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2. O modo escrito

2.2. Educação e Linguagem

2.2.2. Língua em Educação de Infância

2.2.2.1. Ensinar Língua

A língua e a comunicação em jardim-de-infância apresentam uma dimensão quádrupla:

(i) meio de representação - do mundo, do eu e dos outros;

(ii) meio de comunicação, de partilha, de construção de comunidade - a mediação pela linguagem torna possível a vida em comum;

(iii) meio de aprendizagens - a palavra medeia a construção do conhecimento, a criança interroga o que a rodeia, questiona-se, explica, conta, ouve ler, escuta as explicações de outros, confronta o seu entendimento com o dos outros; organiza o que aprendeu, expõe o seu ponto de vista;

(iv) objeto de aprendizagem - aprende-se a falar com outros (adultos e pares) exteriores ao círculo de socialização primária, aprendem-se regras de falar e escutar, regras para pedir, negar, negociar, contrapor, expor, ar- gumentar; aprende-se a tomar a palavra e a ficar calado. E aprende-se, também, a refletir sobre a língua, isto é, a perspetivar a língua como objeto de conhecimento; observam-se as diferentes unidades segmentais, as pala- vras, os sons, comparam-se diferentes formas de registar, compreendem-se e constrõem-se diferentes textos; discutem-se opções linguístico-textuais e relacionam-se com públicos e com finalidades.

Efetivamente, aprender a comunicar, isto é, aprender a compreender e a organizar textos consoante a situação de enunciação, envolve várias dimensões: linguísticas (palavras, frases, sequências textuais18 );

socioculturais (registos, papéis e relação entre locutores, posturas adotadas – olhar, distância -, regras de cortesia, etc..); pragmáticas. Paulatinamente, envolve, também, o desenvolvimento de uma atitude de atenção e de reflexão sobre a língua em uso: suas características e modos de organização da significação.

Assim, em jardim-de-infância, é fundamental criar oportunidades para: (i) falar para interagir; (ii) falar para aprender – negociar, falar para resolver problemas, clarificar situações ou significados, aceder ao conhecimento; (iii) falar para pensar, construir conhecimento e dizer o conhecimento;

(iv) falar para construir comunidade; (v) observar a língua e tomar consciência de algumas das suas características. No dizer de Ortega, 2002, p. 103, ”el acceso a la palabra que nos situa, que nos narra y nos reconcilia en comunidade cultural y educativa exige la reconsideración del concepto originário de experiencia”.

A atividade de linguagem não toma lugar no vazio: um ambiente de aprendizagem favorável apoia a criança, potencia todas as ocasiões para que esta possa falar e pensar; cria situações que lhe permitam falar e refletir; usa estratégias que, visando o oral, tem o escrito como fulcro. Ensinar a criança a expressar-se, significa estar disponível para ouvir, mas, também, proporcionar oportunidades para que fale: nos encontros em grande grupo, nas atividades estruturadas em pequeno grupo, nas atividades livres. Os espaços de jogo simbólico são espaços privilegiados de interação com pares, oferecendo a oportunidade de experimentar papéis, recriar situações, assumir registos variados. Se as situações de grande grupo são situações privilegiadas para falar e ser escutado por todos, os tópicos, nesta situação, são, em geral, as vivências que as crianças trazem de casa ou vivências da aula.

Já as situações de pequeno grupo possibilitam trocas mais centradas e participadas, porque têm como tópico vivências experienciadas por todo o grupo. Uma das tarefas do educador é criar condições para que a fala das crianças se desenvolva com vista à produção de textos cada vez mais extensos e complexos. Para isso, é indispensável disponibilizar objetos, tópicos, experiências, ideias que sirvam, de “matéria” aos textos.

Por vezes, observa-se, em sala de aula, que os educadores esquecem que falar supõe conhecimento e referentes de que se falar, isto é, incentivam a comunicação sem criar tópicos/ objetos de reflexão para dar lugar à comunicação. Criar situações em que a criança observa um objeto/realiza uma experiência e organiza um texto acerca dessas vivências, é potenciar o desenvolvimento da competência linguístico-textual da criança. Promover atividades em que a criança ouve ler e toma posição face ao texto, reconta ou parafraseia é permitir à criança organizar as suas representações e partilhá-las em texto, começando a adotar comportamentos letrados. A planificação do educador deve ter em conta: (i) tarefas e experiências significativas estruturadas e planeadas dentro da sala para a criança adquirir competências efetivas de escutar e de falar; (ii) oportunidades

para as crianças aprenderem a pensar criticamente acerca do que escutam e discutem; (iii) tarefas diárias de uso da língua para que a criança se aproprie, processe e apresente informação; (iv) oportunidades para que a criança descubra a linguagem e o jogo linguístico; e (v) oportunidades para a vivência de comportamentos letrados.

A conversa centrada em experiências vividas em grupo permite ao educador combinar na sua ação dois conceitos operantes no presente paradigma de educação: o conceito de zona de desenvolvimento próximo ou potencial (Vigotsky, 1978) e o conceito de andaimar (Vasconcelos et al., 2011; Vasconcelos, 2014). Pela linguagem a criança avança mediada pela ação e pela palavra do adulto, construindo textos que plasmam o que vai aprendendo.

A participação da criança em interações verbais centradas em tarefas, com objetivos explícitos e metodologia de resolução de problemas, permite a integração desse discurso socialmente mediado, como uma ferramenta para organizar e desenvolver o próprio pensamento (Bruner, 1986). De facto, através da modelização linguística de processos e procedimentos, o adulto ajuda a criança a tornar-se mais competente e mais confiante nas suas capacidades enquanto falante e agente no seu contexto. A ação de transformar a experiência em texto permite organizar a experiência, transformando-a: de vivência individual, por meio do texto, torna-se conhecimento estruturado, ordenado, significativo e partilhado. O texto dá, deste modo, sentido ao individual, integrando-o no universo dos saberes do grupo.

Se a produção de textos é um instrumento de construção de conhecimentos, a leitura permite, além da construção de conhecimentos, uma atenção particular à cultura letrada. Assim, tomar como ponto de partida um texto para que, pela leitura partilhada e orientada para a descoberta do texto e da linguagem, a criança se aproprie de índices textuais e linguísticos é colocar a criança como agente - no mundo dos textos e no universo letrado. O papel da linguagem na aprendizagem é reconhecido. Halliday (1993, p. 93) defende que aprender a língua é “the foundation of learning itself”, e que “the ontogenesis of language is at the same time the ontogenesis of learning”. Para Vigotsky (1978, pp. 25-26), a língua medeia a ação da criança, ajudando-a a planificar a ação e a tomar parte na resolução de problemas: quanto mais complexo o problema, maior a necessidade de fala. Com efeito, o papel da linguagem na aprendizagem deve levar a que,

na escola, a linguagem seja ensinada numa dupla perspetiva: enquanto ferramenta que ajuda a clarificar, antecipar e resolver problemas, mas também como meio de socializar o saber, isto é, meio de partilhar com outros o percurso de aprendizagem (Sousa, 2014b), meio de demonstrar aos outros o que se aprendeu.