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Alterações da estrutura familiar ao longo dos tempos

3. A F AMÍLIA

4.3. Alterações da estrutura familiar ao longo dos tempos

A palavra ―família‖ deriva do latim familia, e apareceu em Roma derivado de famulus, que quer dizer servidor (Leandro, 2001). Na sua aceção antiga, a família designava em Roma o conjunto de pessoas (parentes e domésticos) e bens patrimoniais que viviam e estavam sob a autoridade do pater familias. O significado da palavra ―família‖ tem evoluído ao longo da história, e os diversos modelos variam com as culturas (por exemplo, matriarcal, patriarcal, poligâmica, nuclear).

Existe um polimorfismo da família descrito por sociólogos, historiadores e antropólogos, segundo o sistema de classificação ou tipologia diferentes. Embora o conceito seja importante, interessa perceber que inspirou diversas ciências como a sociologia, a medicina, a história, a antropologia, a demografia, a estatística, que em muito contribuíram para a construção deste objeto sociológico. A tradição, a religião, a cultura, o contexto político, económico e social, determinam um número elevado de parâmetros, cuja complexidade dificulta uma definição clara da instituição ―família‖, tal como já foi amplamente referido.

Na sociedade atual, há uma variedade de formas de vida familiar e a reflexão sobre este assunto, incide não só nas estruturas mas também nas funções, nos papéis, nas representações e nas relações. A estrutura de uma família representa as posições ocupadas pelos indivíduos envolvidos dentro da unidade familiar de uma forma regular, com

ocorrência de interações e relações. Em todas as famílias, cada membro ocupa uma determinada posição ou tem um determinado estatuto, como por exemplo, marido, esposa, filho, irmão... e, por isso, cada membro da família ocupa, habitualmente, várias posições em simultâneo (Segalan, 1999).

Os indivíduos são orientados por papéis, obrigações e direitos que estão associados a uma dada posição na família ou grupo social. Os fatores sociais e culturais que influenciam o desempenho de um papel implicam padrões de mudança social, ambiguidades, contradições, modificações e alternativas nas definições correntes de papel. Por outro lado, todas as famílias têm certas funções que são desempenhadas para manter a integridade da sua unidade e dar resposta às suas necessidades e às expectativas da sociedade. De entre elas, destacam-se as funções de geradora de afeto, proporcionadora de segurança, aceitação pessoal, satisfação, sentimento de utilidade, estabilidade e socialização, e promotora da continuidade das relações. A estas, acrescenta-se uma função básica da família, que é a de proteger a saúde dos seus membros dando apoio e resposta às suas necessidades básicas, perpassando todo o ciclo vital da família (Leandro, 2001).

Nos tempos mais remotos, a família era visualizada num contexto alargado, ou seja, a vida ativa da pessoa era ocupada com a criação dos filhos, sendo organizada de acordo com esta atividade. Era a mulher, o elemento central desta função e a sua identidade era determinada essencialmente pelas suas funções de mãe e esposa (Carter & McGoldrich, 1995).

Referenciando Collière (1999), esta diz que ―às mulheres competem todos os cuidados que se realizam à volta de tudo o que cresce e se desenvolve...‖ (p.40). No entanto, ao analisar-se o seu papel no contexto atual, verifica-se uma realidade distinta. As mulheres mudaram radicalmente a face do tradicional ciclo de vida familiar. O casamento, feito numa etapa mais tardia, a opção de conceber menos filhos (ou mesmo a de os não ter) e a carreira profissional, a par com a vida matrimonial, marcam significativamente a mudança nos padrões do ciclo de vida. A rígida distribuição dos papéis de acordo com o sexo, em que à mulher cabia tudo o que fosse doméstico, sendo o homem

responsabilizado pelo encargo económico, resultava numa diferenciação de territórios e de poderes entre os cônjuges, que hoje se tem desvanecido, implicando uma reorganização de espaços, mudanças de costumes e de poderes (Segalan, 1999).

A. P. Gil (1999), defende a ideia da existência de uma especialização de cuidados informais à pessoa dependente. A família direta (cônjuge e filhos) envolve-se mais em tarefas de longa duração (apoio técnico na assistência à doença e ajuda nas tarefas diárias) e intimidade; os amigos constituem importantes fontes de suporte afetivo e emocional, e os vizinhos envolvem-se em tarefas curtas e com maior proximidade geográfica (ajudas nas compras ou nos transportes e em situações de emergência, como na doença).

A sociedade e a família são produto de forças sociais, económicas e culturais comuns. Daí que, embora o fenómeno familiar seja universal, assuma configurações muito diferentes e diversas, de acordo com a sociedade onde se inscreve (Segalen, 1999).

Embora a família ocidental, tanto no passado como no presente, se mostre de forma diversificada quanto à sua estrutura, considera-se que a industrialização e a urbanização foram processos decisivos para a afirmação da família nuclear, nos séculos XIX e XX. A educação, a saúde e a solidariedade social ficam, desta forma, concentradas no casal (Leandro, 1998).

O ritmo de vida e de trabalho das sociedades europeias atuais, concretamente a portuguesa, tem implicações sociais na organização e funcionamento familiar e, de certa forma, pressupõe uma desvinculação relativamente às estruturas familiares mais antigas. Contudo, isto não significa que as redes de solidariedade social deixem de existir mas, por diversas dificuldades, tais como a distância geográfica e a constante valorização do bem- estar individual, alteram-se. Por outro lado, Leandro (1998) salienta que:

…o ingresso da mulher no mercado de trabalho profissionalizado, proporcionando-lhe o acesso ao salário, provoca deste modo uma brecha nas fronteiras entre o espaço doméstico e, ao invés, abre-lhe novas perspectivas no espaço público e no universo das suas relações sociais e aspirações. Estão, assim, dados os primeiros passos no seu processo de construção da autonomia e da individualização. Simultaneamente, o acesso à escolarização, vai permitir a formação de novos elementos cognitivos que permitem pensar-se e situar-se

diferentemente em relação à família, à saúde, à doença, ao trabalho, à sociedade, à religião, aos valores tradicionais e da modernidade contemporânea. (p.46)

No entanto, a família continua a ser procurada pela generalidade dos indivíduos que fazem dela um espaço fundamental de partilha e de vida.

Leandro (1998), refere que ―apesar da família investir cada vez mais na sua privacidade, no afectivo e no emocional, e parecer ocupar-se cada vez menos dos idosos, esta não rompeu de modo algum as relações com o parentesco‖ (p.56). Para Saraceno (1997), a família encerra duas dimensões distintas, mas que convivem entre si, por um lado, a intimidade e afetividade, espaço de autenticidade, solidariedade e privacidade, por outro, a opressão, a obrigação, a violência e o egoísmo. A crescente importância da vida privada teria como consequência o afastamento da comunidade local e do viver sob o constante olhar da vizinhança. Todavia, o controlo da família passa agora, também, para o Estado e suas instituições. Assim, vamos ao encontro do pensamento de Durkheim que refere que a família, privatizando-se, é simultaneamente cada vez mais dependente das instituições públicas e das influências externas (Leandro, 1998; Segalen, 1999).

Assim sendo, não é viável analisar a família de forma linear, em termos de consanguinidade e/ou de coabitação, pois ela ultrapassa os critérios objetivos da propriedade, da descendência, ou mero refúgio privado, para ocupar o centro da vida pública, com vínculos à sociedade, à religião e à política da comunidade.

A família, ainda que por vezes em situação de conflito, aparece como elemento fundamental e um espaço onde se desenvolve o inter-reconhecimento e a própria identidade. A família, é sinónimo de segurança e engloba alguns aspetos importantes como a pertença, a função e a relação afetiva. É na família que os indivíduos conseguem encontrar e reconstruir as principais componentes da sua identidade. Neste sentido, pode referir-se que os sentimentos e a qualidade das relações revestem uma importância crucial, especialmente na presença de uma determinada doença e, principalmente, se esta apresentar um cariz crónico.