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Potenciar a relação leitura escrita

4. A escrita

4.2. Ensinar a escrever

4.2.2. Potenciar a relação leitura escrita

LEITURA - ESCRITA

Historicamente, as práticas de leitura e de escrita influenciaram-se reciprocamente (Manguel, 1998). Por um lado, pelo desenvolvimento da escrita, a leitura modifica-se: de intensiva torna-se extensiva, de coletiva torna-se individual. Também o crescimento do número de leitores e a sua diversificação vão modificar os escritos: aumentam os géneros, dentro de cada género há maior variedade e o caminho é de autonomização da tarefa de quem escreve. Por outro lado, o desenvolvimento da leitura e da escrita, assim como o aumento do número de atores sociais que dominam as duas técnicas vão permitir a emergência de situações quotidianas de interação familiar, profissional ou social bem mais importantes. O aumento da correspondência, e de impressos de toda a ordem, é disso testemunho (Reuter, 1994, pp. 9-10). Com o surgimento de novos suportes e novos modos de registar a informação, a leitura e a escrita continuam a influenciar-se.

Contudo, a leitura e a escrita não são atividades simétricas, nem se alimentam mutuamente de forma natural. Muitas vezes, os professores pensam estas duas atividades em “coexistência fecunda” (Delforce, 1994, p. 327). Para este autor, tudo se trata como se os benefícios da leitura na escrita e desta na primeira resultassem de uma impregnação difusa. Na verdade, para conseguir operacionalizar a interação leitura/ escrita, a crença do benefício automático da leitura sobre a escrita tem que ser posta em causa. A questão fundamental será então: que tipo de leitura pode influenciar o desenvolvimento da competência de escrita? Ou seja, como descrever ou observar os escritos, quando o objetivo é aprender/ ensinar a escrever? Para que a leitura possa reverter em benefício da escrita, a primeira terá que ser acompanhada de reflexão sobre as estruturas linguísticas presentes nos textos. Assim, com observação, análise e reflexão sobre as estratégias dos autores, durante a leitura, as formas linguísticas ficariam disponíveis para serem usados pelas crianças posteriormente nos textos criados por elas.

Reuter (1994, p. 6) salienta, como pontos comuns entre as atividades de leitura e de escrita, o facto de as duas serem operações cognitivas e de linguagem (langagières). Podendo observar-se “convergences de “haut

niveau” (resolution de problèmes, constructions de buts, activation de schémas et de connaissances…) ou de “bas niveau””. Explica que essas operações - que é necessário clarificar – se concretizam e se articulam de modo diferente. Acrescenta que se verifica “une unification de la lecture-écriture par les objets et celui d’une diversification des compétences selon les objets faisant éclater la macro-compétence de lecture et la macro-compétence de l’écriture”. (ibidem, p. 7). Se, facilmente, se reconhecem pontos comuns entre as duas atividades, resultam claros os pontos de divergência. Assim, o mesmo autor (1994, pp. 6-7) defende que o âmbito, as operações, a finalidade da leitura são diferentes dos da escrita. Assim, “Par exemple, à la difference de se qui se passe en lecture, écrire implique lire (par la construction du destinataire, la revision en cours ou ultérieure etc.), nécessite une décentration impor- tante, convoque une mobilisation différente des connaissances (…). De sur- croît, écrire c’est sans doute construire un univers (discursive-thématique) en limitant les possibles et lire est sans doute le recevoir en élargissnat son monde. Ecrire c’est aussi s’offrir et render public le privé; lire serait plutôt s’approprier, privatiser le public”. De facto, podem ter-se as duas competências desenvolvidas em graus diferentes, até porque, frequente- mente, há dissociação entre leitura e escrita, isto é, não se escrevem os textos que se leem (romances, textos de jornais) e não se leem os textos que se escrevem.

Os textos escritos podem ter um papel de input para a linguagem escrita. Sendo a escrita, ao contrário da oralidade, aprendida na escola, a questão que se coloca é de que modo deve ser tratado este input. Se o objetivo é entrar no universo dos textos escritos, então será necessário um trabalho sistemático e explícito acerca dos textos, acerca dos conteúdos e da sua interpretação, mas também acerca da língua e das convenções da escrita. Segundo Sepulveda e Teberosky (2011): “(…) el contacto con libros y lectores familiariza al niño con los registros convencionales del lenguaje escrito y le ofrece la oportunidad de reconocer y de apropiarse de índices textuales (expresiones formularias, marcadores discursivos, estructuras gramaticales, etc.).

O papel do texto, da escrita como input de escrita, precisa de mais reflexão e de mais investigação. Como se pode potenciar a leitura de modo a transformá-la em meio de aprendizagem de texto e de escrita? Se o livro permite a familiaridade com a escrita e os textos, como pode a escola de

forma orientada, sistemática e intencional transformar esse contacto em aprendizagem a mobilizar em situação de escrita?

É neste tipo de enquadramento que se entende e se integra a relação profícua entre leitura e escrita. No entanto, reconhece-se, tal como Reuter, citado acima, que a relação entre leitura e escrita não é automática e as duas atividades são diferentes. A relação entre leitura e escrita é uma questão recorrente, perspetivada pelos professores como “natural”. A aprendizagem da escrita decorreria da simples exposição à leitura. É comum ouvir entre os professores: “escreve mal, porque não lê”. Na verdade, se pode haver benefícios da leitura na aprendizagem da escrita, estes não são automáticos, antes decorrem de estratégias de ensino que, intencionalmente, visam potenciar as aprendizagens da língua escrita, durante a leitura, e mobilizá-las aquando das atividades de escrita (Lourenço, 2013).

Defende-se que a leitura e a escrita, em sala de aula, devem ser atividades que interagem e se alimentam mutuamente: (i) escreve-se, quando se lê e lê-se, quando se escreve; (ii) quando se lê, presta-se atenção ao que se lê, isto é, ao modo como o escritor escreve e (iii) quando se escreve, integra-se o texto do autor no nosso texto, escrevendo à maneira de ou aproximando a escrita da escrita de autores; (iv) a reescrita de textos modelo pode constituir-se como forma de participar ativamente na constituição de comunidades de textos.

A sala de aula deve constituir-se como uma comunidade que define práticas de literacia (géneros, valores, regras de participação) e fornece modelos e demonstrações de diferentes funções e formas de escrita que dão forma aos processos de escrita da criança (Chapman, 2006, pp. 15-16). Implementar práticas que potenciem a relação entre leitura e escrita e que coloquem as crianças a observar e a analisar textos e a refletir sobre mecanismos de textualização, ajuda a desenvolver competências de leitura e escrita. Pensar aulas em que os professores levem as crianças a ler textos para identificar índices de textualidade, opções estilísticas, efeitos de sentido e a escrever textos para serem lidos e serem objeto de reflexão tem sido um desafio tanto na formação contínua como na investigação (Sousa et al., 2013).