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2.2 Grupos. Estruturas e Constru¸ c˜ oes B´ asicas

2.2.1 Cosets

• Cosets `a esquerda, ou “left cosets”

SejaGum grupo eH um subgrupo deG. Podemos definir emGuma rela¸c˜ao de equivalˆencia, que denotaremos por

Hl (o ´ındice “l” denotando “left”), dizendo que dois elementosxeydeGs˜ao equivalentes sex−1y∈H. Representaremos porx∼Hl y o fato dexeyserem equivalentes no sentido acima.

E. 2.78 Exerc´ıcio importante. Verifique que a defini¸c˜ao acima corresponde de fato a uma rela¸c˜ao de equivalˆencia. 6 Denotemos por (G/H)la cole¸c˜ao das classes de equivalˆencia deGpela rela¸c˜ao∼Hl . O conjunto (G/H)l´e denominado coset `a esquerdadeGporH, ouleft cosetdeGporH.

Seja [·]la aplica¸c˜aoG→(G/H)lque associa a cada elemento deGa classe de equivalˆencia a qual o elemento pertence.

A aplica¸c˜ao [·]l´e denominadaaplica¸c˜ao quociente `a esquerdaassociada aH. Note-se que [·]l´e sobrejetora mas, em geral, n˜ao ´e injetora pois, se gHl g, ent˜ao [g]l= [g]l. Com isso, os elementos de (G/H)lpoder˜ao ser denotados por [g]l com g∈G, o que frequentemente faremos.

Podemos identificar [g]l com o conjuntogH ={gh, h∈H} ⊂G. De fato,g ∈gH se e somente se existe h∈H tal queg=ghe, portanto, se e somente seg−1g ∈H, ou seja, se e somente seg∼Hl g.

Isso nos ensina que see´e o elemento neutro deG, ent˜ao [e]l=H. Assim, o subgrupoH ´e, ele mesmo, uma classe de equivalˆencia pela rela¸c˜ao de equivalˆencia∼Hl e, portanto, ´e um elemento de (G/H)l.

• Cosets `a direita, ou “right cosets”

SejaGum grupo eHum subgrupo deG. Podemos definir emGuma rela¸c˜ao de equivalˆencia, que denotaremos por∼Hr

(o ´ındice “r” denotando “right”), dizendo que dois elementosxeydeGs˜ao equivalentes sexy−1∈H. Representaremos porx∼Hr y o fato dexeyserem equivalentes no sentido acima.

E. 2.79 Exerc´ıcio importante. Verifique que a defini¸c˜ao acima corresponde de fato a uma rela¸c˜ao de equivalˆencia. 6 Denotemos por (G/H)ra cole¸c˜ao das classes de equivalˆencia deGpela rela¸c˜ao∼Hr. O conjunto (G/H)r´e denominado coset `a direitadeGporH, ouright cosetdeGporH.

Seja [·]r a aplica¸c˜ao G → (G/H)r que associa a cada elemento de G a classe de equivalˆencia a qual o elemento pertence. A aplica¸c˜ao [·]r´e denominadaaplica¸c˜ao quociente `a direitaassociada aH. Note-se que [·]r ´e sobrejetora mas, em geral, n˜ao ´e injetora pois, segHr g, ent˜ao [g]r= [g]r. Com isso, os elementos de (G/H)r poder˜ao ser denotados por [g]r comg∈G, o que frequentemente faremos.

Podemos identificar [g]r com o conjuntoHg={hg, h∈H} ⊂G. De fato,g∈Hgse e somente se existeh∈H tal queg=hge, portanto, se e somente segg−1∈H, ou seja, se e somente segHr g.

Isso nos ensina que se e´e o elemento neutro de G, ent˜ao [e]r=H. Assim, o subgrupoH ´e, ele mesmo, uma classe de equivalˆencia pela rela¸c˜ao de equivalˆencia∼Hr e, portanto, ´e um elemento de (G/H)r.

Doravante, denotaremos ∼Hl simplesmente por∼l e∼Hr por∼r, ficando o subgrupo H subentendido.

• A¸c˜ao `a esquerda de Gsobre (G/H)l

E sempre poss´ıvel definir uma a¸c˜´ ao `a esquerda deGsobre o coset `a esquerda (G/H)l, a qual age transitivamente em (G/H)l(vide defini¸c˜ao `a p´agina 119). Isso faz de (G/H)lumespa¸co homogˆeneodeG(vide defini¸c˜ao `a p´agina 120).

Seja Gum grupo,H um subgrupo deGe seja o coset `a esquerda (G/H)l, definido acima. Defina α: G×(G/H)l → (G/H)l tal que G×(G/H)l ∋ g, [f]l

7−→ αg [f]l

:= [gf]l ∈ (G/H)l. Ent˜ao,αdefine umaa¸c˜ao `a esquerda deGsobre (G/H)l. De fato, tem-se que

1. Para cada g ∈G, αg : (G/H)l → (G/H)l ´e bijetora, pois se existem f1, f2 ∈ G tais que [gf1]l = [gf2]l, ent˜ao gf1l gf2, ou seja, (gf1)−1(gf2) ∈ H, ou seja, (f1)−1f2 ∈ H. Isso estabelece que f1l f2, ou seja, que [f1]l= [f2]l, provando que αg : (G/H)l →(G/H)l ´e injetora. Note-se queαg : (G/H)l→ (G/H)l ´e sobrejetora, pois αg [g−1f]l

= [f]le variandof emG, [f]l varre todo (G/H)l. 2. Para a identidade e ∈ G, αe [f]l

= [ef]l = [f]l para todo f ∈ G, provando que αe : (G/H)l → (G/H)l ´e a aplica¸c˜ao identidade.

3. Para todosg, h∈Gvale αg

αh [f]l

g [hf]l

= [ghf]lgh [f]l

para qualquerf ∈G.

Isso provou queα:G×(G/H)l→(G/H)l´e uma a¸c˜ao `a esquerda de Gem (G/H)l.

N˜ao ´e dif´ıcil ver que a a¸c˜aoαage transitivamente em (G/H)l. De fato, see´e a unidade deG, ent˜aoαg [e]l

= [g]le variandog por todoGa imagem [g]l varre todo (G/H)l.

• A¸c˜ao `a direita de Gsobre (G/H)r

E sempre poss´ıvel definir uma a¸c˜´ ao `a direita de G sobre o coset `a direita (G/H)r, a qual age transitivamente em (G/H)r(vide defini¸c˜ao `a p´agina 119). Isso faz de (G/H)r umespa¸co homogˆeneodeG(vide defini¸c˜ao `a p´agina 120).

Seja Gum grupo,H um subgrupo deGe seja o coset `a direita (G/H)r, definido acima. Defina β : G×(G/H)r → (G/H)r tal que G×(G/H)r ∋ g, [f]r

7−→ βg [f]r

:= [f g]r ∈ (G/H)r. Ent˜ao,β define uma a¸c˜ao `a direitadeGsobre (G/H)r. De fato, tem-se que

1. Para cada g ∈ G, βg : (G/H)r → (G/H)r ´e bijetora, pois se existem f1, f2 ∈ G tais que [f1g]r = [f2g]r, ent˜ao f1g ∼r f2g, ou seja, (f1g)(f2g)−1 ∈H, ou seja, f1(f2)−1 ∈H. Isso estabelece que f1r f2, ou seja, que [f1]r= [f2]r, provando que βg: (G/H)r→(G/H)r´e injetora. Note-se queβg: (G/H)r →(G/H)r´e sobrejetora, pois βg [f g−1]r

= [f]r e variandof emG, [f]rvarre todo (G/H)r. 2. Para a identidade e ∈ G, βe [f]r

= [f e]r = [f]r para todo f ∈ G, provando que βe : (G/H)r → (G/H)r ´e a aplica¸c˜ao identidade.

3. Para todosg, h∈Gvale βg

βh [f]r

g [f h]r

= [f hg]rhg [f]r

para qualquerf ∈G.

Isso provou queβ:G×(G/H)r→(G/H)r´e uma a¸c˜ao `a direita deGem (G/H)r.

N˜ao ´e dif´ıcil ver que a a¸c˜aoβ age transitivamente em (G/H)r. De fato, see´e a unidade deG, ent˜aoαg [e]r

= [g]r

e variandogpor todo Ga imagem [g]rvarre todo (G/H)r.

*

Os cosets (G/H)le (G/H)r podem ser identificados e transformados em grupos se uma certa hip´otese for feita sobre o subgrupoH e sua rela¸c˜ao comG. Esse ´e nosso assunto na Se¸c˜ao 2.2.2.

2.2.1.1 O Teorema de Lagrange

A no¸c˜ao de coset de um grupo por um subgrupo permite obter um elegante, interessante e ´util resultado sobre grupos finitos, conhecido comoTeorema de Lagrange49, o qual estabelece uma rela¸c˜ao entre o n´umero de elementos de um grupo finito e de seus subgrupos. Esse teorema tem consequˆencias tanto para a Teoria de Grupos quanto para a Teoria de N´umeros.

• Nota¸c˜ao e defini¸c˜oes preliminares

SeG´e um grupo finito, denotamos por|G|o n´umero de elementos deG, tamb´em denominada aordemdeG. SeH´e um subgrupo de Gdenotamos por

(G/H)l

(por (G/H)r

) o n´umero de elementos do coset (G/H)l (respectivamente, do coset (G/H)r).

Se A ´e um subconjunto de um grupo G (n˜ao necessariamente finito), e g ∈ G, denotamos por gA o conjunto {ga, a∈A}e porAg o conjunto{ag, a∈A}. O conjuntogA(respectivamente,Ag) ´e dito ser otransladado `a esquerda (`a direita) deA porg.

SejaGum grupo e sejamAeBdois subconjuntos n˜ao vazios (n˜ao necessariamente dois subgrupos) deG. Denotamos por |B : A|l o menor conjunto de transladados `a esquerda de A que cobrem B, ou seja, o menor n tal que B ⊂ (g1A)∪ · · · ∪(gnA) para algum conjunto{g1, . . . , gn} de elementos distintos deG. CasoB n˜ao possa ser coberto por uma cole¸c˜ao finita de transladados `a esquerda deA dizemos que|B:A|l vale infinito.

De maneira an´aloga definimos|B :A|r como o menor conjunto de transladados `a direita deA que cobremB.

Notemos que se B for finito ou compacto eA aberto, ent˜ao|B:A|l e|B:A|r s˜ao finitos.

49Joseph-Louis Lagrange (1736–1813).

Coment´ario. As quantidades|B:A|le|B:A|r, definidas acima, s˜ao relevantes na defini¸c˜ao da chamadamedida de Haarde grupos compactos

(ou finitos). Vide,e.g., [289].

• Resultados preparat´orios

Para demonstrar o Teorema de Lagrange precisamos dos resultados que seguem.

Lema 2.3 Seja H um subgrupo de um grupoG. Ent˜ao, existe uma bije¸c˜ao entre os cosets(G/H)l e(G/H)r, dada por Φ : (G/H)l→(G/H)r, comΦ [g]l

:=

g−1

r. 2

Prova. Se g1 eg2 s˜ao elementos de G, ent˜ao g1l g2 se e somente seg2−1g1=h∈H, o que ´e verdade se e somente se g1−1g2=h−1∈H e, portanto, se e somente se g−11

g2−1−1

=h−1∈H, que ´e verdade se e somente seg1−1rg2−1. Isso prova que Φ : (G/H)l→(G/H)r, definida por Φ [g]l

:=

g−1

r, est´a realmente definida nas classes (G/H)le ´e injetora. Mas Φ ´e claramente sobrejetora, pois toda classe de (G/H)r´e da forma

g−1

r para algum g∈G. Portanto, Φ ´e bijetora.

Lema 2.4 Seja H um subgrupo de um grupo Ge seja (G/H)l seu coset `a esquerda. Ent˜ao, existe uma bije¸c˜ao entreH e cada classe de equivalˆencia que comp˜oe (G/H)l. Portanto, cada classe de equivalˆencia que comp˜oe (G/H)l possui a mesma cardinalidade deH. As mesmas afirma¸c˜oes s˜ao v´alidas para o coset `a direita(G/H)r. 2

Prova. Para alguma∈G, seja [a]l⊂Gsua classe de equivalˆencia, que ´e um elemento de (G/H)l. Considere-se a fun¸c˜ao L:H →[a]l dada porL(h) =ah. Em primeiro lugar, note-se que a imagem dessa fun¸c˜ao est´a realmente em [a]l, pois a−1(ah) =h∈H, o que mostra quea∼Hl ahe, portanto, queah∈[a]l. Em segundo lugar, observe-se queL´e injetora, pois se h1, h2 ∈ H s˜ao tais que L(h1) =L(h2), ent˜aoah1 =ah2, o que claramente implica que h1 =h2. Finalmente, afirmamos que L´e sobrejetora. De fato, se b ∈[a]l, ent˜ao a∼Hl b, ou seja, existe h∈H tal quea−1b =h. Portanto, b=ah=L(h), mostrando que a imagem deL´e todo [a]l. Assim,L:H →[a]l´e bijetora, o que significa queH e [a]l tˆem a mesma cardinalidade. Comoa∈Gfoi escolhido arbitr´ario, segue que cada elemento de (G/H)l tem a cardinalidade deH.

A prova para o coset `a direita (G/H)r ´e similar, considerando-se para tal a fun¸c˜ao R : H → [a]r definida por R(h) =ha.

O resultado que segue ´e v´alido para grupos finitos, mas pode ser expresso como igualdades entre cardinalidades no caso de grupos n˜ao finitos.

Lema 2.5 Seja G um grupo finito e H um subgrupo de G. Ent˜ao, |G : H|l = (G/H)l

e |G : H|r = (G/H)r

. Consequentemente,

|G:H|l = (G/H)l

=

(G/H)r

=|G:H|r,

pelo Lemma 2.3, p´agina 131. 2

Prova. Suponhamos que exista um conjunto{g1, . . . , gn}denelementos distintos deGtais que (g1H)∪· · ·∪(gnH) =G.

CadagkHcoincide, como ja vimos, com a classe de equivalˆencia [gk]le, portanto, estamos assumindo que [g1]l∪· · ·∪[gn]l= G. Evidentemente, podemos assumir que as classes s˜ao disjuntas e, assim, fica claro que o menor valor poss´ıvel den´e (G/H)l

, provando que|G:H|l= (G/H)l

. O argumento para as classes `a direita ´e similar.

Defini¸c˜ao. Para grupos finitos, a quantidade

|G:H| ≡ |G:H|l = |G:H|r = (G/H)l

=

(G/H)r

, (2.47)

´e denominada o´ındicedeH emG. ♠

• O Teorema de Lagrange

Podemos agora enunciar e demonstrar o

Teorema 2.4 (Teorema de Lagrange) Seja G um grupo finito e seja H um subgrupo de G. Ent˜ao, |G| ´e divis´ıvel por|H|, ou seja,|G|/|H| ∈N. A raz˜ao|G|/|H|coincide com o ´ındice deH emG, definida em (2.47), que ´e ´e o n´umero de elementos dos cosets (G/H)l ou(G/H)r. Assim, temos

|G| = |G:H| |H|,

onde |G:H|, o ´ındice deH em G, ´e definido em (2.47). 2

Prova do Teorema 2.4. O coset (G/H)l ´e composto por uma cole¸c˜ao finita de classes de equivalˆencia [g1]l, . . . , [gp]l, disjuntas duas a duas, ondep≡

(G/H)l

. Como sabemos, a uni˜ao dessas classes ´e todoGe, pelo Lema 2.4, p´agina 131, todas tˆem|H|elementos. Logo,|G|=p|H|, ou seja,|G|=

(G/H)l

|H|. O restante segue de (2.47).

Esse teorema ´e denominado em honra a Lagrange por ele tˆe-lo demonstrado em uma situa¸c˜ao particular, em 1771, estudando a a¸c˜ao do grupo de permuta¸c˜oes sobre polinˆomios de v´arias vari´aveis. Generaliza¸c˜oes posteriores foram obtidas por Gauss50, Cauchy51e Camille Jordan52.

Pelo Teorema de Lagrange conclu´ımos, por exemplo, que um grupo com 10 elementos n˜ao pode possuir um subgrupo com 3, 4, 6, 7, 8 ou 9 elementos. Segue tamb´em que um grupo cuja ordem ´e um n´umero primo n˜ao pode possuir subgrupos n˜ao triviais. Assim, por exemplo, os gruposZp, compprimo, n˜ao podem possuir subgrupos n˜ao triviais.

E. 2.80 Exerc´ıcio (f´acil). SejamF, um grupo finito,G, um subgrupo deF eH um subgrupo deG(e, portanto, tamb´em deF).

Mostre que

|F :H| = |F:G| |G:H|. (2.48)

6

O Teorema de Lagrange aproxima o estudo dos subgrupos de um grupo finito Gdo problema da decomposi¸c˜ao da ordem|G|desse grupo por seus fatores primos. Por exemplo, Teorema de Lagrange levanta a quest˜ao de saber quando e se um grupo comnelementos pode possuir um subgrupo cuja ordem ´e a de um dado divisor den. Exemplos mostram que isso nem sempre ´e poss´ıvel, mas h´a diversos resultados garantindo condi¸c˜oes suficientes para tal, alguns dos mais not´aveis sendo devidos a Sylow53. Vide,e.g., [348] ou [354].