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Expectativa de vida livre de fatores de risco relacionados ao estilo de vida na população brasileira

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INGRID

FREITAS

DA

SILVA

PEREIRA

EXPECTATIVA DE VIDA LIVRE DE FATORES DE

RISCO RELACIONADOS AO ESTILO DE VIDA NA

POPULAÇÃO BRASILEIRA

NATAL/RN 2019

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INGRID FREITAS DA SILVA PEREIRA

EXPECTATIVA DE VIDA LIVRE DE FATORES DE

RISCO RELACIONADOS AO ESTILO DE VIDA NA

POPULAÇÃO BRASILEIRA

Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva, Centro de Ciências da Saúde da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito para a obtenção do título de Doutora em Saúde Coletiva.

Orientadora: Clélia de Oliveira Lyra Co-orientador: Marcos Roberto Gonzaga

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Catalogação de Publicação na Fonte.

UFRN - Biblioteca Setorial Prof. Alberto Moreira Campos Departamento de Odontologia

Pereira, Ingrid Freitas da Silva.

Expectativa de vida livre de fatores de risco relacionados ao estilo de vida na população brasileira / Ingrid Freitas da Silva Pereira. - 2019.

138f.: il.

Tese (Doutorado em Saúde Coletiva) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Centro de Ciências da Saúde, Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva, Natal, 2019.

Orientador: Clélia de Oliveira Lyra. Coorientador: Marcos Roberto Gonzaga.

1. Expectativa de vida saudável - Tese. 2. Estilo de vida - Tese. 3. Doença Crônica - Tese. 4. Fatores de risco - Tese. I. Lyra, Clélia de Oliveira. II. Gonzaga, Marcos Roberto. III. Título.

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Dedico este trabalho ao meu exemplo de ética, força, coragem e amor: minha mãe Ozelita.

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AGRADECIMENTOS

Primeiramente agradeço a Deus, por ter me dado força e paciência para alcançar mais essa conquista e, por planejar, de maneira tão perfeita, todos os detalhes da minha vida, mesmo que às vezes eu não consiga enxergar isso;

À minha mãe Ozelita, pela dedicação, educação e incentivo de sempre, e por ter abdicado, muitas vezes, de sua própria vida em prol da minha felicidade;

Ao meu esposo, e grande incentivador, Vítor Hugo, pelo apoio e paciência, durante esses quatro anos;

À minha querida orientadora Profª Dra. Clélia de Oliveira Lyra pelos conhecimentos transmitidos, apoio, incentivo e, principalmente, pela sensibilidade com que conduz essa jornada, por vezes confusa e difícil. Muito Obrigada!

Ao meu Co-orientador Prof. Dr. Marcos Roberto Gonzaga pela disponibilidade durante toda a execução deste trabalho, me salvando nos momentos de “dúvidas demográficas”. Sem suas contribuições jamais teria conseguido avançar com a minha ideia;

À Profª Dra. Isabelle Ribeiro Barbosa Mirabal e ao Prof. Dr. Kenio Costa de Lima pelas contribuições dadas ao trabalho durante sua fase de qualificação;

Aos meus familiares e amigos, que por serem muitos não irei citar nominalmente, que oraram, torceram e estiveram ao meu lado nesses quatro anos, me dando apoio e me fortalecendo. Em especial, ao meu primo, amigo e irmão Juninho, por toda a amizade e apoio de sempre, e por me dar a certeza de que nunca estarei sozinha na vida, mesmo que a distância seja de 9.866 km (se o google não estiver mentindo);

A todos que fazem parte do Restaurante Universitário da UFRN, pelas amizades, aprendizados diários e por contribuírem com a minha realização profissional, em especial à equipe de nutricionistas, por cobrir minha ausência durante o período em que estive de licença para cumprimento de parte do doutorado.

À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), código de financiamento 001, pelo apoio concedido para a realização desta tese.

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“E ali logo em frente, a esperar pela gente, o futuro está E o futuro é uma astronave que tentamos pilotar Não tem tempo, nem piedade, nem tem hora de chegar Sem pedir licença, muda nossa vida Depois convida a rir ou chorar”

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RESUMO

Com o aumento da expectativa de vida no Brasil, faz-se essencial conhecer a saúde e a qualidade dos anos vividos por essa população mais longeva. Nesse cenário, as Doenças Crônicas Não Transmissíveis (DCNT) apontam como principais causas de limitações, incapacidades e morbimortalidade. Mensurar os fatores de risco relacionados ao estilo de vida para DCNT é premissa indispensável para atender a esta demanda por meio de políticas públicas eficazes. Os objetivos deste trabalho foram: (1) identificar perfis multidimensionais de fatores de risco relacionados ao estilo de vida, descrevendo as prevalências dos perfis e características sociodemográficas e de autopercepção de saúde associadas; (2) estimar a expectativa de vida livre de fatores de risco relacionados ao estilo de vida na população brasileira. Foram utilizados dados da Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) 2013. Para a identificação dos perfis de estilo de vida foi utilizado o método Grade of Membership (GoM), com dados de 45.881 indivíduos acima de 30 anos, a partir de 12 variáveis relacionadas a estilo de vida. A análise de características associadas a estes perfis foi realizada por meio do teste Qui-quadrado de Pearson e Regressão logística incondicional. As prevalências do perfil saudável e as tábuas de vida da população brasileira para o ano de 2013 foram utilizadas, no método de Sullivan, para o cálculo da expectativa de vida livre de fatores de risco relacionados ao estilo de vida, nesta etapa foram selecionados os indivíduos com idade entre 30 e 69 anos, totalizando 40.942. Foram identificados dois perfis: um perfil denominado de “perfil saudável” (61,6%; IC95% 61,1 – 62,2), caracterizado pelo consumo adequado de frutas e vegetais, peixes, e consumo não regular de refrigerante, carne com gordura e feijão, pelo excesso de peso e atividade física recomendada no lazer. E outro perfil intitulado de “perfil de risco” (38,4%; IC95% 37,8 – 38,9), caracterizado pelo não consumo de marcadores saudáveis, exceto o consumo de feijão, pelo consumo de todos os marcadores não saudáveis de alimentação, substituir refeições por lanches, consumo de álcool, uso de tabaco, por não serem fisicamente ativos no lazer e por serem eutróficos. O perfil saudável se associou ao sexo feminino, idosos, brancos, residentes no Norte e Nordeste, viúvos, casados, com maior escolaridade e melhor autoavaliação de saúde. Já o perfil de risco se associou ao sexo masculino, adultos jovens, residentes no Centro-oeste e Sul, solteiros, com menor escolaridade e pior autoavaliação de saúde. O tempo estimado a ser vivido pelos brasileiros livre de fatores de risco relacionados ao estilo de vida, aos 30 anos de idade, foi de 33,5 anos para as mulheres e 25,5 anos para os homens. O sexo feminino apresentou maior expectativa de vida livre de fatores de risco em todas as idades. Os achados do presente estudo evidenciam a associação do estilo de vida às características sociodemográficas e contribuem para a discussão sobre desigualdades de gênero existente na morbimortalidade. Os homens brasileiros vivem menos tempo livre de fatores de risco relacionados ao estilo de vida, o que pode contribuir com as elevadas taxas de mortalidade prematura.

Palavras-chave: Expectativa de vida saudável, Estilo de vida, Doença Crônica, Fatores

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ABSTRACT

Title: Life expectancy free of lifestyle-related risk factors in the Brazilian population The increase in life expectancy in Brazil makes it essential to know the health and the quality of the years lived by the country’s longest-lived population. In this context, Chronic Non-communicable Diseases (NCDs) point out as the main causes of limitations, disabilities and morbimortality. Measuring of lifestyle-related modifiable risk factors for NCDs is an indispensable premise for meeting this emerging demand through effective public policy. The objectives of this study were: (1) to identify multidimensional profiles of lifestyle-related risk factors, describing the prevalence of the sociodemographic and self-perceived health profiles and their characteristics; (2) to estimate life expectancy free from lifestyle-related risk factors in the Brazilian population. This study based on data from the National Health Survey (Pesquisa

Nacional de Saude, PNS) published in 2013. Grade of Membership (GoM) method was

used to identify lifestyle profiles, with data from 45,881 individuals over 30 years by applying the inclusion of 12 lifestyle-related variables. The analysis of the characteristics associated with these profiles was done through Pearson's chi-square test and unconditional logistic regression. The prevalence of the healthy profile and the Brazilian population's life table for 2013 were used in the Sullivan's method to calculate life expectancy free of lifestyle-related risk factors. In this stage, individuals aged between 30 and 69 years were selected, totalling 40,942. Two profiles were identified: a profile called “healthy profile” (61.6%; 95% CI 61.1 - 62.2), characterized by adequate consumption of fruits and vegetables, fish, and non-regular consumption of soda, meat with fat and beans. The profile was also characterized by overweight and for meeting the recommendations for physical activity at leisure time. The second profile was entitled “risk profile” (38.4%; 95% CI 37.8 - 38.9), characterized by non-consumption of healthy markers, except bean consumption, by the consumption of all unhealthy markers of eating, replacing meals with snacks, alcohol consumption and tobacco use. The second profile was also characterized for not being physically active at leisure and for being eutrophic. The healthy profile was associated with females, elderlies, white populations, residents of the North and Northeast regions of Brazil, widowed, married, high-educated populations and individuals who evaluate their health habits positively. The risk profile was associated with males, young adults, residents of the Midwest and South regions of Brazil, singles, less educated populations and individuals who evaluate their health habits negatively. The estimated lifetime for Brazilians free of lifestyle-related risk factors at age 30 was 33.5 years for women and 25.5 years for men. Females had a higher life expectancy free of risk factors at all ages in relation to males. The findings of the present study show the association of lifestyle-related risk factors with sociodemographic characteristics and contribute to the discussion of gender inequalities when it comes to morbimortality. Brazilian men live less time free of lifestyle-related risk factors, which may contribute to the high rates of premature mortality among them.

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Keywords: Healthy Life Expectancy, Lifestyle, chronic noncommunicable diseases, Risk Factors.

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LISTA DE FIGURAS E QUADROS

Figura 1. Fases da Transição Demográfica... 16

Figura 2. Distribuição proporcional (%) da população por sexo e idade. Brasil, 1970,

1980, 1991, 2000 e 2010... 20

Figura 3. Características do modelo de transição epidemiológica, modelo polarizado

prolongado, proposto por Frenk et al. (1991)... 24

Figura 4. Estágios da Transição Nutricional... 34

Figura 5. Arcabouço teórico da expectativa de vida livre de fatores de risco

relacionados ao estilo de vida... 73

Figura 6. Infográfico com síntese dos principais resultados do estudo... 120

Quadro 1. Descrição das variáveis internas utilizadas na composição dos perfis de

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

AIC - Critério de Informação de Akaike

AIDS – Síndrome da Imunodeficiência Adquirida ANVISA – Agência Nacional de Vigilância Sanitária

CID-10- Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde- 10ª Revisão

CNDSS - Comissão Nacional Sobre Determinantes Sociais Da Saúde

DALY - Disability Adjusted Life Years (Anos de Vida Ajustados por Incapacidade) DATASUS - Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde

DCNT – Doenças Crônicas Não Transmissíveis DPOC - Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica

Estudo SABE - Estudo Saúde Bem-Estar e Envelhecimento EVS – Expectativa de Vida Saudável

FAO – Food and Agriculture Organization of the United Nations (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura)

GATS - Global Adult Tobacco Survey (Pesquisa Global sobre Tabagismo em Adultos) GoM - Grade of Membership (Grau de Filiação)

IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IDH - Índice de Desenvolvimento Humano

IMC - Índice de Massa Corporal OMS - Organização Mundial de Saúde ONU - Organização das Nações Unidas

PARA - Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos PBF – Programa Bolsa Família

PCCN - Programa de Combate às Carências Nutricionais PENSE - Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar

PETaB - Pesquisa Nacional do Tabagismo PIB - Produto Interno Bruto

PNAD - Pesquisa Nacional de Amostra por Domicílio PNS - Pesquisa Nacional de Saúde

PNUD - Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento

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REVES - Réseau Espérance de Vie en Santé (Rede de Expectativa de Vida em Saúde) RLFM - Razão Lambda Frequência Marginal

SPSS - Statistical Package for the Social Science (Pacote Estatístico para as Ciências Sociais)

SUS - Sistema Único de Saúde

UPA - Unidades Primárias de Amostragem

Vigitel - Vigilância de Fatores de Risco para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico WHO – Worl Health Organization (Organização Mundial de Saúde)

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ... 13

2 REVISÃO DA LITERATURA ... 15

2.1 REVISITANDO O DEBATE SOBRE TRANSIÇÕES DEMOGRÁFICA, EPIDEMIOLÓGICA E NUTRICIONAL NO BRASIL ... 15

2.2 FATORES DE RISCO RELACIONADOS AO ESTILO DE VIDA: CONCEITOS, INDICADORES E SITUAÇÃO ATUAL NO BRASIL ... 40

2.2.1 Alimentação Inadequada ... 42

2.2.2 Inatividade física... 47

2.2.3 Tabagismo ... 52

2.2.4 Consumo abusivo de álcool ... 57

2.3 EXPECTATIVA DE VIDA SAUDÁVEL: CONCEITOS E DESAFIOS METODOLÓGICOS ... 63 2.4 ARCABOUÇO TEÓRICO ... 71 3 OBJETIVOS ... 74 3.1 OBJETIVO GERAL ... 74 3.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS ... 74 4 MÉTODO ... 75 4.1 TIPO DE ESTUDO ... 75

4.2 PLANO AMOSTRAL E POPULAÇÃO DE ESTUDO ... 75

4.3 ASPECTOS ÉTICOS ... 76

4.4 VARIÁVEIS DO ESTUDO ... 76

4.5 ANÁLISE DOS DADOS ... 79

4.5.1 Identificação dos perfis de fatores de risco relacionados ao estilo de vida ... 79

4.5.2 Análise das prevalências e características associadas aos perfis de fatores de risco relacionados ao estilo de vida ... 80

4.5.3 Estimativas de expectativa de vida livre de fatores de risco relacionados ao estilo de vida ... 81

5 RESULTADOS E DISCUSSÃO ... 82

5.1 ARTIGO 1: INDICADOR MULTIDIMENSIONAL DE FATORES DE RISCO RELACIONADOS AO ESTILO DE VIDA: APLICAÇÃO DO MÉTODO GRADE OF MEMBERSHIP ... 83

5.2 ARTIGO 2: EXPECTATIVA DE VIDA LIVRE DE FATORES DE RISCO RELACIONADOS AO ESTILO DE VIDA NA POPULAÇÃO BRASILEIRA ... 101

6 CONCLUSÕES ... 117

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1 INTRODUÇÃO

Embora não tenha ocorrido de maneira simultânea, nem homogênea, ao longo do território brasileiro, a transição demográfica, vivenciada desde a segunda metade do século XX, proporcionou diversas mudanças ao cenário sociodemográfico do país. A despeito disso, a maior consequência da transição demográfica foi o envelhecimento populacional e suas implicações nas políticas sociais, econômicas e de saúde (VASCONCELOS; GOMES, 2012).

Concomitante à transição demográfica, os processos de transição epidemiológica e nutricional, ajudaram a modificar o padrão de morbimortalidade da população brasileira (SCHMITD et al., 2011; CONDE; MONTEIRO, 2014). Os três processos de transição estão intimamente ligados. O declínio das taxas de mortalidade, etapa característica da transição demográfica, ocorreu incialmente nas causas de morte por doenças infecciosas. Por outro lado, com a queda das taxas de fecundidade e consequente envelhecimento populacional, as pessoas estiveram expostas por maior período aos fatores de risco desencadeantes das doenças crônicas não transmissíveis (DCNT), aumentando assim a prevalência destas doenças (LEBRÃO, 2007).

A transição nutricional, por sua vez, contribuiu com a aumento na exposição aos fatores de risco para as DCNT. Impulsionada por fatores que incluem a urbanização, crescimento da renda, globalização, industrialização e mecanização na produção de alimentos, além de avanços tecnológicos, a transição nutricional é caracterizada por mudanças nos padrões de consumo alimentar e de atividade física, que convergem para um padrão de dieta rica em carboidratos refinados, açúcar, óleos vegetais, alimentos de origem animal e alimentos ultraprocessados e reduzida em leguminosas, grãos integrais, frutas e legumes, associado a baixos níveis de atividade física (POPKIN, 2015).

Uma implicação de grande impacto para a saúde pública decorrente dos processos de transição demográfica, epidemiológica e nutricional foi o aumento das DCNT, que se consolidou mundialmente como principal causa de morbimortalidade, sendo responsável por 38 milhões de mortes no mundo, que corresponde a 67% de todas as mortes registradas. A mortalidade por DCNT tem aumentado em todas as regiões do mundo, e estima-se que até 2030 este valor atinja a cifra de 52 milhões (WHO, 2014a).

Os principais fatores de risco para DCNT estão relacionados a aspectos comportamentais de estilo de vida. Adoção de um estilo de vida saudável está

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fortemente associada à redução da morbimortalidade, principalmente por DCNT. Estima-se que, em todo o mundo, o conjunto de fatores de risco comportamentais seja responsável por 30,3% dos anos de vida perdidos ajustados por incapacidade. Ademais, o uso do tabaco, o consumo abusivo de álcool, a alimentação inadequada, a inatividade física e o Índice de Massa Corporal (IMC) elevado estão envolvidos na ocorrência de pelos menos 27 milhões de morte em todo o mundo (GBD 2015 RISK FACTORS COLLABORATORS, 2016).

Com o aumento da expectativa de vida e das doenças crônicas, crescem os questionamentos em relação à qualidade dos anos vividos (NEPOMUCENO; TURRA, 2015). Embora apresente tendência de aumento, os acréscimos nos anos vividos com boa saúde não acompanham o crescimento da expectativa de vida total (GBD 2017 DALYS AND HALE COLLABORATORS, 2018). A quantidade de anos vividos com e sem saúde, assim como os tipos de problemas experimentados, exercem papel fundamental no uso dos serviços de saúde. Sendo assim, a utilização do indicador de expectativa de vida saudável (EVS) é bastante apropriada frente às condições epidemiológicas e demográficas atuais e pode auxiliar no desenvolvimento de políticas públicas.

Os estudos que abordam a temática da EVS no Brasil, consideram o estado “saudável” quanto à ausência de doenças, incapacidades e autopercepção do estado de saúde (CAMARGOS; GONZAGA, 2015; NEPOMUCENO; TURRA, 2015; SZWARCWALD et al., 2017). Por outro lado, estudos sobre fatores de risco relacionados ao estilo de vida retratam dados pontuais de prevalência (CLARO et al., 2015; MALTA et al., 2015c; MIELKE et al, 2015a; MUNHOZ et al., 2017). O presente estudo visa preencher essa lacuna ao utilizar metodologia aplicada em estimativas de EVS para construir um indicador que, por meio de dados transversais, estime a exposição prolongada aos fatores de risco relacionados ao estilo de vida.

Ao estimar o período, ao longo da vida, de exposição aos fatores de risco será possível, no futuro, avaliar o impacto do efeito cumulativo desses fatores sobre a carga de doenças e limitações. Dessa forma, tais estimativas fornecerão subsídios para as decisões em saúde, contribuindo para que o Brasil apresente não só uma população envelhecida e longeva, mas com melhor qualidade de vida, mais saúde e menos incapacidades.

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2 REVISÃO DA LITERATURA

O presente capítulo se refere ao referencial teórico e conceitual que norteia esse estudo. Na primeira seção, intitulada “Revisitando o debate sobre transições demográfica, epidemiológica e nutricional no Brasil”, é apresentado um retrospecto histórico com os fatores que contribuíram com os processos de transição demográfica, epidemiológica e nutricional, bem como são expostas as etapas de cada transição e, principalmente, as consequências e os desafios revelados ao setor saúde. Desafios esses que se concentram no envelhecimento populacional, e nas mudanças ocorridas no padrão de morbidade e de estilo de vida da população.

Na seção seguinte, “Fatores de risco relacionados ao estilo de vida: conceitos, indicadores e situação atual no Brasil”, são abordados conceitos, indicadores e dados que permitem caracterizar a atual conjuntura dos fatores de risco relacionados ao estilo de vida na população brasileira.

Por fim, na terceira e última seção, “Expectativa de vida saudável: conceitos e desafios metodológicos”, é realizada uma reflexão sobre a expectativa de vida saudável, as possibilidades de métodos utilizados para sua estimação, bem como são apresentados resultados da literatura científica nacional e internacional, com o intuito de apresentar, principalmente no Brasil, a abordagem desta temática nos estudos já desenvolvidos.

2.1 REVISITANDO O DEBATE SOBRE TRANSIÇÕES DEMOGRÁFICA, EPIDEMIOLÓGICA E NUTRICIONAL NO BRASIL

Há algumas décadas discutiam-se as causas e consequências do contínuo crescimento populacional, cujo debate circunscrevia duas linhas de pensamento que se contrapunham. De um lado, seguindo o raciocínio Malthusiano, acreditava-se que a população crescia demasiadamente rápida em relação aos recursos disponíveis, causando impedimentos ao desenvolvimento socioeconômico. Do outro lado, estavam os otimistas, que acreditavam que o crescimento populacional, ao contrário, estimularia o consumo e ofereceria a mão de obra necessária ao crescimento econômico. Não obstante, o interesse pelo estudo da chamada “bomba demográfica” foi, ao longo do tempo, sendo substituído por ensaios que formularam teorias sobre o processo de transição demográfica (PAIVA; WAJNMAN, 2005).

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Entende-se como transição demográfica a passagem de uma sociedade rural e tradicional com altas taxas de natalidade e mortalidade para uma sociedade urbana e moderna com baixas taxas de natalidade e mortalidade. Fases de desequilíbrio são vivenciadas pelas sociedades durante este processo, a partir de um descompasso entre as taxas de mortalidade e de natalidade, resultando em momentos com distintos ritmos de crescimento populacional (VASCONCELOS; GOMES, 2012).

Buscando elucidar a compreensão do processo de mudança na dinâmica demográfica, Brito et al. (2007) destacaram quatro fases vivenciadas pelas sociedades, mesmo que em períodos e ritmos diferenciados, durante a chamada transição demográfica, conforme esquematizado na Figura 1. Inicialmente, passa-se de uma fase onde as taxas brutas de natalidade e de mortalidade são altas e, consequentemente, o crescimento vegetativo da população é baixo, para uma segunda fase onde o nível de mortalidade inicia um processo consistente de queda e a fecundidade se mantém alta. Nesta fase, o ritmo do crescimento natural da população aumenta de maneira sustentada, desacelerando somente a partir do momento em que se inicia o processo de declínio persistente da fecundidade, inaugurando a terceira fase da transição, caracterizada por incrementos populacionais a ritmos decrescentes. Finalmente, a quarta e última fase da transição é caracterizada pelos já então baixos níveis de mortalidade e de fecundidade, e por um crescimento populacional muito lento, nulo, ou até negativo.

Figura 1. Fases da Transição Demográfica

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Considerando a experiência da transição demográfica vivenciada pelos países, pode-se classificá-los em três grandes grupos. Um grupo de iniciação precoce da transição, representado pelos países europeus ocidentais, que fizeram a sua transição há séculos. Um segundo grupo de iniciação tardia, onde encontram-se os países da América Latina e Caribe, que iniciaram esse processo há cerca de 50 anos, e, finalmente, aqueles que ainda não iniciaram a sua transição, como alguns países africanos, cuja população ainda apresenta estrutura etária bem jovem (LEBRÃO, 2007). No Brasil, o processo de transição demográfica iniciou-se entre os anos de 40 e 60, sendo demarcado pelo declínio significativo da mortalidade e manutenção de elevados níveis de fecundidade, refletindo em uma população quase-estável jovem e com rápido crescimento. A partir do final da década de 60 iniciou-se a terceira fase da transição, caracterizada pela redução da fecundidade. Esta, inicialmente, foi observada nos grupos populacionais mais privilegiados e nas regiões mais desenvolvidas, mas expandiu-se entre todos os grupos sociais, levando a uma nova população quase-estável, contudo com um perfil envelhecido e ritmo de crescimento baixo (CARVALHO; WONG, 2008). Outra particularidade do processo de transição demográfica brasileiro, comparado com países desenvolvidos, é em relação a velocidade em que ocorreu as diversas fases, uma vez que em apenas 50 anos aconteceram reduções significativas nas taxas de mortalidade e fecundidade, e seus efeitos já podem ser observados na conformação etária da população.

Os motivos associados às reduções nas taxas de mortalidade no Brasil, que ocorreram inicialmente sobre a mortalidade precoce e a infantil, são abordados sob duas perspectivas: uma que realça a melhoria do padrão de vida da população em decorrência do desenvolvimento das forças produtivas e outra que enfatiza as contribuições das inovações médicas, dos programas de saúde pública, do acesso ao saneamento básico e da melhoria da higiene pessoal (ALVES, 2008).

Já a queda nos níveis de fecundidade está relacionada às transformações sociais e econômicas ocorridas no país, como a industrialização, urbanização, mudanças nos arranjos familiares e no papel social da mulher, influência dos meios de comunicação de massa, particularmente da televisão, assim como disponibilidade e ampliação do uso de métodos anticoncepcionais (PORTTER et al., 2010; CARMO; DAGNINO; JOHANSEN, 2014).

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mudanças ocorridas. A mortalidade infantil, por exemplo, em 1940 era de 160 óbitos infantis para cada 1000 nascidos vivos. Foi declinando consideravelmente, passando a 29 óbitos por 1000 nascidos vivos em 2000, e, em 2017, apenas 12,8 recém nascidos não completariam o primeiro ano de vida para cada 1000 nascidos vivos. Já a fecundidade, mensurada a partir da taxa de fecundidade total, em 1960 era de 6,28 filhos por mulher, passando para 1,90 em 2010, atingindo o nível de 1,8 filhos por mulher em 2015 (IBGE, 2012; IBGE, 2018a; IBGE, 2018b).

Outra característica que demonstra a originalidade da transição demográfica ocorrida no Brasil diz respeito à forma desigual em que se apresenta entre os diferentes estados e regiões do país, bem como em distintos grupos sociais da população, sendo essa característica determinada pelos fortes desequilíbrios regionais e sociais existentes. Ainda que única, enquanto um processo global que atinge toda a sociedade brasileira, a transição demográfica apresenta-se como múltipla, pois se manifesta diferentemente segundo as diversidades regionais e, principalmente, sociais (BRITO, 2008).

É importante ressaltar que a dinâmica demográfica de uma população, bem como as transformações ocorridas nos componentes demográficos são resultados de processos históricos socialmente construídos, característicos de determinado tempo e espaço, o que explica as grandes diferenciações existentes entre países, entre regiões dentro de um mesmo país e entre grupos sociais dentro de uma mesma região (CARMO; DAGNINO; JOHANSEN, 2014).

A transição demográfica trouxe consequências para a sociedade brasileira, sendo a transição da estrutura etária, ou seja, o processo de mudança na composição etária da população, e o envelhecimento populacional as de maior importância. Comparando indicadores populacionais de 1940 com os do último censo de 2010, tem-se que a proporção de idosos (60 anos ou mais de idade) que era de 4,1% passou para 10,8%. O índice de envelhecimento, que é a razão entre os componentes etários extremos da população, ou seja, reflete o número de pessoas idosas para cada 100 pessoas menores de 15 anos de idade, era de 9,6 em 1940 aumentando para 44,8 em 2010. A razão de dependência, que é a razão entre o segmento etário da população definido como economicamente dependente (os menores de 15 anos e os de 60 anos e mais de idade) e o segmento etário potencialmente produtivo (entre 15 e 59 anos de idade), por sua vez, caiu de 82,6% em 1970 para 45,9% em 2010. Entretanto, a razão de dependência jovem (considerando como dependente apenas os menores de 15 anos) caiu de 76,8% para

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35,1% e a de idosos (considerando como dependente apenas os idosos) aumentou de 5,8% para 10,8%, neste mesmo período (IBGE, 2017a).

Os dados acima comprovam as transformações na composição etária ocorridas nas últimas décadas no Brasil e reiteram a necessidade de considerar essas mudanças no planejamento de políticas públicas. Cabe ainda ressaltar que além do quantitativo proporcional de idosos estar aumentando, a população também tornou-se mais longeva ao longo deste período, contribuindo com este envelhecimento. O tempo médio de vida, ou seja, a expectativa de vida, de um brasileiro nascido vivo passou dos 42,7 anos, em 1940, para 75,7 anos em 2016, considerando que o nascido vivo experimentasse ao longo de toda a sua vida as taxas específicas de mortalidade do Brasil vigentes em cada um dos respectivos anos (IBGE, 2016a).

A Figura 2 demonstra a distribuição proporcional da população brasileira, por sexo e faixa etária, para o período de 1970 a 2010. Pode-se, claramente, observar os efeitos da transição demográfica, a partir do continuado estreitamento da base da pirâmide ao longo do tempo e do alargamento da parte central e do topo. A estrutura etária da população brasileira está perdendo a sua conformação piramidal, e, apresentando-se, cada vez mais, com um formato de barril, sendo tais mudanças decorrentes da redução proporcional no número de crianças e jovens e do aumento da população economicamente ativa e de idosos, ou seja, do envelhecimento da população.

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Figura 2. Distribuição proporcional (%) da população por sexo e idade. Brasil, 1970, 1980, 1991, 2000 e 2010

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A queda na razão de dependência, resultante do aumento da população em idade ativa em decorrência de um menor percentual de crianças e idosos no total da população, ou seja, o aumento da relação entre produtores e consumidores efetivos na população resulta no fenômeno conhecido como bônus demográfico (ou dividendo demográfico ou janela de oportunidades) que incita possibilidades de crescimento de renda e desenvolvimento socioeconômico para uma sociedade.

A expressão bônus demográfico ou dividendo demográfico foi utilizada pela primeira vez em 1997 pela revista The Economist em reportagens baseadas em estudos de Williamson & Higgins e Andrew Mason, sendo amplamente utilizada após publicação de artigos por David Bloom e colegas. No Brasil, Carvalho e Wong, em 1995, utilizaram o termo janela de oportunidades ao mostrar que a queda nos níveis de fecundidade e as mudanças na estrutura etária poderiam ter efeitos importantes sobre as políticas públicas e a economia (BRITO et al., 2007).

Diversos estudos na área da Demografia discutem as causas e os reflexos desse “bônus demográfico”, especialmente no sentido de sinalizar novos desafios e demandas específicas para cada grupo etário (CARVALHO; GARCIA, 2003; WONG; CARVALHO, 2006; CARVALHO; WONG, 2008).

Quanto a crianças e jovens tem-se a oportunidade de solucionar problemas antigos, como a nutrição e a educação, principalmente ao considerar a redução desse contingente populacional. Já para a crescente população economicamente ativa, o primeiro e mais evidente desafio é a geração de empregos que acompanhe esse crescimento. E, por fim, para os idosos, a necessidade de garantir uma melhor qualidade de vida no envelhecimento, cujas demandas prioritárias para esse grupo quantitativamente emergente são referentes à seguridade social (saúde, previdência e assistência social).

Considerando apenas o lado demográfico, a janela de oportunidades no Brasil continuaria aberta até meados de 2030, gerando condições favoráveis ao desenvolvimento do país, fechando progressivamente nas décadas seguintes, culminando com o aumento da razão de dependência no final do século XXI. Contudo, a situação do mercado de trabalho deveria convergir com essa realidade, no sentido de oferecer vagas necessárias para incorporar a disponibilidade de mão de obra. Quanto maiores fossem a geração de empregos e o grau de formalização da força de trabalho,

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maiores seriam as chances de realização deste bônus demográfico em potencial (ALVES, 2015).

No entanto, esta não é a realidade observada no Brasil. O ritmo de geração de emprego e de crescimento da população ocupada em relação à população em idade ativa perdeu fôlego principalmente após o final do ano de 2012. A piora das condições do mercado de trabalho e a crise econômica de 2015 levaram a um colapso dos níveis de emprego, contribuindo para o fim precoce do bônus demográfico brasileiro. Nesta situação, cresce a preocupação com o envelhecimento, com a diminuição absoluta e relativa do número de trabalhadores em idade ativa, com o agravamento do desequilíbrio do sistema previdenciário, com o déficit fiscal do Estado e o endividamento das famílias, com o alto custo das doenças crônicas para o sistema de saúde e a assistência social. É como se o país estivesse passando de uma situação de bônus para ônus demográfico (ALVES, 2015).

No âmbito da saúde, mais do que nunca, um sistema universal e único, a organização do modelo de atenção e a garantia de acesso a fim de atender às necessidades geradas por esse novo perfil demográfico representam não somente a defesa do direito constitucional, mas a promoção do bem-estar social. Isso significa que, neste momento de transição, é preciso investir e reestruturar o sistema de saúde, compreendendo o seu papel enquanto indutor do desenvolvimento econômico e, sobretudo, enquanto resposta às novas necessidades criadas pelas transformações demográficas e epidemiológicas (MIRANDA; MENDES; SILVA, 2017).

À despeito da transição epidemiológica, esta pode ser definida como mudanças nos padrões de morbidade, mortalidade e invalidez da população. É caracterizada, principalmente, pela evolução progressiva de um perfil de alta prevalência de doenças transmissíveis para outro cenário onde predominam as DCNT. Em geral, essas mudanças ocorrem em conjunto com outras transformações demográficas, sociais e econômicas (SCHRAMM et al., 2004).

Embora sejam processos distintos, as transições demográfica e epidemiológica possuem uma correlação direta. Por um lado, o início do declínio da mortalidade concentrou-se nas causas de morte por doenças infecciosas. Por outro lado, com a queda das taxas de fecundidade e consequente mudança da estrutura etária da população, um maior número de pessoas em idades mais avançadas estiveram expostas aos fatores de risco desencadeantes das DCNT, aumentando assim a prevalência destas doenças (LEBRÃO, 2007).

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A teoria clássica da transição epidemiológica foi, inicialmente, proposta por Omran (1971), que além de reconhecer essa íntima associação das mudanças nos padrões de saúde e doença com as evoluções demográficas e socioeconômicas, inerentes da modernização, propôs outras premissas básicas para este processo: a substituição das doenças transmissíveis por doenças não transmissíveis e causas externas; o deslocamento da carga de morbimortalidade dos grupos mais jovens aos grupos mais idosos; e a transformação de uma situação em que predomina a mortalidade para outra, na qual a morbidade é dominante.

Ademais, neste primeiro ensaio sobre a transição epidemiológica, ao comparar as variações peculiares no padrão, no ritmo, nos determinantes e nas consequências das mudanças na população de diferentes países, como Inglaterra, Japão, Chile e Ceilão (atual Sri Lanka), Omran (1971) propôs a existência de três modelos básicos de transição epidemiológica: o modelo clássico ou ocidental, o modelo acelerado e o modelo contemporâneo ou atrasado. Este último modelo descrevia a transição relativamente recente e ainda inacabada dos países em desenvolvimento, principalmente da América Latina, África e Ásia.

Posteriormente, Frenk et al. (1991) apontaram a complexidade da experiência de transição epidemiológica vivenciada na América Latina e defenderam o surgimento de um novo modelo denominado “modelo polarizado prolongado”. A Figura 3 esquematiza as possíveis etapas e características desse modelo. Naquela época, os autores já citavam o México e o Brasil, com suas notáveis diversidades regionais, como exemplos da polarização epidemiológica.

Figura 3. Características do modelo de transição epidemiológica, modelo polarizado

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No Brasil, a transição epidemiológica ocorreu mais tardiamente, tornando-se mais evidente a partir da década de 1960, e o debate acerca da polarização epidemiológica reforçado por Araújo (1992) ainda é bastante atual. O autor defendia que ao enfrentar o problema emergente do aumento da morbimortalidade pelas DCNT, o Brasil defrontava-se com a permanência ou até mesmo com o recrudescimento das doenças infecciosas e parasitárias, como a cólera, a dengue, a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (AIDS) e as antigas e ainda persistentes endemias (malária, esquistossomose, doença de Chagas, hanseníase), com mortalidade ainda elevada em comparação com as taxas de países desenvolvidos e de outros países da América Latina. Tal fato se deu ao contrário nos países industrializados, nos quais as doenças crônicas só passaram a assumir papel preponderante após o virtual controle das doenças transmissíveis.

Araújo (1992) ainda destacou que, além da polarização entre os tipos de agravos à saúde, no Brasil havia uma polarização geográfica e social, que se manifestava em desníveis de indicadores de mortalidade e morbidade de regiões e grupos populacionais de uma mesma região, estado ou cidade. Sendo esses indicadores nada mais que uma expressão das desigualdades de renda, da carência, de alimentação, moradia, saneamento, educação e, também, da dificuldade de acesso aos serviços de saúde.

A magnitude da transição epidemiológica vivenciada no Brasil é refletida na inversão da predominância nas taxas de mortalidade, segundo os distintos grupos de causas. Em 1930, as doenças infecciosas respondiam por cerca de 46% das mortes nas capitais brasileiras. A partir de então, verificou-se uma redução progressiva, e, em 2003, essas doenças correspondiam a 5% dessas mortes, aproximadamente. As doenças do aparelho circulatório, contudo, que representavam 12% das mortes na década de 30, em 2003 foram as principais causas de morte em todas as regiões brasileiras, respondendo por quase um terço dos óbitos (MALTA et al., 2006).

Os dados mais atualizados acerca da mortalidade brasileira, disponíveis nos sistemas de informação, indicaram que, no ano de 2015, as doenças do aparelho circulatório se mantiveram predominantes, enquanto primeira causa de óbitos, apresentando um percentual de 27,7%. Em segundo lugar, estiveram as neoplasias com 16,6% e em terceiro, a mortalidade por causas externas (12,0%) seguida pelas doenças do aparelho respiratório (11,8%). As doenças infecciosas e parasitárias foram responsáveis por 4,4% dos óbitos em todo o país no ano de 2015 (DATASUS, 2017).

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Cabe destacar, entretanto, que tais dados não foram submetidos a nenhum tratamento de correção de sub-registro.

As estimativas mais atuais do estudo Global Burden of Disease (GBD) 2015, realizado com dados do Brasil apontaram que, no referido ano, as DCNT foram responsáveis por 75,8% da mortalidade no país, ao passo que a mortalidade por causas maternas, infecciosas e infantis representaram 12,4% do total de mortes registradas (MALTA et al., 2017a).

Contudo, como exposto anteriormente, a discussão acerca da polarização epidemiológica no Brasil ainda deve ser considerada, tendo em vista que, apesar da redução considerável na proporção de mortes causadas por doenças infecciosas ao longo dos últimos 80 anos, de 50% para 5%, estas continuam sendo um problema de saúde pública no Brasil, carreando um percentual considerável (13%) dos recursos alocados para a saúde. O êxito na integração das políticas de saúde com políticas sociais mais abrangentes, além da ampliação do acesso aos recursos de prevenção, como as vacinas, tratamentos, como o antirretroviral, e cuidados primários de saúde contribuíram com o sucesso total (ex., diarreia, cólera, doença de Chagas e doenças preveníveis por vacinas) ou parcial (ex. AIDS, hanseníase, tuberculose, malária), no controle de algumas doenças infecciosas no Brasil. Contudo, mesmo com estes esforços, ainda se observa insucessos no controle de algumas doenças (BARRETO et al., 2011).

As doenças que tiveram êxito parcial têm padrões de transmissão complexos, às vezes, transmitidas por insetos vetores de difícil controle e, em sua maioria, são doenças crônicas com longos períodos de infecção e que requerem tratamentos prolongados, o que dificulta a adesão ao tratamento (BARRETO et al., 2011). Além disso, a persistência dessas doenças é agravada pela sua associação com a miséria e a exclusão social, incluindo nesse contexto determinantes ambientais, sociais e econômicos, a exemplo da tuberculose e da hanseníase, e da alta incidência da malária na região da Amazônia Legal, oscilando em torno de 300 mil casos novos/ano (DUARTE; BARRETO, 2012).

Os fortes processos de industrialização e urbanização trouxeram melhorias para a infraestrutura do país (água encanada, saneamento, habitação, rodovias), o que colaborou com o controle de algumas doenças infecciosas. Contudo, a mobilidade da população expandiu as áreas de transmissão de algumas doenças endêmicas (ex., febre

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amarela) e fez doenças anteriormente restritas às áreas rurais aparecerem em áreas urbanas (ex., leishmaniose visceral e hanseníase) (BARRETO et al., 2011).

Já doenças que haviam sido anteriormente bem controladas foram reintroduzidas no Brasil, como a dengue. A reintrodução do Aedes aegypti, em 1976, resultou em epidemias sucessivas de dengue desde 1986 (BARRETO et al., 2011). Apesar da ainda baixa taxa de mortalidade, a dengue contribui para considerável perda de anos saudáveis de vida no Brasil por acometer um elevado número de pessoas, de todas as faixas etárias, ocasionando algum grau de incapacidade durante a infecção sintomática, e em razão dos óbitos, principalmente, em crianças (ARAÚJO et al., 2017). Aliado ao conhecido cenário endêmico da dengue no Brasil, nos últimos anos também se observou a emergência de outras duas arboviroses no contexto epidemiológico do país, a Chikungunya em setembro de 2014 e a Zika em abril de 2015. A concomitância dessas epidemias geram severos impactos social, econômico e nos serviços de saúde, que são intensificados principalmente diante da ausência de tratamento, vacinas e medidas efetivas de prevenção e controle (DONALISIO; FREITAS; ZÚBIO, 2017).

No Brasil, no ano de 2018, até meados de dezembro, foram registrados 66.389 novos casos confirmados (taxa de incidência de 41,1 casos/100 mil habitantes) e 37 mortes pela febre de Chikungunya e 3.676 casos confirmados (taxa de incidência de 3,9 casos/100 mil habitantes) e 4 óbitos pelo vírus Zika (BRASIL, 2019). Diante do grande número de casos que não chegam a ser notificados, os dados epidemiológicos destas duas doenças são expressivos e merecem ser tratados como problema de saúde pública.

Outro ponto a ser destacado no controle das doenças infecciosas no Brasil diz respeito a falhas nos programas de imunização de algumas doenças, demonstradas a partir da queda nos percentuais de cobertura das vacinas, que vem ocasionando surtos de algumas doenças já tidas como erradicadas, como o sarampo, ou o temor pelo retorno de doenças já confirmadas em países vizinhos, como a poliomielite (BARROS et al., 2018; LEITE; RAMALHO; SOUSA, 2019).

O desafio do exitoso Programa Nacional de Imunizações do Brasil, que tem apresentado queda principalmente com relação às coberturas vacinais infantis, perpassa por diversas questões, mas, certamente, a hesitação vacinal tornou-se uma das principais preocupações dos gestores e pesquisadores brasileiros. Dentre as justificativas mais apontadas pelos pais para não vacinar seus filhos, destacam-se: a baixa percepção do

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risco da doença, visto que já estão controladas ou são leves; medo de eventos adversos pós-vacina; questionamentos sobre sua eficácia e formulação e sobre o interesse financeiro da indústria farmacêutica; opção de outras formas de proteção da saúde de menor intervenção médico-hospitalar (SATO, 2018).

Cabe destacar ainda que as reduções na mortalidade de algumas doenças infecciosas nem sempre foram acompanhadas por uma redução similar na incidência. A tuberculose e a AIDS ainda são um problema de saúde pública em muitas regiões do país, apesar da substancial redução nas taxas de mortalidade desde meados dos anos 1990 (BARRETO et al., 2011). Ademais, deve-se considerar os riscos associados às co-infecções com outras doenças. No Brasil, o número de indivíduos com co-co-infecções por Leishmaniose visceral / HIV, por exemplo, tem aumentado e nessa população a letalidade da doença é três vezes maior do que em pacientes sem HIV (SOUSA-GOMES; ROMERO; WERNECK, 2017).

Além da relevância que as doenças infecciosas ainda têm no cenário epidemiológico brasileiro como um todo, a situação torna-se mais complexa quando se analisam os distintos padrões de adoecimento e mortalidade entre as regiões. As doenças infecciosas, parasitárias, maternas, perinatais e nutricionais ainda são mais marcantes nas regiões Norte e Nordeste, acometendo, principalmente, as mulheres. Tais doenças estão relacionadas à pobreza e/ou precárias condições de acesso à saúde. Já o grupo das doenças não transmissíveis apresentam distribuição semelhante entre os sexos e maior expressão nas regiões Sul e Sudeste. Fatores como mudança no estilo de vida da população brasileira, consumo de substâncias nocivas como o tabaco, além de modos deficientes de industrialização e urbanização estão associados a este último padrão de adoecimento (SCHRAMM et al., 2004).

No outro extremo da transição epidemiológica estão as Doenças e Agravos Não Transmissíveis (DANT). Estes agravos combinam dois grupos de eventos: as Doenças Crônicas não Transmissíveis (DCNT), como as cardiovasculares, neoplasias, respiratórias crônicas e diabetes, e as causas externas (acidentes e violências).

Nos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável e na agenda 2030, diversos indicadores referentes às DANT foram incluídos, como metas de redução da mortalidade de DCNT e das mortes no trânsito, metas de redução do uso do tabaco e do consumo abusivo do álcool, eliminação da violência contra mulheres e meninas, acesso

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a sistemas de transporte seguros, sustentáveis, expansão do transporte público (IPEA, 2018).

Devido ao conjunto de fatores de risco em comum e à sua relação com os aspectos relacionados ao estilo de vida, o presente trabalho se deteve apenas ao grupo das DCNT, dentre as DANT.

No tocante às DCNT, de um total de 56 milhões de mortes registradas em todo o mundo, estas foram responsáveis por 38 milhões no ano de 2012. Destas, 82% ocorreram devido às principais DCNT: doenças cardiovasculares (17,5 milhões de mortes, ou 46,2%), câncer (8,2 milhões, ou 21,7%), doenças respiratórias, incluindo asma e Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC) (4,0 milhões, ou 10,7%) e diabetes (1,5 milhão, ou 4%). O número de mortes por DCNT tem aumentado em todas as regiões do mundo. Em 2000 este número era de 31 milhões, e estima-se que até 2030 este valor atinja a cifra de 52 milhões (WHO, 2014a). No Brasil, também no ano de 2012, só as doenças cardiovasculares foram responsáveis por 40,8% da mortalidade precoce, ou seja, em indivíduos entre 30 e 69 anos idade (LOTUFO, 2015).

E nesta conjuntura atual, as DCNT configuram-se como o maior problema global de saúde e têm gerado além de danos biológicos importantes aos indivíduos, como a perda de qualidade de vida, o alto grau de limitações e incapacidades e o elevado número de mortes prematuras, impactos econômicos negativos para os indivíduos, famílias e sociedade em geral (MALTA, 2014).

Este ônus das DCNT recai mais fortemente sobre os países de baixa e média renda, bem como em grupos populacionais mais vulneráveis, como os idosos e pessoas de baixa escolaridade e renda, tendo em vista a maior exposição aos fatores de risco e o menor acesso aos serviços de saúde. Ademais, a perda de produtividade devido a óbitos prematuros e os custos individuais e para a sociedade na abordagem e tratamento das doenças não transmissíveis constituem importantes barreiras à redução da pobreza e ao desenvolvimento sustentável (WHO, 2014a).

Além dos aspectos sociodemográficos, outro fator que agrava e dificulta o enfretamento das DCNT é a existência simultânea de duas ou mais doenças ou condições crônicas em um indivíduo. A condição de multimorbidade aumenta os impactos negativos das DCNT em nível individual, e em relação a ampliação na utilização e nos gastos com serviços de saúde. Aliado a isso, se faz necessária uma reestruturação dos serviços de saúde, tendo em vista que abordagens de cuidados de

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saúde centradas em doenças únicas não conseguem atender de maneira eficaz as necessidades complexas de saúde das pessoas com multimorbidade (RZEWUSKA et al., 2017).

No Brasil, a prevalência da multimorbidade em adultos (maiores de 18 anos) é de 24,2%, considerada elevada e equiparada à prevalências encontradas em países mais ricos. Essa condição está associada não só à características sociodemográficas, tais como indivíduos mais velhos, mulheres, de mais baixa escolaridade, residentes nas regiões Sudeste e Sul do país (RZEWUSKA et al., 2017), residentes em áreas urbanas e entre pessoas desempregadas (CARVALHO; CANCELA; SOUZA, 2018), como também a fatores relacionados ao estilo de vida, como o tabagismo e a obesidade (CARVALHO et al., 2017).

Diante da gravidade e da abrangência mundial das DCNT, bem como dos seus impactos nos sistemas de saúde e no desenvolvimento das sociedades, em 2011 e em 2014, a Organização das Nações Unidas (ONU) convocou os chefes de Estado para debater sobre as DCNT. Nestes encontros foram firmados compromissos entre os países-membros no sentindo de se engajarem no enfretamento dessas doenças, mediante ações de prevenção dos seus principais fatores de risco e da garantia de uma adequada atenção à saúde (ONU, 2011).

Atendendo a esta demanda, no mesmo ano, o Brasil lançou o “Plano de Ações Estratégicas para o Enfrentamento das Doenças Crônicas Não Transmissíveis (DCNT) no Brasil, 2011-2022”. Esse plano define metas e ações necessárias para o enfrentamento e a detenção das DCNT, em 11 anos, visando a prevenção e o controle das DCNT e seus fatores de risco, e o fortalecimento dos serviços de saúde voltados para a atenção aos portadores de doenças crônicas (BRASIL, 2011a).

Com o intuito de conhecer a magnitude das DCNT e monitorar os fatores de risco associados, acompanhando a distribuição e as tendências socioespaciais ao longo do tempo, um sistema de vigilância para as DCNT foi desenvolvido no Brasil, cujas principais fontes de dados constituem os sistemas de informação de morbimortalidade e os inquéritos populacionais de saúde.

Dentre os SIS, destacam-se no monitoramento da morbimortalidade em DCNT o Sistema de Informações Hospitalares do SUS (SIH-SUS), que contém dados sobre diagnóstico das internações hospitalares, gastos, tendências; a Autorização de Procedimentos de Alta Complexidade (APAC), que fornece informações relativas aos

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procedimentos considerados de alta complexidade; o Sistema de Informação de Atenção Básica (SIAB), contendo dados sobre procedimentos de atenção básica; os Registros de Câncer de Base Populacional (RCBP), Registros Hospitalares de Câncer (RHC) e o Sistema de Informação do Câncer (SISCAN), que permitem estimativas de incidência de câncer, sobrevida e mortalidade; e o Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM), que coleta informações sobre as causas de morte e suas tendências (MALTA et al., 2017c).

Já o monitoramento dos fatores de risco é feito a partir de grandes pesquisas populacionais realizadas periodicamente por meio de visitas domiciliares, no âmbito escolar ou via contato telefônico. O primeiro inquérito domiciliar de base populacional sobre fatores de risco de agravos e doenças não transmissíveis foi realizado em 2003 e abrangeu apenas a população de 15 anos ou mais de idade de 15 capitais brasileiras e no Distrito Federal (BRASIL, 2004). Em 2002 – 2003 e em 2008 – 2009 foi realizada, pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a Pesquisa de Orçamento Familiar (POF), com a inserção de perguntas sobre a aquisição e o consumo de alimentos e avaliação nutricional (IBGE, 2004; IBGE, 2010a; IBGE, 2010b). Em 2008 foram incluídos, na Pesquisa Nacional de Amostra por Domicílios (PNAD), módulos referentes às DCNT, atividade física e o Global Tobacco Adult Survey (GATS), que incorporou dados sobre o tabaco (IBGE, 2009; IBGE, 2010c). Em 2013, foi realizada pelo IBGE em parceria com o Ministério da Saúde (MS) a Pesquisa Nacional de Saúde (PNS), a mais ampla pesquisa de base domiciliar do país, realizada em cerca de 64 mil domicílios. Foram incluídos a maioria dos temas em saúde, como DCNT, fatores de risco, idosos, mulheres, crianças, uso de serviços, desigualdades em saúde, medidas antropométricas e laboratoriais (IBGE, 2014).

Quanto aos inquéritos telefônicos, foi iniciado em 2006 o Sistema de Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para DCNT (Vigitel), com amostra anual de cerca de 54 mil linhas telefônicas, entrevistando adultos nas 26 capitais brasileiras e no Distrito Federal. O Vigitel completou uma década de coletas realizadas, sendo o inquérito mais sustentável dentre todas as pesquisas já realizadas pela saúde pública no país (BRASIL, 2017b). Uma das possibilidades do Vigitel consiste no monitoramento de tendências temporais e o acompanhamento de políticas prioritárias, como a do controle do tabaco, a redução do consumo abusivo de álcool e a promoção da atividade física (MALTA et al., 2017c).

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Os inquéritos em escolares foram planejados para serem realizados a cada três anos, tendo início em 2009 com a Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE), que coletou informações junto aos adolescentes do nono ano do ensino fundamental do Brasil. Três edições da PENSE já foram realizadas, em 2009, 2012 e 2015. Em 2015 foram incluídos adolescentes de 13 a 17 anos, escolares do sexto ano do ensino fundamental até o terceiro ano do ensino médio (IBGE, 2016b).

Avanços e resultados promissores já vêm sendo apresentados em consonância com as metas propostas no Plano de ações de DCNT, indicando que a maioria estão em bom andamento para serem cumpridas em 2022, tais como a redução da mortalidade prematura (30-69 anos) por DCNT; redução no consumo do tabaco e no consumo regular de refrigerantes; aumento no consumo de frutas e hortaliças e na cobertura de mamografia. As metas não atingidas referem-se, todavia, à citologia oncótica, que apresentou estabilidade, e à obesidade, que vêm demonstrando aumento (MALTA et al., 2016).

A tendência de declínio na mortalidade por DCNT no Brasil é demonstrada em estudos recentes (MALTA et al., 2014; GUIMARÃES et al., 2015). Aponta-se uma redução média de 2,5% ao ano no período de 2000 a 2011 na mortalidade precoce ocasionada pelas quatro principais DCNT, sendo esse declínio observado em todas as cinco regiões do país e em ambos os sexos, e mais pronunciado entre as doenças cardiovasculares e as respiratórias crônicas (MALTA et al., 2014). Esse cenário denota o que se conceitua como o início de um quarto estágio da transição epidemiológica, denominado “Era do retardamento das doenças degenerativas” (OLSHANSKY; AULT, 1986).

Contudo, cabe destacar que, ao se analisar a redução da mortalidade segundo os tipos de doenças cardiovasculares, observa-se variações regionais importantes, principalmente entre as regiões Sul e Sudeste comparadas com as regiões Norte e Nordeste (GUIMARÃES et al., 2015; BRANT et al., 2017). As iniquidades existentes entre essas regiões refletem na carga de mortalidade, especialmente nas mortes prematuras atribuíveis a doenças cardiovasculares, que afeta, de maneira desproporcional, a população pobre (GUIMARÃES et al., 2015).

Essas reduções observadas na mortalidade por DCNT, e, particularmente em relação às doenças cardiovasculares e respiratórias crônicas, ocorreram em conjunto com a implementação bem-sucedida de políticas de saúde que levaram à redução do

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tabagismo e à expansão do acesso à atenção básica em saúde (SCHMIDT et al., 2011), além de melhores condições de tratamento dos eventos agudos, como infarto agudo do miocárdio e acidente vascular cerebral (MARCOLINO et al., 2013; MARTINS et al., 2013). Tem-se como exemplo, a criação, em 2003, do sistema de atendimento a urgências e emergências, que cobre atualmente dois terços da população brasileira, e que facilitou o acesso ao tratamento hospitalar precoce (MACHADO; SALVADOR; O’DWYER, 2011).

Embora esses resultados sinalizem avanços importantes, não diminuem a relevância das DCNT, que ainda se constituem como principal causa de morte em todo o mundo. Não obstante, apesar dos progressos observados, indicadores desfavoráveis ainda são relatados na população brasileira, principalmente em relação aos fatores de risco, como a inatividade física no lazer e o consumo abusivo de bebidas alcoólicas, além do aumento na prevalência de diabetes, hipertensão e obesidade (DUNCAN et al., 2012).

Essas tendências adversas observadas nos fatores de risco podem comprometer os benefícios da redução na mortalidade e se traduzem em lacunas e desafios no controle das DCNT. Nesse sentido, cresce a demanda por ações e políticas públicas legislativas e regulatórias, principalmente quanto à alimentação e à comercialização de bebidas alcoólicas, além do fortalecimento de uma rede de atenção às pessoas com doenças crônicas.

O aumento na prevalência de obesidade, e, consequentemente, de hipertensão e diabetes, decorre de um processo que acontece simultânea ou posteriormente aos de transição demográfica e epidemiológica, e que é denominado transição nutricional. A transição nutricional é caracterizada por mudanças nos padrões alimentar e de atividade física das populações, que refletem em alterações antropométricas, como a estatura média e a composição corporal (POPKIN, 2002).

Diversas mudanças vêm ocorrendo nas sociedades modernas em ritmos e intensidades diferentes, mas que parecem convergir para um padrão de dieta rica em gorduras saturadas, açúcar e alimentos refinados com baixo teor de fibras (conhecida como dieta ocidental), além de baixos níveis de atividade física (POPKIN, 2002). Essas mudanças foram descritas em cinco estágios estabelecidos na teoria da transição nutricional, conforme descrito na Figura 4. Considerando as características de cada estágio, atualmente o Brasil se encontra no quarto estágio da transição nutricional, onde

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prevalecem o consumo de alimentos processados, os comportamentos sedentários, a obesidade e as DCNT.

A transição nutricional decorre, principalmente, de mudanças nos padrões de consumo alimentar e de atividade física das populações. Essas mudanças, por sua vez, são impulsionadas por uma série de fatores que incluem a urbanização, o crescimento econômico, a globalização, além de transformações tecnológicas e culturais (POPKIN; 2006).

No Brasil, a urbanização e a industrialização assumiram papel de grande relevância nas alterações ocorridas nos padrões de vida e comportamento da população. Em termos de ocupação demográfica, o país passou de uma situação eminentemente rural, com apenas 31,24% de sua população vivendo em área urbana em 1940, para uma condição de predominância urbana, demarcada pelos 84,36% de pessoas radicadas nos centros urbanos em 2010 (IBGE, 2017b).

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Figura 4. Estágios da Transição Nutricional.

Fonte: POPKIN (2002)

Essa intensa urbanização em conjunto com o processo de industrialização, que embora tenha tido um desenvolvimento significativo desde os anos 50, ganhou maior expressão a partir da década de 70, propiciaram modificações econômicas, sociais e culturais importantes para o estilo de vida das pessoas, tais como: inserção da mulher no mercado de trabalho, o que ocasionou redução no preparo de alimentos no âmbito domiciliar e aumento no consumo de alimentação fora de casa; crescimento na oferta de refeições rápidas; ampliação do uso de alimentos industrializados/processados; mudanças nas ocupações por setores (exemplo: da agricultura para a indústria) e nos processos de trabalho, com redução do esforço físico ocupacional; alterações nas atividades de lazer, que passam de atividades de gasto acentuado, como práticas esportivas, para longas horas diante da televisão ou do computador; uso de

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equipamentos domésticos que reduzem o gasto energético (exemplo: máquina de lavar roupa, controle remoto, elevador) (MENDONÇA; ANJOS, 2004; TARDIDO; FALCÃO, 2006).

Quanto ao padrão alimentar e dietético existe uma enorme variabilidade entre os países. Contudo, tendências globais apontam mudanças direcionadas a uma maior densidade energética e maior ingestão de açúcar em quase todos os países do mundo. Ao mesmo tempo, alimentos com alto teor de fibras estão sendo substituídos por versões processadas e refinadas, pobres em fibras. Também tem se observado, mundialmente, o aumento na ingestão de óleos vegetais, de produtos de origem animal e de bebidas açucaradas, em detrimento da redução no consumo de frutas, vegetais e grãos integrais. Principalmente em países de maior renda, alterações no comportamento alimentar, tais como o aumento do tamanho das porções, a ingestão de alimentos fora de casa e a substituição de refeições por lanches acompanham essas mudanças no padrão dietético (POPKIN, 2006).

A análise da evolução da disponibilidade domiciliar de alimentos no Brasil nas últimas décadas não difere do que é observado mundialmente. Entre 1974/1975 e 2008/2009 observou-se aumento na participação relativa de carnes em geral (de 8,96% para 12,3%), embutidos (de 1,05% para 2,2%), óleos e gorduras vegetais (de 11,62% para 12,6%), biscoitos (de 1,13% para 3,4%), refrigerantes (de 0,43% para 1,8%) e refeições prontas (de 1,26% para 4,6%). Em contrapartida, o consumo de arroz (de 19,09% para 16,02%), feijões e demais leguminosas (de 8,13% para 5,4%), ovos (de 1,15% para 0,7%) e gordura animal (de 3,04% para 1,5%) demonstraram tendência inversa, com marcante redução no período. A participação na dieta de frutas, verduras e legumes permaneceu relativamente constante e aquém das recomendações propostas para esse grupo de alimentos. Ainda que se tenha observado o declínio no consumo de açúcar (de 13,36% para 11,2%), este ainda ultrapassa o limite máximo recomendado de 10% do total de calorias ingeridas (IBGE, 2004; IBGE, 2010a).

Acompanhando essa tendência, os dados antropométricos da população brasileira passaram por alterações significativas. Para o Brasil como um todo, a correção do déficit estatural, que representa o efeito lento, gradual e cumulativo do estresse nutricional sobre o crescimento esquelético, em crianças menores de 5 anos foi de 72% entre o período de 1975 a 1996 (BATISTA FILHO; RISSIN, 2003). Esse declínio continuou ocorrendo em anos posteriores, e o retardo estatural em menores de 5 anos

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que em 1975 era de 26,6% na zona urbana e 40,5% na zona rural, atingiu o percentual de 9,2% na zona urbana e 10,8% na zona rural em 2009 (BATISTA FILHO; RISSIN, 2003; PEREIRA et al., 2017).

Já em relação à população adulta, o déficit ponderal praticamente foi corrigido entre 1975 e 1989, atingindo taxas de desnutrição semelhantes à países desenvolvidos (cerca de 5%). Dados mais atuais apontam prevalências de 1,8% para homens e 3,6% para mulheres de déficit de peso em maiores de 20 anos de idade no ano de 2009. Neste sentido, a desnutrição foi gradualmente desaparecendo enquanto problema epidemiológico em adultos, uma vez que frequências de até 5,0% de déficit de peso são compatíveis com a proporção de indivíduos constitucionalmente magros na população (IBGE, 2010b).

Essas grandes mudanças observadas nos indicadores de estado nutricional da população brasileira, principalmente em relação à redução da desnutrição infantil, foram impulsionadas por diversos fatores, tais como: redução da natalidade, melhoria no saneamento básico, prevenção contra doenças infecciosas e agravos imunopreveníveis, elevação do nível de escolaridade materna, modificações nos perfis de consumo alimentar e acesso à atenção básica de saúde. Outro aspecto que teve fundamental relevância neste processo foram os programas de nutrição promovidos pelo setor saúde, como o incentivo ao aleitamento materno, o Programa de Suplementação Alimentar (PSA) ou seu sucedâneo, o Programa de Combate às Carências Nutricionais (PCCN) e o Programa Bolsa Alimentação (BATISTA FILHO; RISSIN, 2003), que foi substituído pelo Programa Bolsa Família (PBF).

Ao passo que o declínio da desnutrição em crianças e adultos foi ocorrendo num ritmo bem acelerado, também se observou o aumento na prevalência de sobrepeso e obesidade na população adulta brasileira. Nos 34 anos decorridos entre 1974-1975 a 2008-2009, a prevalência de sobrepeso em adultos aumenta em quase três vezes no sexo masculino (de 18,5% para 50,1%) e em quase duas vezes no sexo feminino (de 28,7% para 48,0%). No mesmo período, a prevalência de obesidade aumenta em mais de quatro vezes para homens (de 2,8% para 12,4%) e em mais de duas vezes para mulheres (de 8,0% para 16,9%) (IBGE; 2010b). Utilizando classificação específica, estudo identificou sobrepeso (IMC > 27kg/m2) em 41,9% das mulheres e 31,6% dos homens idosos brasileiros no ano de 2009 (PEREIRA et al., 2016)

Referências

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Objetivo: Identificar quais fatores relacionados ao estilo de vida são preditores para a ocorrência de dor nas costas em escolares do Rio Grande do Sul.Métodos: