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CAPITULO 3. Políticas Públicas, a quem elas atendem? 72 

3.1. Da formulação à execução, como as políticas Públicas são pensadas 72 

Para se fazer uma avaliação de políticas públicas é necessário considerar as “questões de fundo” que são aquelas relacionadas às decisões, escolhas, maneira de implementação e de avaliação das intervenções adotadas através de programas, projetos ou ações. É fundamental também entender alguns conceitos, como o de Estado e o de Governo, que muitas vezes se confundem, assim como os próprios conceitos de políticas públicas e políticas sociais, uma vez que há um imbricamento entre eles (HÓFLING, 2001).

Considerando o objetivo geral desta dissertação, que consiste na análise do Programa de Extensão Indígena do Estado do Acre, neste capítulo serão levantadas as questões que Hófling (2001) considera como fundamentais para o estudo de políticas públicas, assim como será trazida também a abordagem de outras políticas que têm interface com o referido Programa, como a Política

Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural - PNATER e a Política Indigenista Nacional.

Segundo Hófling (2001) Estado é o conjunto de instituições permanentes de diferentes poderes, assim como algumas instituições, que não constituem um bloco único necessariamente, mas que tornam possível a ação do governo, lembrando que ”Estado não pode ser reduzido à burocracia pública, aos organismos estatais que conceberiam e implementariam as políticas públicas” (HALL, 1996, apud HÓFLING, 2001:2). Por Governo, entende-se como sendo o conjunto de programas, projetos e ações, indicados por agentes da sociedade como “políticos, técnicos, organismos da sociedade civil e outros”, que propõem a execução desses instrumentos para um período determinado, o que configura a política de um governo. (HÓFLING, 2001:2).

Na concepção de Hófling (2001) políticas públicas são aquelas consideradas sob a “responsabilidade do Estado – quanto à implementação e manutenção por órgãos públicos e/ou de diferentes organismos e agentes da sociedade, mas que não podem ser reduzidas a políticas estatais. Neste sentido, políticas públicas é o Estado em ação” (GOBERT e MULLER, 1987 apud HÓFLING, 2001:2).

As políticas sociais definem o modelo de proteção social que dado Estado implementa e que estão voltados a priori, para a redistribuição de benefícios sociais, com o objetivo de reduzir as desigualdades decorrentes do desenvolvimento sócio econômico. As políticas sociais são particulares ao tipo de Estado, portanto, assumem ‘feições’ diferentes em diferentes sociedades e diferentes concepções de Estado. É impossível pensar Estado fora de um projeto político e de uma teoria social para a sociedade como um todo. (HÓFLING, 2001: 32).

A discussão sobre políticas sociais e políticas públicas tem sido tratada de forma quase indistinta por alguns autores, e no que concerne à abordagem da proposição e implementação dessas políticas, não são apresentados elementos que as diferenciam entre si. Por outro lado há certo consenso entre os estudiosos que políticas públicas são aquelas implementadas tanto pelo Estado, quanto por organismos da sociedade civil, como é a opinião de Behring e Boschetti (2007).

A experiência de gestão compartilhada na implementação de políticas públicas é uma proposição presente tanto na PNATER, quanto no Programa de Extensão indígena do Acre, como será visto neste capítulo. Segundo Behring e Boschetti (2006) não há um período determinado do surgimento das políticas sociais, isso aconteceu na “confluência dos movimentos de ascensão do capitalismo com a Revolução Industrial, das lutas de classe e no desenvolvimento da intervenção estatal” (p.47); costuma-se relacionar sua origem “aos movimentos de massa social-democratas e no estabelecimento dos Estados-nação na Europa ocidental, no final do século XIX (Pierson, 1991, apud BEHRING E BOSCHETTI, 2006:47). As autoras destacam que as sociedades pré-capitalistas tomavam para si algumas obrigações sociais com o fim de manter a ordem pública e penalizar a vagabundagem, não se tinha na época, o objetivo de atender às necessidades do indivíduo carente.

Os países capitalistas europeus promoveram mudanças significativas em suas políticas sociais a partir da crise de 1929/1932 e mesmo não tendo havido uma consistente expansão das políticas sociais nestes países, observa- se uma ampliação de instituições e práticas estatais intervencionistas (BEHRING e BOSCHETTI, 2008).

A relação entre as decisões do cotidiano e a influência da globalização acarretou mudanças na “vida individual [...] onde coletividades e agrupamentos intermediários de todos os tipos, incluindo o Estado, tendem a ser reorganizados” (GIDDENS 1997:75). Um dos modos de reorganização do Estado se definiu a partir do final do século XIX, com o surgimento do Welfare State que se expandiu e institucionalizou-se no período pós-guerra em alguns países europeus com “um conjunto de programas de proteção social, assegurando o direito à aposentadoria, habitação, educação, saúde etc.” (ARRETCHE, 1995:1).

Arretche (1995) reuniu estudos de alguns autores que atribuem razões, significados e perspectivas distintas da origem e desenvolvimento do Welfare State, tais como: processos de industrialização das sociedades; necessidade de acumulação e legitimação do sistema capitalista; razões de ordem política, no sentido de ampliação de direitos civis, políticos e sociais; e acordo entre capital e trabalho organizado dentro do capitalismo.

Para compreender o estado de bem-estar social, um elemento importante é a guerra fria, a existência da União Soviética como ameaça ao capitalismo, que levou a adoção de medidas de controle social por parte de países capitalistas, aliado a necessidade da recuperação econômica das nações afetadas pela Segunda Guerra:

O chamado “consenso do pós-guerra” (Mishra, 1995) permitiu o estabelecimento de uma aliança entre classes, o que só viabilizou-se devido ao abandono, por parte da classe trabalhadora, do projeto de socialização da economia. As alianças entre partidos de esquerda e direita também asseguram o estabelecimento de acordos e compromissos que permitiram a aprovação de diversas legislações sociais e a expansão do chamado Welfare (PIERSON, 1991, apud BEHRING e BOSCHETTI, 2008).

Toda política pública pressupõe uma idéia ou uma vontade que num dado contexto dos fatores determinantes origina as políticas, numa conjunção de interesses ideológicos, científicos e de correlações de forças sociais (BONETI, 2007). Para formular o conceito e definir os objetivos de uma política pública é necessário considerar todas as etapas que vão da elaboração à operacionalização. Para se ter uma compreensão real das políticas públicas, o olhar de maneira isolada não permite entender porque elas são criadas e qual a sua importância no contexto político e social de um país e nas suas relações com o contexto internacional. Políticas públicas são “as ações que nascem do contexto social, mas que passam pela esfera estatal como uma decisão de intervenção pública em uma realidade social” (BONETI, 2007:47).

A política pública faz parte da dinâmica do jogo de forças que se estabelecem nas relações de poder de “grupos econômicos e políticos, classes sociais e demais organizações da sociedade civil. Tais relações determinam um conjunto de ações atribuídas à instituição estatal” (BONETI, 2007:74). O Estado enquanto agente responsável pelas políticas direciona o destino das ações e os investimentos que serão a elas destinados, fazendo chegar à sociedade as decisões traçadas entre os diferentes segmentos envolvidos.

Boneti (2007) considera que o uso do termo políticas públicas estabelece a distinção do que é público, no que se refere ao orçamento do

Estado, e o que é privado. Mesmo aquelas medidas administrativas por parte do Estado que não envolvem recursos orçamentários, também são políticas públicas. Acrescenta-se a isso, que uma política pública pode também ser executada por instituições não estatais, como as organizações não governamentais, mas com recursos do Estado, casos comuns na atualidade.

As políticas públicas são formuladas não apenas a partir de determinações jurídicas, elas resultam também de uma correlação de forças entre segmentos distintos da sociedade, permeados de conflitos. “Não se pode mais pensar que as políticas públicas são formuladas unicamente a partir dos interesses específicos de uma classe, como se o Estado fosse uma instituição a serviço da classe dominante” (BONETI, 2007: 12). São vários segmentos que disputam seus interesses junto ao Estado, mas “isso não significa dizer que a classe dominante não tenha predileção em termos da elaboração e operacionalização das políticas públicas” (p.13). O autor quer assim destacar a correlação de forças existente para a definição das políticas, como os movimentos sociais, que não podem mais ser desconsiderados, mesmo reconhecendo que a classe dominante é a que tira maior proveito nesse jogo.

Essa hierarquia de poder e dominação ocorre também a nível internacional, pelo fato de as ações políticas e sociais dos países terem uma conexão globalizada. As políticas públicas se definem condicionadas “aos interesses das elites globais por força da determinação das amarras econômicas próprias do modo de reprodução capitalista” (BONETI, 2007:14).

A interferência dos centros do poder internacional, no poder local afeta a definição das políticas públicas fazendo com que elas nem sempre sejam criadas para atender às necessidades da população. “Às vezes cria-se uma carência falsa para atender interesses particulares, de grupos econômicos, de categorias profissionais etc., no intuito de buscar a sua cumplicidade para a sustentação do sistema e/ou do grupo governante” (BONETI, 2007:53). Este autor aponta que há um entrelaçamento entre público e privado que viabiliza a abertura de mercado consumidor, elemento que muito tem pressionado a elaboração de políticas públicas que favorecem a venda de determinados produtos, que entre outros interesses, faz surgir novas fontes de trabalho e maior arrecadação de impostos.

A definição das políticas tem origem justamente da razão científica por “entender que a ciência é única e universal [...] é deste pensamento que nasce a concepção de dualidade envolvendo a idéia de centro e de periferia [...]” (BONETI, 2007:21), uma característica própria da modernidade. Isso se torna mais agravante, por considerar que devem ser absorvidas novas tecnologias, em substituição e negação das técnicas e valores próprios de um povo e lugar que o centro considera atrasados, assim como se tem a visão de que o conhecimento científico deve orientar para superar os supostos atrasos. A universalidade e a homogeneidade são requisitos do pensamento científico, “indispensáveis para que a ciência se constitua como tal e guarde para sempre o seu status da infalibilidade” (BONETI, 2007: 21), impondo uma confiança cega e sem crítica da aplicabilidade científica.

Com isso nasce a tendência de se atribuir modelos culturais e de desenvolvimento social atendendo “a necessidade dos grupos dominantes [que] é absorvida pelos setores pobres como seus [...], a superação da carência da população pobre é feita utilizando-se das estratégias dos grupos dominantes” (BONETI, 2007:21). A racionalidade etnocêntrica e utilitarista fundamenta as políticas públicas expressas “em três principais esferas do contexto social: a produção da cultura [a partir] do imaginário social; a produção econômica e a gestão política” (BONETI, 2007:27). Isso poderá ser observado nos itens seguintes deste capítulo.

3.2. A Política Indigenista Nacional  

Os povos indígenas sempre reagiram à escravização, à expropriação de seus territórios e a todo o tipo de violência sofrida ao longo dos distintos momentos de expansão capitalista desde a colonização portuguesa, seguiu assim durante a formação territorial e econômica do Brasil e continua até a atualidade. Essa reação forçou o Estado brasileiro a adotar medidas com o intuito de mediar a relação entre a expansão capitalista e os povos indígenas, como a criação, em 1910, do Serviço de Proteção aos Índios – SPI, naquele momento ligado ao Ministério da Agricultura.