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O princípio do respeito pela pessoa humana imagem corporal

ágeis, os órgãos mais vulneráveis, logo, é uma idade em que se observa uma maior fragilidade do corpo. O idoso distancia-se do mundo, da economia e da sua própria família. Torna-se, por isso, importante aprofundar o conhecimento sobre o envelhecimento humano e a sua psicologia, para interpretar corretamente as ―ações de defesa‖ de muitos idosos, dado que não se prepararam para este longo tempo da existência, reagindo negativamente porque não aceitam a sua nova condição e as respetivas consequências (Fonseca, 2008).

É frequente que, a partir de uma certa idade, a pessoa se sinta só, pois é nesta altura que os filhos estão em plena idade ativa sem grande disponibilidade para os pais, e acrescentando-se a este facto, não raras vezes, a morte do cônjuge. Esta situação pode evoluir para uma solidão triste, fria e mesmo ressentida e pode até acontecer afastar-se, intencionalmente, de tudo e de todos. Ter confiança em si mesmo, empenhar-se em atividades de que gosta, dialogar frequentemente com as outras gerações, tornar-se útil aos outros de formas variadíssimas, será uma boa forma de diminuir ou mesmo colmatar muitos desses problemas.

Muitas vezes, os idosos tentam retardar o mais possível esta fase da vida das mais variadas formas, pois eles próprios têm uma conceção negativa do que é ser velho, associando-o ao fim da vida. A negação da idade cronológica já não se faz por via discursiva nem se encontra socialmente limitada à população feminina, mas por práticas sociais de uso geral, onde a identidade das pessoas, referenciada à cultura juvenil (vestuário, autoapresentação, linguagem, lazeres, manutenção e desporto), tenta sobrepor- se à idade cronológica ou reduzi-la à categoria de máscara na interação social.

Nas sociedades antigas, o corpo do homem encontrava-se mergulhado no cosmos, na natureza, na comunidade onde não há uma separação absoluta com o mundo dos mortos (Jana, 1995). Hoje, o corpo está marcado por toda uma evolução técnica: somos confrontados com um corpo manipulado, um corpo feito à medida dos nossos interesses, dos nossos medos e das nossas fantasias. Para além da necessidade compulsiva de negar o envelhecimento, com o imperativo de aparentar a contínua juventude, o recurso à cirurgia estética significa muitas vezes a crise dos indivíduos. Tal desejo reflete, essencialmente, a necessidade que o indivíduo tem de modificar o olhar sobre si próprio e de construir a imagem que os outros têm dele, com o fim de se sentir ―bem‖ novamente; não raramente sem obter os resultados esperados.

O corpo é mais do que a massa muscular que o constitui. A perceção que cada indivíduo tem dessa massa muscular e, ainda, da que os outros têm constitui a interligação entre corpo, personalidade e autoimagem.

Entralgo (2003), por exemplo, formula uma teoria atual do corpo humano em oposição e como superação do dualismo clássico: corpo/alma, centrando-se na perceção do próprio corpo, pois para ele essa perceção condiciona e formata toda a vida psíquica do indivíduo. A imagem do corpo para o indivíduo não é um facto imediato. Resulta, isso sim, de uma construção feita pelo indivíduo quando em interrelação com o mundo. A imagem do corpo não reflete apenas a existência do indivíduo, mas perceciona a sua própria individualidade, pois aquela massa muscular, com aquelas características físicas, pertence individualmente a alguém, sem necessidade de se fazer grandes e demorados raciocínios. Quando o indivíduo olha para o espelho, perceciona-se a si próprio com toda a sua história, a sua imagem corporal, as suas relações com os outros dentro da sua cultura e da sua posição social. Essa perceção aprende-se, constrói-se e reconstrói-se consoante a idade e as situações da vida. Constrói-se na infância, reconstrói-se na adolescência com a ajuda do grupo em que estão inseridos e volta a reconstruir-se na velhice com as alterações decorrentes da diminuição da elasticidade do organismo.

Os cabelos embranquecem e tornam-se mais ralos, também os pêlos embranquecem embora proliferem em certos lugares – como por exemplo, no queixo das velhas. A pele enruga-se em consequência da desidratação e as perdas

de elasticidade do tecido dérmico subjacente. Caem os dentes. A perda dos dentes provoca um encurtamento da parte inferior do rosto, de tal maneira que o nariz, que se alonga verticalmente por causa da atrofia dos seus tecidos elásticos, se aproxima do queixo. A proliferação senil da pele traz um engrossamento das pálpebras superiores, enquanto se formam papos sob os olhos; o lábio superior minga e o lóbulo da orelha aumenta. Também o esqueleto se modifica. A atrofia muscular e a esclerose das articulações acarretam problemas de locomoção. O esqueleto sofre processo de osteoporose. (Mercadante, 2005, p.74)

O corpo, enquanto organismo vivo, procura o equilíbrio, não de si consigo mesmo, mas de si com o meio em que habita. A relação interpessoal que os indivíduos estabelecem entre si varia com o tempo e a cultura, com a idade e o sexo, ou seja, com o indivíduo e com o meio, sendo que diverge significativamente nas zonas rurais profundas do interior, onde a conciliação do indivíduo com as alterações orgânicas do seu corpo decorrentes do envelhecimento, se processa de uma forma mais harmoniosa. A população residente vai envelhecendo junta e as referências da juventude são cada vez mais escassas.

Efetivamente, o indivíduo e aquilo que ele poderá vir a ser, tem um carácter social, isto é, depende das circunstâncias em que o processo decorre. Neste âmbito, é muito importante considerar a ruralidade, a QV, a ecologia, o significado e a vivência individual e coletiva como, por exemplo, o envelhecimento e a morte.

Esta convicção parece ser corroborada por Giordan (1999), quando assegura: ―o nosso carácter, a maneira de nos comportarmos, nada tem a ver com a genética, ou muito pouco e de uma forma muito indirecta‖ (p.112). Por conseguinte, podemos considerar que o contacto com os pais, irmãos, amigos, colegas, vizinhos, tudo o que nos rodeia, forma, a pouco e pouco, o nosso carácter e a nossa personalidade.

Centrando a nossa atenção na faixa etária do idoso, é sabido que a satisfação que este possa sentir depende, em grande medida, de uma imagem positiva de si mesmo, imagem esta que resulta da perceção da capacidade de consecução dos seus objetivos pessoais e da manutenção de uma interação social adequada que considere as trocas interpessoais como uma espécie de fim em si mesmo. O homem não vive nunca num estado natural; na sua velhice, como em qualquer idade, o seu estatuto é-lhe imposto pela sociedade a que pertence.

Cada um de nós tem pessoas conhecidas que envelhecem ―bem‖ e outras que ganham um ―ar velho‖ mais ou menos precocemente. A maioria dos idosos não consegue desempenhar uma vida ativa, mesmo com uma saúde muito boa. Com a autoimagem fragilizada, lamenta a perda da força e beleza da juventude, da destreza e da disposição, que já se desvaneceram no tempo. Enquanto pessoas e grupo social, não sentem um estímulo que as impulsione a ir ao encontro do seu papel na comunidade, expressam a sua pena perante a vitalidade e o entusiasmo perdidos, irreversíveis, e sentem-se presos a vários tipos de limitações.

Em contrapartida, são conhecidos desde há muito os desempenhos notáveis de um grande número de pessoas que já ultrapassaram a idade da reforma. Há mesmo quem assegure que ―nos Estados Unidos, este fenómeno é amplamente reconhecido e a maior parte das universidades e instituições introduziram a reforma facultativa que, contrariamente à reforma obrigatória, limita o desperdício considerável de energia investida na formação‖ (Ladislas, 1994, p.112). Na nossa sociedade, institucionalmente, o jovem terá que aprender, e só aprender; o profissional terá que trabalhar, e recuperar forças para dar continuidade à sua atividade; mas o reformado terá apenas que viver, pouco mais tendo que a memória do seu trabalho para estruturar e preencher a imensidão do tempo livre. Torna-se, pois, necessário conferir ao conceito de ―percurso de vida‖, não apenas o conteúdo sequencial de fases institucionalmente definidas por monopólios culturais, mas um grau de flexibilidade e reversibilidade que devolvesse vida ao aproveitamento de todas as potencialidades de desenvolvimento humano e social, de forma a que o idoso se torne útil e, mais importante ainda, se sinta útil (Fonseca, Paúl, Martins & Amado 2005). A vida ativa exige um certo conformismo: é absolutamente necessário fazer o jogo da sociedade sob pena de por ela ser rejeitado; é preciso viver esta personagem convencional que a sociedade nos impõe. Mas, depois chegará a hora da libertação deste condicionamento social, quando reencontrarmos a nossa espontaneidade, a nossa origem, quando nos tornarmos nós próprios. Poderá dizer-se que a idade da reforma servirá para compreender inteligentemente o sentido da vida individual e o nosso real papel na sociedade.

Associada à fase da velhice parece estar a inversão de papéis. ―O indivíduo que era competente, bem sucedido e independente, pode tornar-se dependente e impotente para enfrentar a relação, quer com a família, quer com a sociedade em que se encontra inserido‖ (Fernandes, 2002, p.26). A satisfação na vida, as atitudes de contentamento, as fontes de sociabilidade, o status social e a autoimagem, são algumas das áreas com que o reformado precisa lidar na construção do seu universo simbólico e com que pode redefinir o mundo das suas relações sociais, sendo provável que nem todas apresentem iguais condições da adaptação.

No mundo de hoje, o grupo social dos reformados e dos idosos terá um lugar notável e de grande importância, com objetivos sociais relevantes a realizar. Quantos velhos se aborrecem porque não sabem o que fazer, deixando-se andar, sem tentar encontrar alguma coisa de interesse? O aborrecimento e o cismar transformam-se e cicatrizam-se em regressão e assim torna-se impossível qualquer rejuvenescimento. Esta convicção ganha relevo com as declarações a seguir enunciadas:

A ampliação da esperança de vida confere ao reformado um horizonte de vida em aberto, da ordem de 10 a 15 anos, tão grande ou mais que o tempo utilizado na sua preparação para o ciclo de vida consagrado ao trabalho. A idade de reforma tem vindo a ser antecipada, quer através de esquemas aparentemente voluntários quer através de esquemas compulsivos, no sentido de permitir a reestruturação do mercado de trabalho fortemente pressionado pelas gerações mais jovens. A idade de entrada no mercado de trabalho, por força do alongamento da escolarização, veio a dar-se em fases etárias cada vez mais altas. (Esteves, 1994, p.122)

Quando se faz referência à forma de ocupação do tempo de lazer, parece querer sugerir-se que se trata de matar o tempo sem demasiados aborrecimentos. Cultivar-se é coisa bem diferente: é desenvolver-se, é progredir, é contribuir para o progresso da humanidade, é descobrir um sentido para a vida que sobrevive à paragem da atividade profissional. Os idosos do futuro serão muito diferentes, pois serão os homens que hoje na flor da idade, com o desenvolvimento das viagens, o aumento dos lazeres, o programa quotidiano dos meios de comunicação, os cursos para adultos e muitas outras novidades, despertarão para muitos interesses que os não deixará cair na passividade dos nossos reformados. Falar sobre lazer é falar sobre a forma mais primitiva, do ponto de vista evolutivo, do «fazer humano» e que persiste durante toda a vida: ―As actividades de exploração, de

fantasia, de imaginação, desporto, criatividade, são todas parte da experiência humana do lazer‖ (Ferrari, 2000, p.98).

A inatividade imposta a partir de uma determinada idade não é consequência de uma fatalidade natural, de uma incapacidade ligada a um determinado número de anos vividos, mas simplesmente de uma opção social. Esta inutilidade forçada exerce sobre o reformado, um impacto tanto mais profundo quanto mais exclusiva e intensamente se tenha dado à sua profissão e quanto menor seja a sua cultura extra-profissional. A vida anterior do idoso, ainda que monótona, estava ocupada.

Para que, com o decorrer dos anos, possamos conservar um certo grau de maturidade intelectual, é necessário que nos preparemos para a velhice que a sociedade nos impõe, e que as nossas preocupações e atividades estejam abertas aos problemas que afetam a nossa época. Na terceira idade, com a reforma, há uma possibilidade para a prática do lazer decorrente de disponibilidade maior do tempo livre nesse período. Contudo, o reformado necessita de ser educado para a ocupação dos tempos livres, entendendo-o como forma de descanso, de distração e de desenvolvimento pessoal.

O envelhecimento, enquanto processo interativo numa destas formas de participação social (atividades sociais voluntárias, comunitárias...), tem evidenciado mudanças consideráveis no comportamento de pessoas que, após a reforma, se mostravam apáticas, implicantes, resistentes ou até agressivas no seu relacionamento interpessoal (Ferrari, 2000).

A prática do lazer deve ser entendida como expressão e desenvolvimento pessoal num vasto grupo social, onde emergem, como realmente significativos, o direito à escolha e o exercício da liberdade de opção. As deficiências físicas das pessoas idosas (movimentos mais lentos e mais difíceis, decréscimo da visão e da audição) incitam a repensar a construção dos alojamentos, pois é importante manter os idosos ativos e integrados na sua família e sociedade (Ladislas, 1994).

A renúncia à ação é causa de stresse, de depressão e, portanto, de envelhecimento. A atividade deve, no entanto, transferir-se cada vez mais do campo físico, para o intelectual.

Os que já estão reformados devem construir para si mesmos uma nova imagem, não cedendo à tentação de se tornarem pessoas passivas, servis, silenciosas, resignadas, pois já diz o ditado popular ―parar é morrer‖.