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Contextualização histórica do envelhecimento

O envelhecimento é um fenómeno que ocorre a vários níveis e varia de pessoa para pessoa; no entanto, a forma como se envelhece e a maior ou menor valorização que é dada a esse processo depende mais das sociedades humanas do que da natureza. Conforme as épocas e as culturas e, consequentemente, consoante os modos de vida e os meios científicos e tecnológicos, assim varia a forma como envelhecemos. Em sociedades mais conservadoras e tradicionalistas, o conhecimento e a experiência dos mais velhos são enaltecidos, enquanto em sociedades em que se cultiva a beleza, a vitalidade, a juventude ou o materialismo, a velhice é sinónimo de incapacidade e rejeição.

O estudo das sociedades antigas revelou que a atitude face aos velhos variou consoante o contexto económico. ―Homens que se mantinham vigorosos mesmo na senectude parecem ter tido mais consideração social que os que apresentavam as fraquezas e mazelas peculiares do envelhecimento‖ (Leme, 2002, p.506).

Valores culturais arreigados enalteceram o potencial da juventude, em detrimento da velhice, interpretada como um misto de improdutividade e decadência. Face a esta atitude negativa, por parte da sociedade em relação ao idoso, que o leva a negar a sua própria idade cronológica, cometem-se os mais aberrantes atropelos à imagem e ao conceito de velhice. De certa forma, surpreende não o quadro atual, mas sim a rapidez com que ele se desencadeou, pois até há algumas décadas, a geração mais velha mantinha uma posição de absoluta autoridade sobre a mais nova. Por outro lado, as alterações funcionais próprias do envelhecimento, associadas à maior prevalência das doenças crónicas, podem levar à deterioração da habilidade de manutenção da independência, pois ―à medida que os anos avançam, acentuam-se as perdas face aos ganhos, podendo o indivíduo, no entanto, compensar as perdas decorrentes das limitações do organismo com o recurso à cultura ou através de um arranjo do ambiente que lhe permita atenuar ou mesmo tornar insignificantes essas limitações‖ (Fonseca, 2008, p.199). É este o motivo pelo qual as pessoas idosas são, em número e intensidade, proporcionalmente mais dependentes que os jovens.

Apesar de toda a variedade de avanços científicos para aumentar a esperança de vida com o objetivo final de alcançar o maior número de anos possível, pode chegar-se à conclusão que é melhor dar mais vida aos anos que anos à vida. Todos concordam que o envelhecimento da população ―…é uma aspiração natural de qualquer sociedade e, depois desta desenvolver continuamente esforços no sentido de prolongar a vida humana, então deve oferecer as condições adequadas aos idosos para viver com bem-estar. É um importante desafio que se coloca a toda a sociedade‖ (Natário, 1992, p.55). As repercussões sociais, económicas e éticas e os serviços de saúde e ação social obrigaram a repensar a ―velhice‖ e a estabelecer consensos em várias áreas, nomeadamente a adoção de estratégias adequadas para prolongar a vida e manter o bem-estar dos idosos.

Na nossa sociedade, os idosos já não têm um papel para desempenhar. É terrível para eles, que se sentem postos de parte, mas é também deplorável para os jovens que são privados de uma influência indispensável ao seu próprio desenvolvimento, e é deplorável ainda para a coletividade que fica como que amputada. Todos correm sem terem tempo para refletir nos problemas de conjunto até que, um dia, bruscamente, estes trabalhadores empenhados caem no vazio.

O primeiro impacto do envelhecimento é a perda dos seus papéis sociais e o vazio experimentado por não encontrar novas funções. Quanta angústia, deceção e sofrimento! Ao mesmo tempo, quanto potencial desperdiçado! O que é extremamente empobrecedor para a própria sociedade pois, a valorização do conhecimento e da experiência dos idosos pode variar na dependência direta do montante de conhecimentos e cultura e da disponibilidade de meios alternativos de transmissão dos mesmos atendendo ao seu estatuto económico e social (Leme, 2002).

A nossa sociedade confere centralidade ao valor do trabalho profissional que atribui o estatuto das pessoas na sociedade e lhes justifica o salário e, na prática, o acesso aos direitos sociais. Apesar de serem declarados universais, o direito à saúde e à habitação, são condicionados pelo valor monetário a despender.

A sociedade tem de compreender que a integração social dos idosos é o caminho para lhes reduzir a dependência, preservar a autoconfiança e contribuir de forma positiva para a sua

prosperidade. É um problema que está em discussão na nossa sociedade: ―Fomentar medidas que voltem a colocar os idosos na cúpula dos agregados familiares, onde se entrecruzam três ou mais gerações, é permitir que as crianças e adolescentes encontrem referências aos valores universais na fase de construção da personalidade e da modelação do carácter‖ (Fernandes, 2002, p.31).

Poder-se-ia pensar que o problema é sobretudo económico, que bastaria multiplicar as obras sociais em favor dos idosos e aumentar a pensão dos reformados para tudo estar resolvido. Claro que é necessário, mas não seria mais que uma terapia de emergência e não etiológica. É evidente que são necessárias reformas sociais, tal como a alocação de recursos suficientes para uma vida pós laboral tranquila; porém, para que tais políticas sejam fecundas, impõe-se ao mesmo tempo uma alteração profunda da mentalidade pública.

A competência técnica de cada indivíduo é importante ao bom êxito profissional, mas quando se alcança a reforma, as pessoas apercebem-se de que não sabem do que falar, que falta a ligação com os que estão ainda no ativo e que se esqueceram da linguagem pessoal. É então que o idoso descobre até que ponto está condicionado por uma civilização despersonalizada. Outrora, o contacto entre as idades estabelecia-se na rua, porque se andava tranquilamente a pé, as pessoas cumprimentavam-se, davam dois dedos de conversa. Um idoso conhecia as crianças com quem se cruzava e falava-lhes dos pais que tinha conhecido quando eles eram pequeninos. Evocava recordações e assim fazia sentir à criança este laço vivo entre o passado e o presente. Hoje, os mais diversos perigos não permitem que os idosos e as crianças vagueiem livremente pelas ruas. As pessoas ―empilham-se nas ruas, em massas aglutinadas e silenciosas, numa promiscuidade de corpos e numa ausência de almas‖ (Tounier, 1981, p.70). Vivem isoladas de todos e de tudo, em instituições ou em sua casa, num tempo marcado pelo alheamento, à espera da morte anunciada, pois a vida passa a constituir-se como um peso e o corpo como um tormento.

Ao longo da vida, as redes sociais dos indivíduos mudam de acordo com os contextos familiares, de trabalho e de vizinhança, entre outros; acontecimentos como a reforma, a morte dos pares, a mudança de casa etc., são susceptíveis de

alterar profundamente essas redes, desagregando-as e/ou reorganizando-as, em todo o caso modificando-as e, nessa medida, facilitando ou dificultando a manutenção da saúde. (Fonseca, 2008, p.205)

A adaptação do idoso passa por um conjunto de interações que assegura a sua continuidade funcional mesmo perante situações potencialmente adversas, o que demonstra a capacidade de resiliência de cada indivíduo.