• Nenhum resultado encontrado

2.2 FATORES DE RISCO RELACIONADOS AO ESTILO DE VIDA: CONCEITOS,

2.2.1 Alimentação Inadequada

Evidências científicas apontam que a adoção de hábitos alimentares saudáveis, como a ingestão recomendada de frutas e verduras (400g/dia ou 5 porções/dia), por exemplo, contribui para a redução da incidência de doença cardiovascular e determinados tipos de câncer. Em contrapartida, o consumo de alimentos com alto teor de gordura e de bebidas açucaradas constitui um fator de risco de grande significância para a obesidade e também para as doenças cardiovasculares (WHO, 2003; WHO; 2004).

Estudos sobre a evolução da disponibilidade domiciliar de alimentos no Brasil demonstram mudanças importantes no consumo dietético da população, culminando com o agravamento do risco relacionado à alimentação inadequada. Embora tenha se observado uma mudança positiva no padrão alimentar dos brasileiros, referente ao adequado teor proteico das dietas, outras modificações negativas se sobressaem. Destaca-se o declínio no consumo de alimentos tradicionais da cultura alimentar do Brasil, como arroz e feijão, em detrimento ao aumento do consumo de produtos industrializados (biscoitos, refrigerantes e refeições prontas), a presença insuficiente de frutas e hortaliças na dieta e o excesso de açúcar, em todas as regiões do país, além do aumento no teor de gorduras em geral e gorduras saturadas, sendo este consumo maior em regiões economicamente mais desenvolvidas (Sul e Sudeste), no meio urbano e entre famílias com maior rendimento (LEVY-COSTA et al., 2005; LEVY et al., 2012).

A Pesquisa Nacional de Saúde (PNS/2013) demonstrou prevalências desfavoráveis para a população brasileira, tanto em relação a marcadores de padrão saudável de alimentação, quanto aos marcadores não saudáveis. O pior quadro encontrado diz respeito à elevada prevalência de consumo dos alimentos fonte de gordura saturada: 6 em cada 10 brasileiros referiram consumir leite integral, e 4 em cada 10 referiram consumir carne ou frango com excesso de gordura (CLARO et al., 2015). Aliado a isso, também se observa uma baixa prevalência no consumo recomendado de frutas e hortaliças. Pouco mais de um terço (37,3%) da população brasileira atendeu à recomendação proposta de cinco ou mais porções ao dia (JAIME et al., 2015).

Ademais, diferenças importantes são observadas entre as grandes regiões do país. Em termos gerais, a região Nordeste apresenta menor consumo de frutas e hortaliças (28,2%), em contrapartida também apresenta menores percentuais para os marcadores não saudáveis, como por exemplo, o consumo de carne ou frango com excesso de gordura (29,7%) e o consumo regular de refrigerante (16,8%). Já a região Centro-Oeste demonstrou comportamento oposto, com maior prevalência de consumo de frutas e hortaliças (43,9%), mas também com elevado consumo de carnes com excesso de gordura (45,7%) e refrigerante (27,7%) (IBGE, 2014).

A mesma pesquisa ainda revelou tendência de um padrão de alimentação mais saudável para as mulheres, assim como para indivíduos com mais idade e maior escolaridade. Ressalva-se apenas quanto ao consumo regular de alimentos doces, tido como marcador de alimentação não saudável, que foi mais prevalente entre as mulheres

e nos maiores níveis de escolaridade, assim como o consumo regular de feijão, que é maior em homens e em pessoas com menor escolaridade (IBGE, 2014; CLARO et al., 2015; JAIME et al., 2015).

A adoção de uma alimentação mais saudável, principalmente no tocante ao consumo adequado de frutas e vegetais, bem como na menor ingestão de sódio, também foi associada ao nível socioeconômico, indicando que quanto menor o nível socioeconômico maior a probabilidade de adesão a uma dieta não saudável. Essa evidência confirma a influência das disparidades socioeconômicas na dieta, o que pode contribuir com o desproporcionado fator de DCNT entre os grupos socioeconômicos mais desfavorecidos (HOSSEINPOOR et al., 2012; MESTRAL et al., 2017; RIDDER et al., 2017).

Não só o padrão alimentar, mas os demais comportamentos relacionados ao estilo de vida, são fortemente influenciados por fatores sociais, econômicos e culturais. Tais comportamentos dependem não apenas de opções feitas pelo livre arbítrio das pessoas, mas também dos determinantes sociais da saúde, que predizem, por exemplo, o acesso a informações, influência de propagandas, pressão de pares, possibilidades de acesso a alimentos saudáveis e espaços de lazer (CNDSS, 2008).

A publicidade de alimentos e bebidas, por exemplo, tem um papel de grande relevância na escolha dos alimentos pela população. O lado negativo desta influência é que grande parte da publicidade de alimentos e bebidas está relacionada a produtos com alto teor de gorduras, açúcares e sódio, sendo praticamente inexistentes anúncios de alimentos saudáveis, como grãos integrais, frutas e hortaliças. Além da baixa qualidade nutricional dos produtos anunciados, verifica-se ainda a utilização de estratégias publicitárias destinadas a explorar populações mais vulneráveis, como o uso de personagens de desenhos animados e anúncios destinados ao público infantil (ALMEIDA; NASCIMENTO; QUAIOTI, 2002; KELLY et al., 2010; COSTA; HORTA; SANTOS, 2013).

Na publicidade televisiva, a categoria de alimentos e bebidas é apontada como a terceira maior em relação a anúncios no Brasil, perdendo apenas para anúncios relacionados a programações das próprias emissoras e aos cosméticos e produtos de higiene. Os alimentos ultraprocessados, por sua vez, correspondem a 60,7% dos anúncios de alimentos e bebidas, superando, em mais de oito vezes os anúncios referentes a alimentos in natura ou minimamente processados (MAIA et al., 2017).

Este cenário se opõe as atuais recomendações do Guia alimentar para a população brasileira (BRASIL, 2014a), que preconiza o consumo de alimentos in natura ou minimamente processados em detrimento dos ultraprocessados. Além disso, reitera a necessidade de criação de uma legislação específica voltada para a regulamentação da publicidade de alimentos no Brasil.

O termo e os aspectos relacionados à dieta ou alimentação saudável vêm sendo amplamente discutidos na comunidade científica e no dia a dia das pessoas, e remete a ideia de uma alimentação com qualidade. O conceito de qualidade da dieta, por sua vez, sofreu evoluções ao longo do tempo, e mudou seu foco da preocupação em atingir a adequação de energia e nutrientes com vistas a reduzir as deficiências nutricionais, para uma vertente que prioriza fatores e hábitos dietéticos associados à prevenção de doenças, principalmente as DCNT (CERVATO; VIEIRA, 2003).

Diversos índices e indicadores são utilizados para analisar as características da alimentação de grupos de indivíduos ou populações com o intuito de determinar a qualidade da dieta a partir de uma ou mais medidas, considerando diferentes parâmetros, tais como grupos alimentares, nutrientes específicos, variedade e/ou diversidade. Dentre os instrumentos para avaliação da qualidade da dieta descritos na literatura, pode-se citar o Índice de Nutrientes, o Escore de Variedade da Dieta, o Escore de Diversidade da Dieta, o Índice de Qualidade da Dieta e o Índice de Alimentação Saudável (CERVATO; VIEIRA, 2003).

Fundamentalmente, os indicadores que avaliam a qualidade da dieta baseiam-se em guias alimentares, em especial os guias americanos, e os brasileiros para as versões adaptadas (PREVIDELLI et al., 2011). Já estes guias são direcionados pelas orientações alimentares propostas pela Organização Mundial de Saúde (OMS), que preconiza em uma alimentação saudável: ingestão adequada de frutas e vegetais (400g ou 5 porções ao dia); consumo de leguminosas, castanhas e grãos integrais; baixo consumo de doces e bebidas açucaradas, com a recomendação de que a ingestão de açúcares simples seja menor que 10% do total de calorias, e que, quando menor que 5% traz benefícios adicionais para a saúde; consumo de até 30% do total de calorias com gorduras, dando preferência às gorduras insaturadas em relação às saturadas (preferindo o consumo de peixe à carne vermelha, por exemplo) e evitando o consumo de alimentos ricos em gorduras trans; e o baixo consumo de sal, devendo ser menor que 5g ao dia (WHO, 2003; FAO, 2010; WHO, 2012a; WHO, 2015).

As pesquisas populacionais brasileiras que realizam o monitoramento de fatores de risco para DCNT utilizam-se de indicadores relevantes para a determinação da carga total de doenças estimados pela OMS. No caso do consumo alimentar são incluídas variáveis que abordam o consumo de refrigerantes, de doces, de alimentos fontes de gordura saturada (consumo de carnes com excesso de gordura e leite integral), de sal, de frutas e hortaliças, de feijão e de peixe, além do hábito de substituir refeições principais, como o almoço e o jantar, por lanches (IBGE, 2014; BRASIL, 2017a).

Contudo, existe uma lacuna na abordagem do conceito de alimentação saudável dessas pesquisas. Novas preocupações vêm sendo discutidas e incorporadas a este conceito, agregando à qualidade da alimentação aspectos relacionados às condições de cultivo, componentes culturais e fatores socioambientais ligados à produção de alimentos e a sua origem. Nesse contexto, discorrem debates sobre o uso crescente de agrotóxicos e seus impactos na saúde humana e ao meio ambiente, assim como os efeitos socioeconômicos do atual processo produtivo de alimentos. O cerne da questão deste debate é o quão saudável é um alimento que promove poluição ambiental, perda de biodiversidade e riscos à própria saúde humana (AZEVEDO, 2011).

No período de 2013 a 2015, o Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos (PARA) indicou que 19,7% das amostras de alimentos analisadas apresentaram nível de agrotóxico acima do permitido ou não autorizado para a cultura. Os resultados desse monitoramento tornam-se mais significativo quando se pensa acerca dos riscos existentes diante da exposição crônica a esses resíduos de agrotóxicos, tendo em vista que as análises atuais destinam-se apenas a avaliação do risco agudo da contaminação (ANVISA, 2016).

As fragilidades da fiscalização e do registro de agrotóxicos e as arbitrariedades do mercado produtor, quanto ao descumprimento das legislações vigentes e na proposta de flexibilização dessa legislação representam um sério problema de saúde pública no tocante à alimentação saudável (ALMEIDA et al., 2017).

Dito isto, cabe destacar que no presente estudo os termos “alimentação adequada” ou “alimentação saudável” são utilizados em referência a um padrão de consumo alimentar que atenda aos marcadores de alimentação saudável, se restringindo a análise qualitativa do hábito alimentar, e, portanto, não contemplando questões quantitativas nutricionais e nem físico-químicas, que englobem a utilização de agrotóxicos.