para responder a situações variadas de leitura. Tenta não perder de vista o objetivo da leitura, e vai resolvendo os problemas de compreensão à medida que estes vão surgindo. As estratégias enunciadas são estratégias que se aplicam a todos os tipos de texto. Quando se trata de textos narrativos, além destas estratégias, é necessário analisar a estrutura do texto narrativo (Giasson, 2000), analisar as ações e as emoções das personagens (Giasson, 2005) e relacionar as ações das personagens com as motivações subjacentes33.

33 Compreender que as ações das personagens têm motivos e que o agir é motivado, é uma das últimas dimensões a emergir na produção de narrativas pelas crianças (Sousa, 2010a). Explicitar essa ligação entre ações e motivações das personagens é uma variável importante no ensino da compreensão da narrativa.