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CAPÍTULO 2. AS FACES DA MODERNIDADE NO BRASIL E OS IMPACTOS NAS

2.3. Frentes de Colonização na Amazônia e impactos nas culturas indígenas 47 

2.3.1. Amazônia e a economia da borracha 50 

A exploração da seringueira (Hevea brasiliensis) foi a primeira atividade econômica de grande impacto na região; no entanto merece destaque a informação do uso tradicional da borracha por índios da Amazônia, não apenas a brasileira, como dos outros países onde há a presença dessas árvores. Alguns estudos apontam o uso da borracha por índios da América Central pré- colombiana onde se identificaram locais que se assemelhavam a campos de esportes dos índios Maia, que praticavam jogos semelhantes ao basket-ball (TOCANTINS, 1979).

Arrumavam eles no ar uma bola de borracha, com o auxílio dos ombros, da cabeça, dos joelhos ou das ancas, jamais com os pés e as mãos, procurando acertar a jogada em um anel de pedra adrede pendurado na alta muralha do campo. Havia ainda um tempo litúrgico sob a inovação do deus da chuva, certo poço sagrado no qual os Maias lançavam oferendas na forma de bolas de borracha, para obter favores divinos. Entretenimento e liturgia confundiam-se nessas práticas, em que a bola silvestre entrava (p.99 e 100).

No entanto, com a identificação do valor da borracha pela indústria, o uso tradicional ligado ao entretenimento e ao religioso deslocou-se para um uso de valor estratégico na produção de pneus. Assim a região amazônica, incluindo a boliviana e peruana, passou por intenso processo de transformação social, econômica ambiental a partir da segunda metade do século XIX. “Dessa forma a ocupação econômica e o povoamento permanente na fronteira,

dependiam da estratégia de aproveitamento de matéria-prima dos países capitalistas centrais” (Rego, 2002, p. 264). Era necessário fazer uma reorganização sócio-ambiental da região para atender tais necessidades e o alvo atingido foram as nações indígenas ali existentes. Nesse contexto os índios foram expulsos de suas terras, aprisionados para atender a necessidade de mão-de-obra e mortos por não aceitarem a subordinação aos patrões seringalistas.

Segundo Becker (2009), muito embora tenham ocorrido grandes transformações na região com a economia da borracha, a Amazônia ainda permaneceria isolada do centro do país, em função da importância da economia do café na região sudeste do Brasil, continuando assim, associada aos eventos de desenvolvimento do capital internacional. A autora considera que a incorporação da Amazônia ao Brasil ocorreu de fato, por dois movimentos:

a geopolítica nacional [...] zelosa por manter a soberania sobre o território; e as relações regionais constituídas pela imigração nordestina que contribuiu para o povoamento, para a extração da borracha e para a unidade e configuração da Amazônia atual (BECKER 2009:210 e 211).

As Tabelas 1 e 2 a seguir, demonstram o comportamento da economia da borracha e sua importância a nível nacional e internacional, o que justifica a nova posição que a região ocupava no contexto mundial.

Tabela 1 - Exportação de borracha amazônica e preços internacionais (E/t) - Período 1821 -1945 

ANO Quant. (t) E/T ANO Quant. (t) E/T 1821 - 1830 329 67 1921 17.493 72 1831 – 1840 2.314 72 1922 19.855 72 1841 – 1850 4.693 45 1923 17.995 100 1851 – 1860 19.383 116 1924 21.568 90 1861 – 1870 37.166 116 1925 23.537 206 1871 – 1880 60.225 183 1926 23.263 145 1881 – 1900 110.048 152 1927 26.162 107 1901 30.241 283 1928 18.826 76 1902 28.632 256 1929 19.861 75 1903 31.717 308 1930 14.138 54 1904 31.866 350 1931 12.623 32 1905 35.393 420 1932 6.224 34 1906 34.960 401 1933 9.453 43 1907 36.490 374 1934 11.150 50 1908 38.206 308 1935 12.370 50 1909 39.027 484 1936 13.247 88 1910 36.547 655 1937 14.792 90

1911 36.547 412 1938 12.064 44 1912 42.286 380 1939 11.805 63 1913 38.232 285 1940 11.835 97 1914 33.531 206 1941 10.734 126 1915 35.165 200 1942 12.204 179 1916 31.495 240 1943 14.575 191 1917 33.998 224 1944 21.192 255 1918 22.662 174 1945 18.887 270 Fonte: Cano (1981, p.89).

Tabela 2 - Estado de São Paulo e Amazônia: exportações de café e de borracha. 1871/1920

Exportação: 1.000 contos ANOS

Borracha Café AM/SP

1871 a 1880 107,90 221,80 48,60 1881 a 1890 185,50 490,70 37,80 1891 a 1900 1.116,30 2.860,00 40,70 1901 a 1910 2.268,80 2.899,20 78,30 1911 a 1920 1.406,80 4.942,00 28,50 Fonte: Cano (1981, p.89)

A tabela 1 demonstra a exportação de borracha da Amazônia, nos dois ciclos dessa atividade, no primeiro momento quando a região era a única exportadora do produto no contexto internacional durante o período de 1879 a 1912, quando entra em declínio como reflexo da produção dos seringais asiáticos que começaram a atender a indústria internacional. Durante a Segunda Guerra Mundial, no período de 1942 a 1945 a exportação desse produto voltou a subir.

Na tabela 2 percebe-se a importância que a borracha teve no contexto da economia nacional mediante sua comparação com a exportação do café que ocorria na região sudeste do país, onde os acontecimentos históricos mundiais acima referidos permitiram entre os dois produtos, importância similar nas exportações do país, chegando a borracha a corresponder a 78,3% do valor do café no período de 1901 a 1910. No entanto, para manter esse patamar produtivo, tanto do café quanto da borracha, era necessário o aumento da mão-de-obra que atendesse a demanda da exportação.

Esse era um problema que o Brasil enfrentava com o fim da escravidão e “dois grandes movimentos de população atendem às novas demandas: uma grande corrente migratória de origem européia sustenta a economia cafeeira no Sudeste do Brasil, e uma corrente migratória nordestina sustenta a da borracha na Amazônia” (BECKER, 2009:213). O valor que a borracha adquiriu no mercado internacional exigia o aumento da produção, o que requeria maior

investimento financeiro e mão de obra suplementar. ”Calcula-se em aproxima- damente 260 mil imigrantes entre 1872 e 1900, sem contar os que teriam vindo antes para o Acre, o que teria repercutido no crescimento da população amazônica de 250 mil para 500 mil no período” (BECKER, 2009: 213).

A autora considera que a economia da borracha trouxe duas razões que fizeram da região amazônica uma unidade em si, a primeira foi o crescimento da população com as grandes levas de nordestinos que chegaram à Amazônia para trabalhar, a maioria deles como seringueiros; e a segunda razão foi o crescimento da economia, “em 1827, a quantidade de borracha produzida no Brasil não passava de 31 toneladas/ano. Já em 1860 a produção amazônica de borracha alcança 2.673 toneladas” (BECKER, 2009), o que comprova o comportamento progressivo da exportação da borracha produzida na Amazônia e coloca o Brasil como maior produtor mundial.

Embora apresentem algumas particularidades, os impactos sofridos pelos índios durante a exploração da borracha na região amazônica atingiram os povos que habitavam os territórios brasileiro peruano e boliviano. Importante dizer que essas fronteiras nacionais foram criadas após a chegada dos europeus e conforme as antigas colônias foram se libertando dos domínios português e espanhol, outras configurações territoriais se estabeleceram. As fronteiras internacionais entre os três países são estranhas aos territórios indígenas existentes na região.

Alvarado (2003) questiona a criação de nações a partir da colonização, que ignorando totalmente os povos autóctones da América, desorganizaram suas estruturas e formaram novas nações dentro dos territórios indígenas. O povo Jaminawa é exemplo desse processo, que teve como consequência sua distribuição nos três países: Brasil, Bolívia e Peru e os que habitavam o Departamento de Pando na Bolívia foram os que mais sofreram danos com a exploração da borracha, pois nessa época seus antepassados foram exterminados quase por completo.

Situação semelhante é a dos índios Guarani, conforme Bartolomè Melia, que estão no Paraguai, no Brasil, na Bolívia e na Argentina, mas não são nem paraguaios, nem brasileiros, nem bolivianos e nem argentinos e querer negar essa realidade é tapar o sol com a peneira (MELIA, apud LADEIRA, 1994). O

autor complementa: “nesse sentido, além de se constituir numa nação dentro de outra [...] eles são e sentem-se uma sociedade fechada sem espelhos, a não ser dentro da sua própria etnia Guarani” (p.13).

Essas duas realidades ilustram a situação semelhante vivida pelos índios da Amazônia e do centro-sul, assim como os referidos nos países fronteiriços, onde a política de delimitação de fronteiras dos Estados Nacionais, provocou separação e desagregação que têm como consequência a redução populacional, aculturação, perda da língua materna e a extinção de muitas nações.

Aliados a esses danos têm-se outros efeitos relevantes, que estão ocultos e muitas vezes nunca avaliados nessas intervenções; um deles é o que se passa internamente com essas populações, considerando suas diferentes configurações e visões de mundo, próprios de suas culturas, onde a separação dos parentes que ficam espalhados em diferentes países com legislações distintas, vai além da perda física. Pior ainda é a perda de referências por se encontrar fora da realidade simbólica e cultural indígena, porque chefe e pajé, por exemplo, têm outra racionalidade de escolha e de significado junto ao seu povo, pois “os guardiães têm muita importância dentro da tradição, são os agentes ou mediadores essenciais de seus poderes causais. Lidam com o mistério nas suas habilidades de arcano” (GIDDENS,1997:83), o que é diferente das razões de escolha de um chefe de Estado ou de uma autoridade religiosa católica, por exemplo.

2.3.2. A Política dos governos Militares e os grandes projetos para a