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CAPÍTULO 4. ACRE A NAÇÃO INDÍGENA JAMINAWA 123 

4.3. Uma safra mais abundante 142 

4.3.2. O desafio da Formulação à Implementação de Políticas Públicas para os

4.3.2.3. As dificuldades da implementação das políticas públicas para os

Ao investigar as dificuldades encontradas pelos órgãos para desenvolver intervenções junto aos Jaminawa, identificou-se ações etnocêntricas por parte dos agentes do Estado, que ainda se encontram bastante despreparados para vencer elementos do colonialismo, ainda hoje presentes na imagem que se tem dos índios e nos equívocos cometidos historicamente com as intervenções estatais. Na verdade a proposição de inserir os Jaminawa nas políticas de extensão, que é uma proposta de modernização do campo, já revela a intenção de promover mudanças no comportamento, torná-lo mais adequado para receber bem as políticas públicas.

Uma das questões da pesquisa aplicada às instituições foi a avaliação das políticas de saúde, educação e ATER. Provavelmente pelo fato da pesquisa ter ocorrido no período em que os índios estavam ocupando o prédio da FUNASA, todos os órgãos não pouparam críticas à situação da saúde indígena. A avaliação sobre as dificuldades permite uma análise concomitante com as dificuldades que os órgãos atribuíram ao impedimento para melhor desempenho das ações.

Chama a atenção o fato de como as ações são desempenhadas pela FUNASA e recebidas, ou não pela comunidade, como as constatadas pelo técnico da SEE, que verificou a boa utilização da água encanada e a não utilização dos banheiros pela comunidade; a “não observação” na continuidade dos atendimentos médicos e a concessão de cestas básicas com feijão, alimento que não faz parte da dieta alimentar na cultura dos Jaminawa.

A descontinuidade no atendimento médico por motivo das constantes saídas dos Jaminawa da TI é vista pela FUNASA como um problema, principalmente na época em que se formam as praias, onde eles acampam por vários dias na cidade, “quando a equipe multidisciplinar entra em área pra realização dos trabalhos, algumas vezes podem estar sujeitos a não estar lá, e

isso dificulta as coberturas vacinais, dificulta os pré-natais, dificulta os exames a serem solicitados” (Enfermeiro da FUNASA, entrevista de pesquisa de campo concedida em dezembro de 2011). Dois outros problemas na opinião do entrevistado também ocorrem em função disso, um é que eles ficam sem atendimento na cidade, pois para eles serem atendidos pelo SUS é necessário um encaminhamento da equipe multidisciplinar que atende na TI; o outro é a “barreira” da língua, a dificuldade de comunicação com os profissionais de saúde na cidade que desconhecem a língua Jaminawa.

A outra situação agravante, tanto do ponto de vista dos Jaminawa que não têm o reconhecimento do valor de suas tradições, quanto do ponto de vista do Estado, com a execução de políticas equivocadas é que:

O feijão não é aceitável na cultura deles, embora a nutricionista oriente que é um alimento fundamental. A FUNASA beneficia com cesta básica, para gestantes, crianças em baixo peso, acontece que muitas vezes as equipes observam que o feijão é jogado fora ou estragado, eles não fazem utilização. Observa- se que na cultura alimentar promove-se a desnutrição pela questão de que, quem come primeiro são os mais fortes, os caçadores, os que estão na ativa, depois as mulheres que preparam a comida, aí por ultimo as crianças e os idosos e às vezes não sobra para estes, se interferir pode gerar impacto com a cultura (Enfermeiro da FUNASA, entrevista de pesquisa de campo, concedida em dezembro de 2010).

O entrevistado destaca importantes elementos culturais que sobrevivem em meio às imposições da modernidade, como a orientação da nutricionista, onde se evidencia o que Santos (1994) considera como o fracasso do Estado moderno que não deu conta de sua função após a quebra da lógica da coletividade, como abordado no primeiro capítulo. O outro elemento que pode ser observado também à luz da abordagem de Santos (1994) é a formação de identidades modernas que se confrontam no caso dos Jaminawa com a identidade tradicional do grupo. A tradição na forma como eles se alimentam remonta a um período de abundância e talvez de maior variedade de alimentos que devem ter se perdido na relação do contato, o que leva à falta para os que comem por último, porém a maneira tradicional de alimentar-se é mantida na atualidade.

Em relação à FUNASA algumas dessas situações explicitam o despreparo do órgão no tocante ao conhecimento das culturas indígenas, havendo uma imposição de ações e desrespeito dos valores tradicionais quando o órgão não redireciona as ações para conciliar a correta aplicação dos recursos públicos do órgão com a satisfação da comunidade.

A SEE foi a organização que obteve melhor resultado na avaliação entre os entrevistados, porém os dados constantes no relatório, identificados in loco pelo técnico da SEE apresentam várias dificuldades de ambas as partes – Estado e Jaminawa – que afetam no funcionamento das escolas, como: grande número de famílias ausentes da TI no período escolar em função “dos programas sociais (bolsa família, bolsa escola, auxilio maternidade, pensão e aposentadoria) e cargos como AIS, AISAN, Agente Agroflorestal e professor” (ACRE, 2010: 20 e 21); a falta de professor, pois o que atendia a aldeia Extrema foi morar na cidade e informou que não retornaria mais pra aldeia e lamentavelmente não havia quem o substituísse; a falta de infra-estrutura, como a de duas aldeias, numa delas a escola funciona na própria casa do professor e na outra aldeia foi o professor quem construiu a escola (não foi informado se o Estado efetuou o pagamento pelos serviços), mas frente às outras dificuldades talvez essa seja a de menor relevância, pois não há razão para grande investimento em estrutura física se os alunos não vão à escola. Na avaliação do técnico da SEE “a ‘escola’ para os Jaminawa é algo externo, dos ‘dawa’33, havendo uma ‘falta de compromisso’ das famílias com esta proposta de educação escolar indígena, ficando restrito ao professor (ACRE, 2010:17).

É provável que a escola que o Estado esteja levando à TI não seja a escola deles, como constatou o técnico, é algo externo, não faz sentido, por isso é substituída pelo que tem importância na vida deles, muito desses valores estão fora da TI, mas dentro deles. A pesquisa com a representante da SEE evidencia esses valores que substituem a escola:

embora a característica principal do povo seja o nomadismo, as constantes saídas, motivadas pelo recebimento de dinheiro de Programas Sociais e salário [...] causam a descontinuidade das       

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Termo usado pelos povos Poyanawa para referirem-se aos não-índios, os Jaminawa utilizam o termo “Nawa”

ações. Quando um membro de uma família se desloca para a cidade leva consigo quase toda a família. [...] A rearticulação entre os grupos também causa a evasão escolar. O acompanhamento se perde, visto que o professor abandona por muitos dias a escola e os alunos também (Representante da SEE, pesquisa realizada por email, dezembro de 2010).

A avaliação sobre as políticas de ATER, foco desta pesquisa, não obteve resultados expressivos, devido à inexistência de intervenções naquela TI, que segundo a representante da SEAPROF, admitiu que ATER Indígena é algo novo e a lei é recente “tudo está ainda sendo desenhado. No Acre a gente já tem um programa, que deve ser melhorado e formatado até se tornar em políticas públicas, a FUNAI deve atuar também nesse sentido (Representante da SEAPROF, pesquisa realizada por email, dezembro de 2010). Quanto às dificuldades para que isso ocorra estão relacionadas às constantes saídas das pessoas das aldeias, que:

aAtrapalha toda a dinâmica de produção agrícola desde a dinâmica dos roçados, criação de pequenos animais, piscicultura e parte de organização. Essas idas e vindas acabam prejudicando as questões de saúde, educação e principalmente as questões voltadas à cultura e tradição. Também a gente sabe que outros fatores implicam nesse vai e vem das famílias que vai além do visível (Representante da SEAPROF, pesquisa realizada por email, dezembro de 2011).

É exatamente o último elemento referido acima, um dos mais importantes a ser observado numa política de ATER para povos indígenas, que é o “invisível” o subjacente aos conteúdos das práticas produtivas, o que não está visível, como as crenças, mas que é o definidor do sentido das coisas, que são os elementos próprios da cultura que interagem com o fazer produtivo. Contrariamente ao que é apontado pela SEAPROF sobre a perambulação dos Jaminawa afetando as intervenções, o representante da UFAC afirma que isso não é o problema “é o sistema que deve adaptar-se à etnia e não o inverso. As saídas que os Jaminawa fazem de suas TIs é parte de um processo cultural da etnia”. E ele ainda refere-se a uma ação exitosa realizada pela SEAPROF:

Intervenções com projetos na área do incentivo à produção foram aplicadas pelo Governo do Estado e por uma ONG com muito êxito [pelo] fato de terem como alvo as gerações mais velhas que mantêm muito viva a prática da agricultura de subsistência (Representante da UFAC, pesquisa realizada por email em dezembro de 2010).

A Fundação de Cultura Elias Mansour - FEM foi relacionada entre as instituições a serem pesquisadas por se considerar três razões: o órgão integrou a equipe responsável pelo acompanhamento dos Jaminawa na época em que foram assentados na TI do Rio Caeté; pelo fato da realização dos festivais de culturas indígenas pelo Governo do Acre a FEM constar como responsável por ações de valorização da cultura tradicional dos povos, no Programa de Desenvolvimento Sustentável do Acre - PDS, como referido no terceiro capítulo. Porém, não houve por parte daquele órgão uma contribuição naquilo que a pesquisa se propõe, mas obteve-se uma riqueza de informações sobre os “primórdios” da educação indígena no Acre, assim como a referência às dificuldades com a relação que as instituições têm com as lideranças daquela TI, que a entrevistada disse não considerar como liderança.

Os resultados apresentados na pesquisa junto à SEAPROF e à FEM podem estar relacionados às descontinuidades que as políticas sofrem com a mudança de governo ou de pessoas que se encontram à frente dos setores responsáveis pela execução da política. A pesquisa junto aos órgãos, com algumas exceções, evidencia a falta de observação de um elemento fundamental para a análise de políticas públicas que

diz respeito aos fatores culturais, àqueles que historicamente vão construindo processos diferenciados de representações, de aceitação, de rejeição, de incorporação das conquistas sociais por parte de determinada sociedade. Com freqüência, localiza-se aí procedente explicação quanto ao sucesso ou fracasso de uma política ou programas elaborados; e também quanto às diferentes soluções e padrão adotados para ações públicas de intervenção (HOFLING, 2001: 10).

São apontadas como as razões para a descontinuidade das ações do Estado junto à comunidade da TI do Rio Caeté: as tradicionais perambulações entre as cidades e as aldeias; a estreita relação entre os membros da família,

que promove os deslocamentos de todos juntos; a manutenção dos laços entre os membros das famílias que moram em outras TIs e que constitui a grande família Jaminawa; os salários e benefícios que são valores da modernidade incorporados a partir da economia da borracha. Esses aspectos são elencados como empecilho, mas são na verdade elementos valorativos para os Jaminawa. Outra razão apontada por algumas organizações, de maneira sutil, que tem dificultado as ações é a falta de diálogo com algumas lideranças daquela TI.