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CAPÍTULO 2. AS FACES DA MODERNIDADE NO BRASIL E OS IMPACTOS NAS

2.3. Frentes de Colonização na Amazônia e impactos nas culturas indígenas 47 

2.3.2. A Política dos governos Militares e os grandes projetos para a Amazônia 54 

Algumas características da região amazônica serviram para a definição de uma política de exploração, desorganização da vida local, destruição ambiental e desenvolvimento do capitalismo ao longo dos governos militares, como programa de ocupação econômica, supostamente moderna, que já estava em processo em outras partes da região. Era uma combinação de objetivos econômicos e geopolíticos, com o lema de integrar a região ao resto do país, para não entregar às grandes potências estrangeiras, ao mesmo

tempo em que se considerava a Amazônia um vazio demográfico, ignorando as diversas etnias que lá habitavam e as populações camponesas que estavam na região desde o século XVIII (MARTINS, 2009).

A partir do Golpe de Estado de 1964 e do estabelecimento da ditadura militar, a Amazônia brasileira transformou-se num imenso cenário de ocupação territorial massiva, violenta e rápida, processo que continuou, ainda que atenuado, com a restauração do regime político civil e democrático em 1985 (p.132).

Segundo Martins (2009) o modelo de ocupação promovida pelos governos era contraditório, uma vez que se implantavam projetos agropecuários que tinham como característica a dispensa de mão-de-obra e o esvaziamento de territórios. Por outro lado a agressão às populações indígenas em função dessas atividades econômicas promovia a redução demográfica de muitos povos, sendo que alguns perderam em poucos anos, até dois terços de sua população e milhares de camponeses foram expulsos de suas terras para dar lugar às grandes pastagens (MARTINS, 2009). Foi um período de muitos incentivos do governo federal ao capital privado, empresas nacionais e multinacionais foram beneficiadas “com descontos de 50% do imposto de renda devido pelos seus empreendimentos situados nas áreas mais desenvolvidas do país” (MARTINS, 2009:75).

Governo e capital privado se entrelaçaram e o ganho real foi dos empresários que instalaram suas empresas na Amazônia, pois “a condição era de que esse dinheiro fosse depositado no Banco da Amazônia, e após aprovação de um projeto de investimentos pelas autoridades governamentais, fosse constituir 75% do capital de uma nova empresa, agropecuária ou industrial, na região” (MARTINS, 2009:75). Isso caracterizava uma doação financeira e não um empréstimo como se fazia supor, pois o investimento real das empresas seria de apenas 25% do montante ou a associação aos grandes proprietários de terra, o que consistia em estratégia governamental para atrair o empresariado do setor bancário, industrial e do comércio para a atividade agropecuária (MARTINS, 2009).

Mas esse investimento não se justificou em si mesmo, era também uma forma de garantir “a sobrevivência econômica e política das oligarquias fundiárias, controladoras do poder regional nos estados do Centro-Oeste e do Norte, opção por um modelo concentracionista de propriedade” (MARTINS, 2009:76).

Conforme o autor observa, tratava-se de um projeto voltado ao desenvolvimento supostamente moderno da região, que confrontava-se com a realidade local que o governo considerava atrasada. Para analisar as conseqüências disso, Martins (2009) discute o conceito de fronteira e o sentido desta na América Latina, em especial na Amazônia. Ele aborda o conflito como algo elementar à fronteira e traz o exemplo vivido entre índios e grandes proprietários de terra durante os governos militares na região, que ele considera a última grande fronteira da América Latina. “Entre 1968 e 1987, diferentes tribos indígenas da Amazônia sofreram pelo menos 92 ataques organizados, principalmente por grandes proprietários de terras, com a participação de seus pistoleiros, usando armas de fogo”. (MARTINS,2009:132).

Mas também é fato que em todos os momentos da história, os índios reagiram à violação de seu modo de vida, escravidão e assassinatos; entre 1968 e 1990 “diferentes tribos indígenas realizaram pelo menos 165 ataques a grandes fazendas e a alguns povoados” (MARTINS,2009:132). Em muitos desses ataques eram utilizadas armas tradicionais como borduna, arco e flecha, assim como foram adotadas estratégias de ataques por diferentes tribos, simultaneamente em diferentes lugares no mesmo dia.

Outra reação às políticas que ignoraram a integridade dos territórios indígenas foi quando “em 1984, os Kayapós-txukahamães sustentaram uma verdadeira guerra de 42 dias contra as fazendas e o governo militar, que culminou com o fechamento definitivo de extenso trecho da rodovia BR 080” (MARTINS,2009:132). Segundo este autor, a rodovia tinha sido aberta para “facilitar a futura invasão das terras por grandes fazendeiros” (p.133).

A reação organizada dos índios é uma consequência do histórico de exploração, num momento em que eles começaram a manifestar para o governo e a sociedade o desejo de ter reconhecimento jurídico e respeito enquanto primeiros donos do território que ocupavam e que se constituíam,

historicamente, alvo de exploração das riquezas que estavam também no subsolo - os recursos minerais - que atraiu na década de 1980, a instalação do grande capital empresarial de mineradoras.

A perseguição de grandes proprietários de terras não se restringiu aos índios, os camponeses da região também foram alvo de violência. “Entre 1964 a 1985, quase seiscentos camponeses foram assassinados em conflitos na região amazônica, por ordem de proprietários que disputam com eles o direito à terra” (MARTINS, 2009:133). Essa foi uma realidade em toda a Amazônia brasileira em diferentes momentos da ditadura militar.

Vários projetos foram desenvolvidos na região nas décadas de 1970 e 1980, com forte intervenção estatal nas áreas de reflorestamento, agricultura, pecuária e mineração. Um dos projetos com significativo investimento do capital internacional que se instalou na Amazônia na década de 1980 foi o Jari, com um montante de 750 milhões de dólares dos quais, aproximadamente 580 milhões de dólares foram provenientes de empréstimos bancários “com reflorestamento, fábricas de celulose e caulim, cultivo de arroz, pecuária e sólida infra-estrutura montada às margens do rio Jari (entre o Pará e o Amapá, num dos maiores imóveis rurais do planeta) (PINTO, 1986:81).

O projeto Jari tinha à frente o empresário norte-americano Keith Ludwig, que empregou uma tecnologia inadequada à realidade amazônica ainda pouco conhecida na época. A plantação de arroz contou com “adubação química feita por avião e utilização de máquinas para a irrigação e drenagem, no entanto, o resultado foi um prejuízo de cinco milhões de dólares ao ano. A previsão era de que os arrozais estendessem-se por 14 mil hectares, mas não atingiram um quarto da previsão (PINTO, 1986).

Este autor afirma que erro semelhante ocorreu com o investimento feito na fábrica de celulose, que durante sua implantação chegou a impressionar pela grandiosidade, mas os resultados foram decepcionantes devido à escolha da espécie, gmelina arbórea, que Ludwig julgava poder revolucionar o mercado da produção de celulose, bem como as condições próprias da região que não permitiram a produção satisfatória dessa espécie. Outros problemas como o fato de que “Ludwig já não desfrutava da desenvoltura para circular nos gabinetes governamentais” (PINTO, 1986:83).

Com o prejuízo acumulado pelo total fracasso do projeto, o empresário recusou-se a pagar as parcelas do financiamento, sendo o Tesouro Nacional, avalista da transação, obrigado a assumir o prejuízo; “mas o governo teria que assumir o controle da empresa, estatizando-a” (PINTO, 1986:83) e os cofres públicos serviram para cobrir o fracasso decorrente do erro do empresário.