2.2 Grupos. Estruturas e Constru¸ c˜ oes B´ asicas
2.2.2 Subgrupos Normais e o Grupo Quociente
2.2.2.1 Alguns Teoremas Sobre Isomorfismos e Homomorfismos de Grupos
γn1(m) =m para todom ∈M, estabelecendo quen1n2 ∈N; 3. sen∈N, ent˜ao, para todom ∈M vale γn−1(m) = γn−1 γn(m)
=γn−1n(m) =γeG(m) =m, o que prova quen−1∈N.
QueNGsegue do fato que, para todom∈M, todog∈Ge todo n∈N, valeγgng−1(m) =γg
γn γg−1(m)
= γg γg−1(m)
=γgg−1(m) =γeG(m) =m, provando quegng−1∈N. Na segunda igualdade usamos que γn γg−1(m)
= γg−1(m), poisn∈N.
O exerc´ıcio que segue mostra como podemos obter a partir deγ uma a¸c˜ao efetiva, ou fiel, tomando o quociente deG porN:
E. 2.84 Exerc´ıcio. Como antes, sejaM um conjunto n˜ao vazio, sejaGum grupo, seja γ :G×M →M uma a¸c˜ao (`a esquerda ou `a direita) de G sobre M e seja N o subgrupo normal de G definido em (2.52). Considere o grupo quociente G/N e defina Γ : (G/N)×M →M por
Γ[g](m) := γg(m), para todosg∈Gem∈M.
I. Mostre que Γ, dada acima, faz sentido como fun¸c˜ao definida nas classes que comp˜oemG/N, ou seja, mostre que se g∼N g′, ent˜ao, de fato,Γ[g](m) = Γ[g′](m)para todom∈M, pois valer´aγg(m) =γg′(m), tamb´em para todom∈M.
II. Mostre queΓ : (G/N)×M →M ´e uma a¸c˜ao (`a esquerda ou `a direita, dependendo deγo ser) deG/N emM.
III. Mostre queΓ : (G/N)×M →M ´e uma a¸c˜ao efetiva, ou seja, fiel, de G/N emM, ou seja, mostre que se valerΓ[g](m) =m para todom, ent˜ao[g] = [eG] =N, o elemento neutro deG/N.
6
2.2.2.1 Alguns Teoremas Sobre Isomorfismos e Homomorfismos de Grupos
Vamos agora apresentar alguns resultados fundamentais sobre homomorfismos de grupos. Historicamente esses resulta-dos originam-se resulta-dos trabalhos de Noether54 e van der Waerden55. Talvez a maior importˆancia pr´atica dos resultados
54Amalie Emmy Noether (1882–1935).
55Bartel Leendert van der Waerden (1903–1996).
que obteremos ´e a de permitir estabelecer que certos grupos s˜ao isomorfos, mas esses resultados tˆem diversas outras consequˆencias estruturais que exploraremos posteriormente.
Se G eG′ s˜ao dois grupos (com elementos neutroseG e eG′, respectivamente) eϕ :G →G′ ´e um homomorfismo, vimos no Exerc´ıcio E. 2.81, p´agina 132, que Ran (ϕ) (definido em (2.49)) ´e um subgrupo deG′ e que Ker (ϕ) (definido em (2.50)) ´e um subgrupo normal deG.
O teorema que segue ´e fundamental para todos os resultados que obteremos sobre homomorfismos e isomorfismos de grupos na presente Se¸c˜ao.
Teorema 2.5 (Teorema Fundamental de Homomorfismos) Sejam dois grupos G e G′ e um homomorfismo ϕ : G → G′. Seja N um subgrupo normal de G com N ⊂ Ker (ϕ). Como usual, denotemos por [g]N a classe do grupo quociente G/N que cont´emg∈G. Ent˜ao, a aplica¸c˜ao Ψ :G/N →G′, definida por Ψ [g]N
:=ϕ(g)para cadag∈G, ´e um homomorfismo deG/N emG′.
Fora isso,Ψser´a um epimorfismo (um homomorfismo sobrejetor) se e somente seϕo for eΨser´a um monomorfismo
(um homomorfismo injetor) se e somente se Ker (ϕ) =N. 2
Prova. Definimos Ψ :G/N →G′ por Ψ [g]N
:=ϕ(g). Primeiramente, provemos que essa express˜ao est´a bem definida nas classesG/N. Sega, gb∈Gs˜ao tais quega ∼N gb, ent˜ao existe n∈N tal queg−1a gb =n. Logo,ϕ(gb) =ϕ(gan) = ϕ(ga)ϕ(n) =ϕ(ga)eG′ =ϕ(ga), provando que Ψ [g]N
n˜ao depende do particular representante tomado em [g]N. Acima, usamos o fato queϕ(n) =eG′, pois supomos queN ⊂Ker (ϕ).
Vamos agora provar que Ψ ´e um homomorfismo. Sejam g1, g2 ∈ G. Temos que Ψ [g1]N[g2]N
= Ψ [g1g2]N
= ϕ(g1g2) =ϕ(g1)ϕ(g2) = Ψ [g1]N
Ψ [g2]N .
Temos queg′ ∈G′ est´a na imagem de Ψ se e somente se existirg∈Gtal queg′=ϕ(g). Logo, Ψ ´e um epimorfismo (um homomorfismo sobrejetor) se e somente seϕo for. Resta-nos provar que Ψ ´e um monomorfismo (um homomorfismo injetor) se e somente se Ker (ϕ) =N.
Sejam g1, g2 ∈ G. Temos que Ψ [g1]N
= Ψ [g2]N
se e somente se ϕ(g1) = ϕ(g2) e, portanto, se e somente se ϕ(g−11 g2) =eG′, ou seja, se e somente seg−11 g2 ∈Ker (ϕ). Assim, se N = Ker (ϕ) teremos que a igualdade Ψ [g1]N
= Ψ [g2]N
implica que g1−1g2 ∈ N, ou seja, [g1]N = [g2]N e, portanto, Ψ ´e injetor. Por outro lado, se Ψ for injetor, o racioc´ınio acima diz-nos que sempre que tivermosg1−1g2∈Ker (ϕ) devemos ter tamb´em [g1]N = [g1]N, ou seja, devemos ter g1 ∼N g2. Em outras palavras, g−11 g2 ∈ Ker (ϕ) implica que g1−1g2 ∈ N. Portanto, se tomarmos, em particular, g1 =eG e g2 ∈ Ker (ϕ), devemos terg2 ∈ N. Assim, estabeleceu-se que Ker (ϕ)⊂ N, implicando que Ker (ϕ) = N.
Logo, Ψ ser´a um monomorfismo (um homomorfismo injetivo) se e somente se Ker (ϕ) =N.
No restante desta se¸c˜ao vamos obter as consequˆencias mais relevantes do Teorema 2.5.
• O Primeiro Teorema de Isomorfismos
Sejam GeH dois grupos eϕ:G→H um homomorfismo. J´a sabemos (Exerc´ıcio E. 2.81, p´agina 132) que Ker (ϕ) ´e um subgrupo normal de Ge Ran (ϕ) ´e um subgrupo deH. Se tomarmosN = Ker (ϕ) eG′ = Ran (ϕ) no Teorema 2.5, obtemos o seguinte corol´ario importante:
Teorema 2.6 (Primeiro Teorema de Isomorfismos) Sejam G e H dois grupos e ϕ : G→ H um homomorfismo.
Ent˜ao,G/Ker (ϕ)eRan (ϕ)s˜ao grupos isomorfos: G/Ker (ϕ)≃Ran (ϕ), com o isomorfismo sendo dado porΨ [g]Ker (ϕ)
=
ϕ(g),g∈G. 2
Prova. Sabemos que Ker (ϕ)Ge que Ran (ϕ) ´e um subgrupo deH. Obviamente,ϕ´e sobrejetor em Ran (ϕ). Adotando-se N = Ker (ϕ) eG′= Ran (ϕ) no Teorema 2.5, obtemos a afirma¸c˜ao que Ψ :G/Ker (ϕ)→Ran (ϕ) dado por Ψ [g]Ker (ϕ)
= ϕ(g),g∈G, ´e ao mesmo tempo um epimorfismo e um monomorfismo, ou seja, ´e um isomorfismo.
Na Proposi¸c˜ao 21.17, p´agina 1101, usaremos o Teorema 2.6 para demonstrar que os grupos SU(2)/{1, −1} e SO(3) s˜ao isomorfos. Os exerc´ıcios que seguem exibem algumas aplica¸c˜oes mais simples do Teorema 2.6.
E. 2.85 Exerc´ıcio. SejaZo grupo dos n´umeros inteiros com a opera¸c˜ao usual de soma. Seja n∈Ncomn≥2, fixo. Denotamos por nZ o conjunto de todos os m´ultiplos inteiros de n: nZ :=
nk| k ∈ Z ⊂ Z. (a) Mostre que nZ ´e um subgrupo de Z.
ComoZ´e Abeliano, segue quenZ´e um subgrupo normal deZ. ComonZ´e um subgrupo normal deZ, podemos construir o grupo quocienteZ/(nZ). (b)Mostre queZ/(nZ)´e isomorfo ao grupoZndefinido `a Se¸c˜ao 2.1.3.1, p´agina 92. (c)Mostre que a aplica¸c˜ao ϕ : Z → U(1) dada por ϕ(m) = exp 2πimn
´e um homomorfismo entre os grupos Z e U(1). Mostre que Ker (ϕ) = nZ e que Ran (ϕ) =n
exp 2πimn
, m= 0, . . . , n−1o
. Conclua do Teorema 2.6 queZn≃Z/(nZ)≃n
exp 2πimn
, m= 0, . . . , n−1o . 6
E. 2.86 Exerc´ıcio. Seja GL(n, C) o grupo das matrizes complexas n×n invers´ıveis (i.e., de determinante n˜ao nulo). Seja SL(n, C)⊂GL(n, C) o subgrupo das matrizes complexasn×n de determinante igual a1. SejaC\ {0}o grupo multiplicativo dos complexos (sem o elemento zero).
Mostre que a aplica¸c˜aoϕ: GL(n, C)→C\ {0}dada porGL(n, C) ∋A 7→det(A)∈C\ {0}´e um homomorfismo. Sugest˜ao:
lembrar quedet(AB) = det(A) det(B). Mostre queKer (ϕ) = SL(n, C)(o que,en passant, informa-nos queSL(n, C)´e um subgrupo normal deGL(n, C). Vide Exerc´ıcioE. 2.82, p´agina 133) e mostre queRan (ϕ) =C\ {0}. Conclua do Teorema 2.6 que
GL(n, C)/SL(n, C) ≃ C\ {0}.
6
E. 2.87 Exerc´ıcio. Prove analogamente que
O(n)/SO(n) ≃ {−1, 1} ≃ Z2 e que U(n)/SU(n) ≃ U(1)
para todon∈N. 6
Na Se¸c˜ao 21.4.5, p´agina 1098, estabeleceremos a importante rela¸c˜ao (Proposi¸c˜ao 21.17, p´agina 1101):
SO(3) ≃ SU(2)/{−1, 1},
de grande significado na Mecˆanica Quˆantica (para a descri¸c˜ao de rota¸c˜oes em estados de part´ıculas com spin 1/2).
Nas Se¸c˜oes 45.1, p´agina 2488, e 45.A, p´agina 2496, estabelecemos que o grupo de Lorentz pr´oprio ort´ocronoL↑
+ e o grupo quociente SL(2, C)/{−1, 1}s˜ao tamb´em isomorfos. Esse fato ´e igualmente de grande significado para a Mecˆanica Quˆantica Relativista.
• O Segundo Teorema de Isomorfismos
O resultado que segue ´e um corol´ario do Teorema 2.6, p´agina 136.
Teorema 2.7 (Segundo Teorema de Isomorfismos) Sejam G um grupo, S um subgrupo de G e N um subgrupo normal deG. Ent˜ao, valem as seguintes afirma¸c˜oes:
1. SN :={sn, s∈S, n∈N}´e um subgrupo deGe N ´e um subgrupo normal de SN. 2. S∩N ´e um subgrupo normal deS.
3. (SN)/N eS/(S∩N)s˜ao isomorfos. 2
Prova. Note-se primeiramente que, comoSeN s˜ao subgrupos deG, ambos contˆem o elemento neutro. Segue trivialmente desse fato que SN ⊃S∪N e, em particular, que N ⊂SN. Pela Proposi¸c˜ao 2.2, p´agina 96, sabemos queS∩N ´e um subgrupo deGe, portanto, ´e tamb´em um subgrupo deS e deN.
Ses1, s2∈S en1, n2∈N, temos ques1n1s2n2= (s1s2) s−12 n1s2
n2. Agora,s−12 n1s2∈N, pois N ´e um subgrupo normal de G(e S ⊂G). Logo,s1n1s2n2 =s3n3, onde s3 =s1s2 ∈ S e n3= s−12 n2s2
n2 ∈N. Assim, o produto de dois elementos de SN ´e um elemento de SN. Consideremos agora a opera¸c˜ao de invers˜ao. Se s ∈S e n ∈N, ent˜ao (sn)−1 = n−1s−1 = s−1 sn−1s−1
. Agora, sn−1s−1 ∈ N pela raz˜ao j´a mencionada. Isso estabeleceu que SN ´e um subgrupo deG, provando o item 1.
E claro que´ S∩N ´e um subgrupo de S e deN. Sejah∈S∩N e seja s∈S. Temos queshs−1∈N, poish∈N e NG. Ao mesmo tempo,shs−1∈S, poish∈S. Logo,shs−1∈S∩N, provando queS∩N ´e um subgrupo normal de S, estabelecendo o item 2.
ComoNG, tem-se tamb´em queNSN, j´a queSN ´e um subgrupo deG. Assim, o quocienteSN/N est´a definido.
Analogamente, o quocienteS/(S∩N) est´a definido, pois (S∩N)S. Provemos que esses dois quocientes s˜ao isomorfos.
Os elementos deSN/N s˜ao classes do tipo [sn]N, coms∈S en∈N. Os elementos deS/(S∩N) s˜ao classes do tipo [s]S∩N, coms∈S.
Considere-se a aplica¸c˜aoϕ:SN →S/(S∩N) dada porϕ(sn) := [s]S∩N. Primeiramente, notemos que essa express˜ao est´a bem definida, pois ses, s′ ∈S en, n′ ∈N s˜ao tais quesn=s′n′, ent˜aos′=sn′′, onden′′=n(n′)−1. Agora, por um lado temos s−1s′ = n′′ ∈N e por outro lado temos s−1s′ ∈ S, j´a ques es′ s˜ao elementos de S. Isso provou que s∼S∩N s′ e, portanto, que [s]S∩N = [s′]S∩N.
Vamos agora provar que ϕ:SN →S/(S∩N) ´e um homomorfismo. Isso ´e simples, pois ϕ s1n1s2n2
= ϕ
s1s2 s−12 n1s2n2
| {z }
∈N
= [s1s2]S∩N = [s1]S∩N[s2]S∩N = ϕ s1n1
ϕ s2n2 .
Temos que Ran (ϕ) =
[s]S∩N, s∈S =S/(S∩N).
Por fim, observemos que Ker (ϕ) =
sn|s ∈S, n ∈N e [s]S∩N = [eG]S∩N . Isso significa quesn∈ Ker (ϕ) se e somente ses∼S∩N eG, ou seja, se e somente seseG∈S∩N. Ora, isso ´e v´alido se e somente ses∈S∩N. Logo,sn∈N e, portanto, Ker (ϕ) =N.
Evocando-se agora o Teorema 2.6, p´agina 136, temos que (SN)/Ker (ϕ)≃Ran (ϕ), ou seja, (SN)/N ≃S/(S∩N).
completando a prova.
• O Terceiro Teorema de Isomorfismos
O resultado que segue ´e mais um corol´ario do Teorema 2.6, p´agina 136.
Teorema 2.8 (Terceiro Teorema de Isomorfismos) Seja Gum grupo e sejamN1 eN2 dois subgrupos normais de Gtais que N1⊂N2. Ent˜ao,N1N2e valem
1. (N2/N1)(G/N1).
2. (G/N1)/(N2/N1)´e isomorfo a G/N2. 2
Prova. QueN1N2´e evidente, poisN1GeN2´e um subgrupo deG.
Temos G/N1=
[g]N1, g∈G eN2/N1=
[n2]N1, n2∈N2 . ´E claro queN2/N1´e um subgrupo de G/N1. Agora, [g]N1[n2]N1[g]−1N1 =
gn2g−1
N1. Mas gn2g−1 ∈ N2, j´a que N2G. Logo, [g]N1[n2]N1[g]−1N1 ∈ N2/N1, provando que (N2/N1)(G/N1) e provando o item 1.
Pelo item 1, o quociente (G/N1)/(N2/N1) est´a bem definido. Sejaϕ:G/N1→G/N2 definido porϕ [g]N1
:= [g]N2. Primeiramente, notemos que ϕ est´a bem definida pois, se g′ ∼N1 g, ent˜ao g−1g′ ∈ N1. Logo, g−1g′ ∈ N2, pois N1⊂N2, implicando que [g′]N2= [g]N2. Vamos provar queϕ´e um homomorfismo. Temos que
ϕ [g1]N1[g2]N1
= ϕ [g1g2]N1
= [g1g2]N2 = [g1]N2[g2]N2 = ϕ [g1]N1
ϕ [g2]N1
.
Temos ainda que Ran (ϕ) = n
[g]N2, g ∈ Go
= G/N2. Al´em disso, Ker (ϕ) = n
[g]N1| [g]N2 = [eG]N2
o. Agora, [g]N2= [eG]N2 se e somente segeG∈N2, ou seja, se e somente seg∈N2. Logo, Ker (ϕ) =n
[n2]N1|n2∈N2
o=N2/N1. Evocando-se agora o Teorema 2.6, p´agina 136, temos que (G/N1)/Ker (ϕ)≃Ran (ϕ), ou seja, (G/N1)/(N2/N1)≃ G/N2, completando a prova.