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O processo de planificação

4. A escrita

4.1. Aprender a escrever

4.1.2. Aprender a escrever textos

4.1.2.1. O processo de planificação

A planificação, a revisão e as operações linguísticas de génese do texto ao nível oracional e textual são, habitualmente, consideradas processos de alto nível (Mata, 2008). Como vimos, considera-se que a escrita flui recursivamente através de um conjunto de subprocessos. Hayes e Flower (1980) especificaram componentes para os processos de planeamento e revisão, mas não para a textualização: planificação (gerar ideias, estabelecer objetivos e organizar informação); composição/ textualização (transformar planos em textos); revisão (avaliar e rever).

O processo de planificação diferencia bons e maus escritores (Scardamalia e Bereiter, 1986; Fayol e Schneuwly, 1988) e, por isso, deve ser ensinado desde cedo. Segundo Carvalho (2001, p. 74), “A planificação do texto escrito ocorre, sobretudo, num plano mental, o que implica operações de caráter abstrato, que levantam, naturalmente, alguns problemas relacionados com o desenvolvimento cognitivo dos sujeitos”. Assim, “(..) as crianças/ adolescentes têm dificuldade em planificar o texto que vão ou estão a escrever” (ibidem). Muitas vezes, os escritores menos experientes tendem a ter dificuldades em separar planificação de textualização e planificam escrevendo o texto. Só com tempo, experiência e ensino, se aprende a planificar antecipadamente.

Hayes (1996) designa este processo de “reflexão”, uma espécie de diálogo interno entre o escritor e o leitor. A planificação é o rascunho mental do texto e inclui, por isso, todos os elementos deste: conteúdo, estrutura, sentido e intenção comunicativa. Hayes, numa comunicação apresentada ao SigWriting 2012 (Porto, 12 de julho de 2012), repensa o modelo apresentado em Hayes e Flower (1980) e em Hayes (1996) e considera, entre outros, que planificação e revisão não são subprocessos do mesmo nível da transcrição. Segundo esta nova formulação, planificação e revisão são operações de alto nível e integram as estruturas de controlo da atividade de escrita.

No dizer de Kellog (2008, p. 2), “Writing an extended text at an advanced level involves not just the language system. It poses significant challenges to our cognitive systems for memory and thinking as well”. No processo de planificar, podem distinguir-se diferentes operações que correspondem

a diversas dimensões: (i) estabelecer, priorizar e modificar objetivos e subobjetivos para responder a exigências da tarefa, do tipo de texto e do leitor almejado; (ii) gerar conteúdos, recorrendo à memória de longo prazo ou fazendo leituras; (iii) selecionar e organizar os conteúdos de acordo com os objetivos formulados.

A capacidade de planificar o texto adquire-se paulatinamente. À medida que crescem e desenvolvem as suas competências textuais, as crianças e jovens tendem a planificar mais. Conquanto seja uma tarefa exigente, as dificuldades subjacentes estão associadas, em larga medida, à experiência e ao conhecimento do sujeito acerca do tipo de texto e do tema. Quanto melhor se conhece um tema, mais fácil é gerar ideias, e, conhecendo as convenções relativas à estrutura do texto, mais fácil será organizar o texto. Segundo Carvalho (2001, p.75), “Os escreventes adultos geram conteúdo através de um processo de natureza heurística”, isto é, recorrem aos conhecimentos que possuem e consideram os objetivos do texto,

recolhendo na memória a longo prazo46 mais informação do que

normalmente incluem no texto. A criança e adolescente não usam a estratégia heurística, não analisam o problema, antes buscam na memória a longo prazo por tentativa e erro o conhecimento sobre o assunto. Por isso, produzem textos com informação irrelevante e muitas vezes redundante. No fundo, utilizam toda a informação recuperada, seguindo a estratégia de “dizer o conhecimento” sem selecionar, organizar o hierarquizar as ideias, resultando, assim, o texto num conjunto de ideias (frases) pouco relacionadas e, por vezes, incoerentes. De acordo com Bereiter e Scardamalia (1987), este comportamento é devido a limitações da memória operativa.

Às limitações na geração e seleção da informação, acresce o facto de, ao planificar o texto, o escritor inexperiente não atender às necessidades do leitor, nem às exigências do tema, nem da organização do texto. Em suma, não estabelece objetivos nem pessoais (intenção comunicativa), nem retóricos (relacionados com a forma do texto) (Mata, 2008, p. 55). Já os escritores experientes usam a estratégia “transformar o conhecimento”, isto é, incorporam os objetivos no processo de planificação e usam o conhecimento relevante, afastando o irrelevante, de acordo com o tópico e os objetivos do texto (Bereiter e Scardamalia, 1987).

46 Considerada, por Chanquoy e Alamargot (2002), “en tant que registre ressource stockant les différentes connaissances impliquées dans les traitements rédactionnels.”

O desconhecimento da estrutura de cada tipo de texto/sequência textual também dificulta a tarefa de escrita, pois a estrutura funciona como um esquema organizativo dos conteúdos e do próprio texto. O conhecimento da estrutura do texto ajuda a selecionar, organizar e a hierarquizar a informação.

Devido à complexidade das tarefas e ao nível altamente abstrato de algumas das operações, a escrita precisa de ser ensinada explicitamente. Segundo Kellogg (2008, p. 2), “Learning how to compose an effective extended text, therefore, should be conceived as a task similar to acquiring expertise in related culturally acquired domains. It is not merely an extension of our apparent biological predisposition to acquire spoken language”.

Para ensinar a planificar, há tarefas que devem ser ensinadas explicitamente. A título de exemplo, apontam-se, no que diz respeito ao conteúdo, estratégias a ensinar:

(i) Estabelecer objetivos, conceber o destinatário e a finalidade do texto; (ii) Ativar conhecimentos sobre o tópico e género de texto;

(iii) Programar a forma como se vai realizar a tarefa; (iv) Efetuar pesquisas e consultas;

(v) Tomar notas para posterior utilização; (vi) Selecionar e organizar a informação;

(vii) Elaborar planos quer mentalmente, quer por escrito;

(viii) Projetar mentalmente a organização do texto, (ou de unidades como capítulos, secções, parágrafos ou grupos de frases).

Já no que diz respeito à intenção comunicativa subjacente a qualquer texto, é necessário ativar, e guardar em memória durante o processo de escrita, as seguintes questões:

– quem escreve? – para quem escreve? – sobre o que escreve? – com que objetivos? – como escreve?

– em que meios ou suportes permanecerá o escrito? – que resposta pode/ quer obter?

Na verdade, a resposta a estas questões vai ajudar a escolher o género em que se verte o escrito. Mas nem sempre a escrita (escolar) radica numa necessidade efetiva do sujeito e, quando os alunos desconhecem para quê escrever, desconhecem a estrutura textual, e, ainda, possuem fracas competências de texto, redigem, muitas vezes, textos que se aproximam de uma enumeração o que, até graficamente, aproxima os textos de uma lista. O conceito de lista é um conceito defendido por Schiffrin (1994). A diferença entre uma lista e um texto é que à primeira faltam os mecanismos sintático-semânticos que unem os enunciados de modo a fazer um todo coerente e coeso. A lista será um tipo de escrito anterior à fase textual, propriamente dita. Mesmo quando, graficamente, o escrito não apresenta esta configuração, após a leitura, verifica-se que o princípio organizacional é o da lista (ver abaixo, secção 6.3 T1).