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2.2 FATORES DE RISCO RELACIONADOS AO ESTILO DE VIDA: CONCEITOS,

2.2.2 Inatividade física

A despeito desta temática, cabe, inicialmente, discernir os vários termos utilizados que remetem a conceitos diferentes e que, erroneamente, são tratados como sinônimos. Atividade física é uma expressão genérica que pode ser definida como qualquer movimento corporal, produzido pela contração muscular, que resulte em um gasto energético maior do que os níveis de repouso. Já o exercício físico é definido como um tipo específico de atividade física que é planejado, estruturado e repetitivo, e que tem como objetivo melhorar ou manter a aptidão física (CASPERSEN; POWELL; CHRISTENSON, 1985).

O termo esporte também é utilizado para se referir a movimentos e refere-se ao conjunto de atividades lúdicas e competitivas em que os praticantes, atletas ou amadores, utilizam suas potencialidades de aptidão física no limite máximo (BRACO; PAOLI; SALVATTI, 2016).

A aptidão física, por sua vez, está relacionada com atributos pessoais biológicos, que possibilitam maior ou menor facilidade na prática de atividades físicas. Dentre essas características pode-se citar: a capacidade cardiorrespiratória, a força, a resistência, a flexibilidade e a composição corporal (CASPERSEN; POWELL; CHRISTENSON, 1985). No tocante à aptidão física, tanto a prática desportiva quanto os exercícios físicos estruturados excluem uma parcela da população que apresenta aptidão física insuficiente. Em contrapartida, a atividade física é inclusiva, pois possibilita a quase todas as pessoas, até aquelas com alguma deficiência física ou mobilidade reduzida, ter acesso a uma prática que pode evitar doenças e melhorar a saúde (BRACCO; PAOLI; SALVATTI, 2016).

A insuficiência de atividade física é um dos quatro principais fatores de risco para a morbimortalidade em todo o mundo. Estima-se que 3,2 milhões de mortes e 69,3 milhões de DALY ocorram anualmente devido à falta de atividade física regular. As pessoas que são insuficientemente ativas têm um risco aumentado de 20% a 30% de mortalidade por todas as causas em comparação com aqueles que praticam atividade física conforme o recomendado pela OMS (WHO, 2014a).

A inatividade física é responsável por 9% da mortalidade prematura em todo o mundo. A eliminação da inatividade física reduziria entre 6% a 10% as principais DCNT, como as doenças cardiovasculares, diabetes, câncer de mama e de cólon, e

Por este motivo, a atividade física é uma variável importante para a economia de recursos financeiros em saúde pública e está inversamente associada aos custos com procedimentos de saúde, medicamentos e controle de doenças crônicas (BUENO et al., 2016).

A prática de atividade física no nível recomendado traz benefícios significativos para a saúde e contribui com a prevenção de doença cardíaca isquêmica, acidente vascular cerebral, diabetes, hipertensão, câncer de mama e de cólon, dentre outras DCNT (HUAI et al., 2013; DIAS; SHIMBO, 2013; AUNE et al., 2015; HOWARD; MCDONNELL, 2015; KYU et al., 2016). Além disso, a prática de atividade física é um fator determinante no gasto calórico, e, portanto, fundamental para o equilíbrio energético e controle de peso corporal (FINELLI; GIOIA; LA SALA, 2012; STRASSER, 2013). Devido a isso, o incentivo à prática de atividades físicas é uma preocupação da agenda de saúde pública mundial, principalmente no tocante à prevenção e controle das DCNT (WHO, 2013).

Em 2010, 23% dos adultos com 18 anos ou mais de idade foram considerados insuficientemente ativos em todo o mundo, sendo as mulheres e os indivíduos mais velhos menos ativos do que os homens e a população mais jovem, respectivamente. Entre os adolescentes (11 a 17 anos) os dados são ainda mais preocupantes. Globalmente, em 2010, 81% dos adolescentes foram considerados insuficientemente ativos, também com maiores percentuais para as meninas (84%) em relação aos meninos (78%) (WHO, 2014a).

Realizando uma comparação entre os países, a inatividade física em adultos é maior quanto mais elevado o nível de renda do país. A prevalência em países de alta renda (33%) chega a ser quase o dobro da observada em países de baixa renda (17%) (WHO, 2014a). Esse fato pode ser justificado devido ao elevado nível de atividade física no trabalho e no deslocamento em países de menor renda, enquanto em países de alta renda atividades de lazer contribuem mais para a atividade física total. Ademais, fatores como aumento de propriedade e uso de veículos, diferentes tipos de ocupação, urbanização e industrialização parecem ser determinantes importantes nos níveis e padrões de atividade física entre os países (BAUMAN et al., 2012).

Com o foco na prevenção primária das DCNT, a OMS publicou o documento “Recomendações Globais sobre Atividade Física para a Saúde” que indica, de acordo com a faixa etária, níveis e padrões de atividade física considerados adequados na

redução dos riscos destas doenças, sendo considerados suficientemente ativos os indivíduos que conseguem atingir a tais recomendações em seu cotidiano. Para crianças e jovens de 5 a 17 anos de idade, a recomendação é de praticar ao menos 60 minutos de atividades moderadas ou vigorosas diariamente, estando incluídos jogos, esportes, atividades realizadas no deslocamento, recreação e educação física no contexto de atividades familiares, escolares e comunitárias (WHO, 2010).

Para indivíduos de 18 a 64 anos a atividade física engloba quatro domínios: lazer, ocupacional (atividades físicas realizadas no trabalho), deslocamento (atividades físicas realizadas durante o transporte) e atividades domésticas. Neste sentido, com vistas a melhorar a aptidão cardiorrespiratória e muscular, a saúde óssea e reduzir o risco de doenças não transmissíveis e depressão, a indicação é de realizar ao menos 150 minutos de atividade de intensidade moderada, ou 75 minutos de atividade de intensidade vigorosa, semanalmente, sendo esta atividade realizada em episódios de pelo menos 10 minutos de duração (WHO, 2010).

A mesma recomendação dos adultos se aplica aos idosos com 65 anos ou mais. Idosos com baixa mobilidade devem realizar atividades físicas para aumentar o equilíbrio e evitar quedas em 3 ou mais dias por semana. Além disso, na impossibilidade de praticar as quantidades recomendadas de atividade física devido a condições de saúde, os indivíduos dessa faixa etária devem ser tão fisicamente ativos quanto suas habilidades e condições permitirem (WHO, 2010).

Os dados de abrangência populacional mais recentes acerca das prevalências da prática de atividade física no Brasil apontam um percentual de 22,5% de adultos suficientemente ativos no lazer, sendo maior nos homens (27,1%) quando comparado às mulheres (18,4%). Foram classificados como ativos no deslocamento 31,9% da população brasileira, considerando os adultos que relataram despender pelo menos 150 minutos por semana deslocando-se a pé ou de bicicleta para o trabalho ou outras atividades habituais (MIELKE et al., 2015a).

Já em relação ao domínio trabalho, são considerados indivíduos fisicamente ativos aqueles que andam a pé, fazem faxina pesada, carregam peso ou realizam outra atividade que requeira esforço físico intenso, sendo estas atividades vinculadas ao exercício de seu trabalho por 150 minutos ou mais na semana. No país, em 2013, 14,0% das pessoas de 18 anos ou mais de idade eram fisicamente ativas no trabalho. Sendo

esta prevalência maior na área rural (21,1%) do que na área urbana (12,9%), e nos homens (22,0%) em relação às mulheres (7,0%) (IBGE, 2014).

No domínio das atividades domésticas, estimou-se que 12,1% das pessoas de 18 anos ou mais de idade praticavam atividade física por no mínimo 150 minutos semanais, tais como faxina pesada ou atividades que requerem esforço físico intenso. Ao contrário dos demais indicadores, este mostrou-se fortemente concentrado no público feminino, no qual 18,2% das mulheres foram consideradas ativas, enquanto no público masculino apenas 5,4% atingiram o nível recomendado desta atividade (IBGE, 2014).

Quando considerado o indicador de adultos insuficientemente ativos, ou seja, indivíduos que não atingiram ao menos 150 minutos semanais de atividade física considerando os domínios de lazer, trabalho e deslocamento em conjunto, foram encontradas maiores prevalências. Para este indicador, 46,0% da população brasileira foi classificada como insuficientemente ativa, estando, as mulheres (51,5%), novamente, em pior situação do que os homens (39,8%) (MIELKE et al., 2015a).

Em relação ao público mais jovem, em 2015, a Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PENSE) estimou que apenas 20% dos escolares de 13 a 15 anos e 19,2% dos escolares de 16 a 17 anos declararam fazer pelo menos uma hora por dia de atividade física em cinco ou mais dias, nos últimos sete dias anteriores à data da pesquisa, sendo estes percentuais, significativamente, maiores entre os meninos quando comparado às meninas (IBGE, 2016b).

Além da inatividade física, o comportamento sedentário tem sido descrito como um importante fator de risco para a saúde. O comportamento sedentário é definido como o tempo gasto sentado, e, da mesma forma que a atividade física, ocorre em diferentes domínios (trabalho, lazer, deslocamento e entretenimento). Estima-se que 41,5% da população mundial com 15 anos ou mais despende quatro horas ou mais por dia em comportamento sedentário (HALLAL et al., 2012).

No Brasil, em 2013, 28,9% da população brasileira apresentou comportamento sedentário, sendo, novamente, mais prevalente entre as mulheres (31,9%) do que os homens (25,5%). Tal avaliação, contudo, considerou como comportamento sedentário apenas o hábito de assistir televisão por três ou mais horas por dia, excluindo outras atividades que são realizadas eminentemente na posição sentada. (MIELKE et al., 2015a).

Os indicadores de atividade física do tempo livre (lazer) e deslocamento são os mais importantes para o monitoramento populacional, sob o aspecto de saúde, pois seus resultados podem ser alvo de políticas públicas multisetoriais, que envolvam, por exemplo, o planejamento urbano, a construção de espaços de lazer, ciclovias e a segurança pública (HALLAL et al., 2011).

Estudos de base populacional detectaram significativas diferenças sociais e entre os sexos nas prevalências de atividade física no Brasil (MALTA; MOURA; MORAIS NETO, 2011; KNUTH et al., 2011; MIELKE et al., 2015a; MIELKE et al., 2015b). Neste sentido, exceto para o domínio de atividades domésticas, as mulheres parecem ser menos ativas fisicamente do que os homens, como demonstram os dados expostos anteriormente.

Possivelmente, os distintos papeis sociais e familiares desempenhados por homens e mulheres, influenciados pela cultura e organização social em que vivem, explicam os diferenciais encontrados. As mulheres usualmente assumem a responsabilidade pelas tarefas domésticas e, em conjunto, trabalham em funções remuneradas, tendo menor disponibilidade de tempo e de oportunidades para atividades de lazer (ZANCHETTA et al., 2010).

Quanto aos diferencias sociodemográficos, no Brasil percebe-se que a idade e a escolaridade estão diretamente associadas à prática adequada de atividade física. No domínio lazer, quanto menor a idade e maior a escolaridade maiores são as prevalências de indivíduos suficientemente ativos. Já em relação à atividade exercida durante o deslocamento, esta relação é inversa, indivíduos com menor escolaridade tendem a ser mais ativos (MALTA; MOURA; MORAIS NETO, 2011; KNUTH et al., 2011; MIELKE et al., 2015b).

A atividade física realizada no deslocamento para o trabalho também é mais frequente nas regiões mais empobrecidas do país (Norte e Nordeste). Ao que tudo indica, esse tipo de atividade física não é realizada como opção de promoção da qualidade de vida, e sim, fundamentada basicamente em uma necessidade. Ainda que o deslocamento ativo possa trazer benefícios para a saúde, ir a pé ou caminhando para o trabalho na realidade brasileira parece indicar falta de outra opção e não uma escolha individual para promoção da saúde (KNUTH et al., 2011). Essa variação entre as regiões não ocorre no indicador de atividade física no lazer.

Esses diversos padrões de atividade física contribuem para o esclarecimento da presença de marcadores sociais envolvendo a atividade física. O conhecimento acerca destes diferenciais deve ser usado para a implementação de políticas e programas que visem modificar os fatores determinantes da prática de atividade física e impulsionar mudanças nos comportamentos individuais.

Diversos são os fatores associados e os determinantes que modulam a prática de atividade física. Esses fatores perpassam por aspectos de ordem individual, interpessoal, ambiental e política. No nível individual estão os fatores psicológicos relacionados à motivação e os biológicos, como, por exemplo, a idade. No âmbito interpessoal, estão o apoio social (da família e dos amigos) e normas e práticas culturais. O nível ambiental é composto, tanto pelo ambiente físico, como o clima e a topografia do local de moradia, quanto em relação ao ambiente social, que diz respeito a violência, segurança, assim como a aspectos que envolvem a infraestrutura do ambiente, tais como, disponibilidade de espaços para a prática de atividade física e planejamento urbano. Nos últimos níveis estão as políticas regionais e nacionais relacionadas aos setores de transporte, saúde, educação e lazer, por exemplo, e as macropolíticas globais que predizem o desenvolvimento econômico e a urbanização (BAUMAN et al., 2012).

Essa breve discussão nos faz compreender a importância para a saúde pública e a complexidade que existe em torno da temática da prática de atividade física. Essa complexidade vai além da dificuldade de mensurá-la e da necessidade de padronização desta mensuração, e, concentra-se, principalmente, nos diversos fatores intervenientes. Neste sentido, o alcance dos objetivos da atividade física adequada em nível populacional requer o engajamento multisetorial, envolvendo os setores de saúde, transporte, planejamento urbano, esportes, educação e cultura, segurança pública, dentre outros, com a finalidade de criar oportunidades para as pessoas, de todas as faixas etárias e níveis sociais, serem ativos fisicamente.