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2.2 FATORES DE RISCO RELACIONADOS AO ESTILO DE VIDA: CONCEITOS,

2.2.3 Tabagismo

Sendo considerado uma doença crônica, resultado da dependência química à droga nicotina, e estando, por isso, inserido na Classificação Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID10) (WHO, 2017a), o tabagismo está entre os principais determinantes de saúde e é responsável por mais de 7 milhões de morte por ano em todo o mundo (GBD 2015 RISK FACTORS COLLABORATORS, 2016).

Mundialmente, a mortalidade devido ao uso de tabaco é maior em homens do que em mulheres, bem como é mais prevalente no continente americano e na Europa (WHO, 2012b).

O uso do tabaco é atualmente uma das principais causas de óbitos evitáveis no mundo e os riscos para a saúde resultam não apenas do consumo direto de tabaco, mas também da exposição passiva ao fumo. Com relação aos danos à saúde, o consumo de tabaco aumenta o risco de doença cardiovascular, câncer, doenças respiratórias crônicas e diabetes, contribuindo substancialmente com a mortalidade prematura (WHO, 2014a). O fumo, quando utilizado durante a gestação, também está associado a diversas complicações, tais como malformação congênita, gravidez ectópica, descolamento de placenta, gravidez pré-termo, restrição de crescimento fetal e baixo peso ao nascer (UNITED STATES, 2014).

Contudo, as maiores consequências do tabagismo na saúde mundial recaem sobre a mortalidade precoce, em média, usuários de tabaco perdem 15 anos de vida. Ademais, estima-se que mundialmente, na população de 30 anos ou mais, o tabaco seja responsável por 12% de todas as mortes, por 14% da mortalidade por DCNT, incluindo doenças cardíacas (10%), câncer (22%), e doenças pulmonares (36%) e por aproximadamente 5% da mortalidade por doenças transmissíveis, incluindo 7% das mortes por tuberculose e 12% das mortes por infecções respiratórias mais baixas (WHO, 2012b).

Além do risco para a saúde, o uso de tabaco acarreta impactos econômicos, sociais e ambientais importantes. Os custos globais anuais com os cuidados de saúde associados aos fumantes são estimados em 422 bilhões de dólares, representando 5,7% do total de despesas mundiais com saúde. Além disso, outros gastos indiretos também são atribuídos ao uso de tabaco, relacionados, principalmente, à perda de produtividade devido a doenças e mortes prematuras (UNITED STATES, 2016).

Os custos sociais do tabagismo estão envolvidos com a pobreza e a fome, considerando que o consumo de tabaco e os gastos com saúde decorrentes de seu uso drenam recursos que poderiam ser destinados a outras necessidades básicas, tais como alimentação, educação e habitação. Além disso, a indústria do tabaco também prejudica o meio ambiente, não só pela emissão de fumaça no ar, como também contribui com o desmatamento, e consequentemente com as mudanças climáticas, com o uso intensivo

de pesticidas e fertilizantes, e descartes de resíduos tóxicos ao ambiente e prejudiciais à vida de animais (WHO, 2017b).

Acerca da prevalência do tabagismo, dados mundiais revelam que, em 2013, 21,2% da população mundial de 15 anos ou mais de idade eram fumantes. Destes, 4 em cada 5 pessoas viviam em países de baixa renda e quase dois terços (736,3 milhões de pessoas) viviam em apenas 13 países (Bangladesh, Brasil, China, Alemanha, Índia, Indonésia, Japão, Paquistão, Filipinas, Rússia, Turquia, Estados Unidos e Vietnã), estando o restante dos 376,9 milhões de fumantes distribuídos nos demais países do mundo. Entre os jovens de 13 a 15 anos estima-se que, em todo o mundo, 7,0% já tenham fumado cigarro (UNITED STATES, 2016).

Os resultados encontrados em 2013 apontam uma tendência de redução na prevalência global do tabagismo, considerando que em 2000 este percentual era de 26,5% e em 2010 era de 22,1%, contudo, a menos que sejam tomadas ações mais enérgicas, é improvável que os Estados membros da OMS alcancem o objetivo da redução global de 30% na prevalência de tabagismo até 2025 (UNITED STATES, 2016).

No Brasil, os resultados das pesquisas de base populacional, que são comparáveis e que possibilitam a construção de uma tendência temporal, também demonstram reduções contínuas nas prevalências de tabagismo. A primeira pesquisa sobre prevalência de tabagismo no Brasil, realizada em 1989, apontou um percentual de 34,8% em adultos maiores de 18 anos. Posteriormente, pesquisas subsequentes mostraram um declínio sucessivo neste hábito, na Pesquisa Mundial de Saúde, realizada em 2003, 22,4% dos adultos referiram o hábito de fumar (MONTEIRO et al., 2007). Já na Pesquisa Nacional do Tabagismo (PETaB), realizada em 2008, este percentual foi de 18,2% (IBGE, 2009a; ALMEIDA et al., 2012).

A Vigilância de Fatores de Risco para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (Vigitel), realizada anualmente desde 2006 nas 26 capitais brasileiras e no Distrito Federal, também aponta declínio constante da prevalência de tabagismo nas capitais brasileiras. Em 2006, a prevalência era de 16,2%, passando para 13,9% em 2011 (MALTA et al., 2013), chegando a 10,2% em 2016 (BRASIL, 2017b). Cabe, contudo, ressaltar o potencial viés de cobertura da pesquisa, considerando que a mesma é realizada somente em indivíduos que possuem telefone residencial fixo.

Desta forma, os dados populacionais mais abrangentes e recentes sobre o tabagismo na população brasileira são oriundos da PNS (2013), que evidenciou que 14,7% da população total do país, 18,9% dos homens e 11,0% das mulheres, com 18 anos de idade ou mais se declaram fumantes atuais do tabaco. Esse dado eleva o Brasil a um dos países com mais baixo consumo de tabaco no mundo e comprova o declínio significativo que ocorreu nos últimos anos, que pode ser atribuído às políticas de controle, regulação e prevenção ao tabagismo que vêm sendo desenvolvidas (MALTA et al., 2015a; MALTA et al., 2015b). Especificamente entre os anos de 2008 e 2013 o declínio ocorreu em todas as regiões, faixas de idade, categorias de raça/cor, faixas de escolaridade, área urbana e rural e na maioria dos estados brasileiros. Entre os sexos, a redução foi de -17,5% para os homens e -20,7% para as mulheres (MALTA et al., 2015b).

No público adolescente, a PENSE contribuiu com informações relevantes sobre o tabagismo. Realizada pela primeira vez em 2009, apenas com alunos do 9º ano de escolas públicas e privadas, a pesquisa identificou que 6,3% dos escolares faziam uso atual de cigarros, sendo este consumo atual aferido pelo uso feito nos 30 dias anteriores a data da pesquisa, independente da frequência e intensidade (IBGE, 2009b). Em 2015, para este mesmo público, o consumo atual de cigarros demonstrou redução e foi de 5,6%. Considerando uma outra amostra da mesma pesquisa e estratificando a prevalência por faixa etária, tem-se que 5,4% dos escolares de 13 a 15 anos referiram o uso atual de cigarros em 2015, já naqueles de 15 a 17 anos este consumo foi maior, atingindo um percentual de 8,4% (IBGE, 2016b).

O estudo comparativo do Global Adult Tobbaco Survey (GATS) realizado com mais de 3 bilhões de pessoas de 15 anos ou mais de idade, residentes em 14 países de renda baixa e média (Bangladesh, Brasil, China, Egito, Índia, México, Filipinas, Polônia, Rússia, Tailândia, Turquia, Ucrânia, Uruguai e Vietnã) mais o Reino Unido e os Estados Unidos, apontou o Brasil como o país com menor prevalência no consumo de tabaco (GIOVINO et al., 2012). Essa situação reflete os resultados positivos das ações e políticas que já foram implementadas no país, tornando-o referência global para iniciativas antitabaco.

A atenção ao controle e a prevenção ao tabagismo no Brasil começou com a Lei nº 9.294/1996 (BRASIL, 1996), se fortaleceu em 2005, com a adesão a Convenção- Quadro para o Controle do Tabaco, e se consolidou por meio da Lei n.º 12.546/2011

(BRASIL, 2011b), que regulamenta os ambientes livre de fumo, amplia as advertências nos maços, define o preço mínimo de venda, aumenta a taxação para 85% e proíbe a propaganda de cigarros no país. O Decreto presidencial nº 8.262/2014 (BRASIL, 2014b) regulamentou essas medidas, a partir da proibição do fumo em ambientes fechados, da regulamentação da exposição dos cigarros exclusivamente nos pontos de venda, além da ampliação do espaço ocupado pelas advertências sanitárias.

Visando captar os resultados de todas essas medidas de controle na propaganda, venda e utilização de cigarros, bem como minimizar as consequências do tabagismo sobre as DCNT, uma das metas estabelecidas no Plano de Ações Estratégicas para o Enfrentamento das Doenças Crônicas não Transmissíveis (DCNT) no Brasil 2011-2022, lançado em 2011, foi a redução do tabagismo no país em 30% em uma década (BRASIL, 2011a).

Na primeira avaliação do Plano de Ações Estratégicas, após três anos de sua implantação, a redução da prevalência de tabagismo foi o indicador de fator de risco que mais avançou. O feito pode ser atribuído às medidas regulatórias adotadas nos últimos anos (MALTA; SILVA JR, 2014).

Contudo, mesmo sendo considerada factível e apesar de já ter obtido progressos significativos, a meta de redução de tabagismo pode não ser alcançada. Com exceção de Belo Horizonte, Curitiba, Porto Alegre, Porto Velho e São Paulo, se mantidos os níveis de redução observado entre 2006 e 2011, as demais capitais apresentarão tendência de redução da prevalência de fumantes para menos de 10% até 2022 (BERNAL et al., 2016). Desta forma, deve-se intensificar ainda mais as ações que foram desenvolvidas com vista a garantir o alcance da meta proposta.

O impacto dessa redução na prevalência do tabagismo já foi observado na saúde, resultando em importantes declínios nas tendências de mortalidade das doenças relacionadas ao tabaco. Entre os anos de 1990 e 2015, a queda da mortalidade por Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC) foi de cerca de um terço (31%) no Brasil. Para os vários tipos de câncer relacionados ao tabaco, a queda foi menos significativa. Em relação às mulheres, o câncer de pulmão, traqueia e brônquios mostrou uma tendência contínua de aumento nos últimos 25 anos, provavelmente, reflexo do aumento do tabagismo neste público em décadas anteriores (JOSÉ et al., 2017). Embora atualmente as prevalências de tabagismo em mulheres, sigam a mesma tendência de redução observada nos homens (MALTA et al., 2015b), este fenômeno

ainda é bem recente, não costumava aparecer em estudos mais antigos (MALTA et al., 2013), e, possivelmente, o efeito dessa redução incipiente só poderá ser observado em coortes futuras.

Além disso, a menor queda da mortalidade por câncer de lábio e de cavidade oral e outros tipos de câncer de faringe pode estar relacionada à influência de outros fatores de risco para esses cânceres, principalmente, o uso de álcool (JOSÉ et al., 2017).

Em resumo, o Brasil apresenta uma política pioneira e bem-sucedida no controle e na regulação do tabagismo, cujos resultados já são apontados na redução das prevalências do consumo de tabaco, bem como nas quedas das taxas de mortalidade por doenças relacionadas ao tabagismo. Contudo, ainda há grandes desafios para que a meta de redução do tabagismo seja alcançada em 2022, havendo ainda a necessidade de se investir em ações voltadas a grupos populacionais específicos, como as mulheres e os jovens, assim como aqueles socialmente desfavorecidos, geralmente mais expostos ao uso do tabaco.