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Os primeiros passos em direção à escrita

2. O modo escrito

2.2. Educação e Linguagem

2.2.2. Língua em Educação de Infância

2.2.2.4. Os primeiros passos em direção à escrita

A familiaridade com a escrita permite à criança descobrir que os sinais gráficos são convertidos em língua e que o que é dito pode ser registado para ser recuperado mais tarde, levando as crianças a perceber o jogo do oral e do escrito. Por exemplo, as leituras repetidas do mesmo texto possibilitam a descoberta da permanência dos sinais gráficos e a sua relação unívoca com a fala.

Ferreiro (1990, pp.15-22) sintetiza a competência de literacia das crianças, no que diz respeito à produção escrita, organizando-a em 3 níveis de desenvolvimento: no primeiro nível, a criança busca diferenciar dois modos básicos de representação gráfica: o desenho e a escrita. No segundo nível, a criança constrói progressivamente modos de diferenciação entre segmentos de escrita, criando, para representar diferentes palavras, diversos modos de diferenciação gráfica. O terceiro nível de desenvolvimento corresponde à fonetização, isto é, a criança passa a dar atenção à materialidade da palavra. As crianças cujas línguas têm escrita alfabética, como o português e o castelhano, por exemplo, constroem três hipóteses durante este período que caracterizam este nível: hipótese silábica, silábica-alfabética e alfabética (ibidem, p. 20). As três hipóteses, estabelecidas por Ferreiro, estão bem documentadas em português (Martins, 1996; Martins e Niza, 1998; Freitas e Santos, 2001). Na hipótese silábica, as crianças escrevem uma letra para representarem uma sílaba. Neste nível as crianças resolveram um problema importante: a relação entre o todo – um segmento de escrita – e as partes, as letras, fazendo corresponder letras às sílabas ordenadas da palavra. Na hipótese silábico-alfabética ou na silábica com fonetização, a criança faz corresponder a cada sílaba uma letra, podendo mesmo descer ao nível do fonema. Quando a criança atinge a hipótese alfabética, percebeu o princípio alfabético e, ainda que desconheça muitas das peculiaridades do sistema ortográfico, compreendeu que a semelhança de sons implica semelhança de letras, enquanto a diferença nos sons implica diferença de letras.

Constata-se, portanto, que a trajetória do desenvolvimento do princípio alfabético é longa, precisa de ser trabalhada durante o pré-escolar, mas também durante o 1º CEB, dado que as regras ortográficas apresentam

muitas inconsistências. De acordo com Ferreiro e Teberosky (1986), as crianças vão desenvolvendo conceptualizações que precisam reformular à medida que evolui o seu conhecimento.

No dizer de Vigotsky (1996, p.85), “A escrita também exige uma ação analítica da parte da criança. Na fala, a criança mal tem consciência dos sons que emite e está bastante inconsciente das operações mentais que executa. Na escrita, ela tem que tomar conhecimento da estrutura sonora de cada palavra, dissecá-la e reproduzi-la em símbolos alfabéticos, que devem ser estudados e memorizados antes”. Desenvolver estas competências é, de facto, apenas uma componente do que é saber escrever; pois, além da transcrição e do registo no papel, há toda uma dimensão de arquitetura ideacional que é preciso desenvolver.

Já no que diz respeito à leitura, Ehri (1995), apud Carles e Pastells (2012, p. 323) propõe as seguintes etapas de aprendizagem: (i) fase pré-alfabética, na qual a criança usa índices visuais para reconhecer algumas letras (por exemplo, a criança reconhece a parte de cima da letra b em balão); (ii) a fase alfabética parcial, em que a criança reconhece, nesta ordem, os inícios, os finais e as partes mediais das palavras; (iii) a fase alfabética plena, em que se faz, de forma quase completa, a correspondência entre fonemas e grafemas; e (iv) a fase alfabética consolidada, em que se reconhecem as palavras rápida e automaticamente.

Para Costa e Sousa (2010), a sala de aula precisa de ter em conta os contextos ricos em escritos em que as crianças estão imersas no seu dia a dia. Além de um ambiente rico em escritos e em textos, é necessário que os professores conheçam tanto os percursos de aprendizagem, como os conteúdos de cada sub-processo do processo de literacia, de forma a ajudarem a criança a progredir em direção a uma literacia convencional. Na verdade, quando as crianças se dedicam a atividades significativas de leitura e escrita que ocorrem em casa e no jardim de infância, compreendem o que é e para que serve a escrita. O processo de literacia compreende vários componentes quer ligados às questões da formação do projeto pessoal de leitor, quer às questões do conhecimento das convenções notacionais, quer, ainda, às questões relacionadas com a construção/ reconstrução da significação.

Não obstante a importância do contacto com ambientes letrados, salien- te-se o papel do adulto na orientação para a descoberta do mundo da

escrita. Segundo Snow (1996), a conversa entre o adulto e a criança é mais determinante em aprendizagens futuras do que a interação da criança com o universo do escrito. Cadima et al. (2011) defendem também o papel da interação adulto criança na aprendizagem, afirmam mesmo que “[...] o tipo de interações que ocorre entre o professor e a criança constitui um dos principais mecanismos instigadores do desenvolvimento e da aprendiza- gem das crianças” (ibidem, p. 26).

Se o escrito é o suporte, o artefacto cultural, a significação é a alma do texto. Não basta, por isso, ter acesso a escritos; é necessário “fazer falar” o escrito e compreendê-lo. No acesso à “alma do texto” o papel mediador do adulto é imprescindível. É a dimensão dos significados que, muitas vezes, está ausente da sala de 1º CEB, pois apresentam-se as letras, os fonemas ou as palavras, mas sem um contexto/texto em que estes ganhem sentidos. Não significa isto que as palavras, os fonemas e as grafemas não devam ser ensinados, o modo como são ensinados podem, contudo, afastar as crianças da escrita: ao não reconhecerem a “alma do texto” são afastadas do papel de leitor e (re)criado de textos. Segundo Carles e Pastells (2012, p. 331), domina no ensino da escrita (linguística e matemática) uma visão instrumental, faltando uma perspetiva epistémica que tenha em conta a função semiológica e uma função sociocultural para enfatizar a relação entre os signos e os contextos.

Além do ensino da parte notacional integrada em contextos de significação, é necessário ensinar a compreender os sentidos dos textos. Assim, é preciso entender que as crianças precisam de um mediador entre a sua competência linguística e a língua dos textos. Essa mediação faz- se aquando da leitura interativa (Canut e Vertalier, 2011), centrando a atenção na zona de desenvolvimento potencial ou em atividades em que o centro é a linguagem dos livros e o professor/educador/ cuidador ajuda a compreender conteúdos e, igualmente, expressões ao seu serviço. Uma criança imersa em ambientes ricos em escrita, em que os adultos leem para a criança e interagem à volta dos textos, rapidamente compreende a funcionalidade da escrita e os vários géneros textuais; compreende que há textos para informar e fazer agir e textos para recrear. Mas também se apropria da linguagem dos textos e, segundo Teberosky (1993), torna-se letrado ainda antes de alfabetizado.

ação, interação e semiose. A construção de significação nos diferentes domínios, assumida com intencionalidade pedagógica, permite fazer a ponte entre oral e escrito. A continuidade da concepção da linguagem como um modo de ação social e uma prática social semiótica (Hasan, 1996, p. 388) levaria a um ensino do modo escrito centrado na construção de significação e não a um ensino focalizado no nível dos aspetos notacionais, isto é, do registo, da correspondência fonema grafema, dos grafismos, da gestualidade, omitindo a significação.

Normalmente, ao focalizar o escrito e a sua aprendizagem, perspetivam- -se duas dimensões: a escrita enquanto tecnologia de registo e a escrita enquanto realidade semiótica. A primeira diz respeito ao saber decifrar e ao saber registar os sinais gráficos, técnicas necessárias para escrever e ler – a parte designada por Karmiloff-Smith (1992) e Ravid e Tolchinsky (2002) como notacional -, a segunda diz respeito à construção/ reconstrução da significação dos escritos. Esta supõe a primeira a qual pode não ser suficiente para aceder à segunda.

De facto, pode saber-se decifrar sem compreender o que se lê e pode saber-se escrever, sem se saber compor um texto. Ou seja, há saberes que é necessário explicitar e sistematizar que vão além da notação (transcrição, caligrafia, ortografia, decifração), do cultural (as funções da escrita) e do linguístico. Segundo Chauveau (2001), há, ainda, uma outra dimensão que precisa de ser ensinada: a dimensão estratégica, isto é, o conhecimento do que fazer para ler e do que fazer para compor um texto. Esta dimensão precisa ser ensinada nas duas vertentes (leitura e escrita), pois esta dimensão é, eventualmente, aquela em que a leitura e a escrita mais se afastam: dado que ler é privatizar o sentido, transformando um input visual numa representação de mundo, e escrever é tornar público o privado, transformando uma representação mental num conjunto de sinais gráficos.

2.2.2.5. A IMPORTÂNCIA DA LEITURA