• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO 2. AS FACES DA MODERNIDADE NO BRASIL E OS IMPACTOS NAS

2.3. Frentes de Colonização na Amazônia e impactos nas culturas indígenas 47 

2.3.3. Mineração na Amazônia e os povos indígenas 58 

O interesse pela exploração de recursos naturais em terras indígenas sempre se constituiu uma forte ameaça às diversas etnias da Amazônia. Durante os governos militares e mesmo após a chamada reabertura democrática a situação se agravou principalmente na retirada de minérios, onde o interesse de empresas multinacionais com o apoio de incentivos do Estado, que concedia alvarás sob o argumento do desenvolvimento econômico nacional, garantia assim, em diversos territórios indígenas, a exploração mineral.

Segundo Alencar (1986), em função disso, o Centro Ecumênico de Documentação e Informação (Cedi) e a Confederação Nacional dos Geólogos (Conage) elaboraram um relatório que trazia dados preocupantes para o futuro dos índios na Amazônia, pois 77 das 302 áreas indígenas da região estavam ameaçadas por 74 empresas mineradoras e denunciavam o avanço da atuação dessas empresas que, conforme levantamento, eram os seguintes:

Grupos nacionais - Brumadinho (34 alvarás), Paranapanema (33), Cerlumbrás S.A. Mineração e Metais (13), Mineração Macaúba Ltda. (13), Carbonífera Crisciuma (10) e Jaruana Mineração Indústria e Comércio Ltda. (10). Entre as multinacionais, destacam-se a Anglo American/Bozzano Simonsen (117 alvarás – 104 em terras indígenas de Rondônia) e o grupo Brascan British Petroleum (76 alvarás, 57 dos quais no Pará). As estatais federais que também cobiçam os minérios são, Companhia Vale do Rio Doce (26 alvarás), Companhia de Pesquisas de Recursos Minerais (CPRM) (21), Petrobrás (4) Estatais estaduais – Codesaima (1) e Propará (1). (ALENCAR, 1986, p. 75 e 76).

O Ministério de Minas e Energia em 1986, havia concedido 537 alvarás para realização de pesquisas nessas áreas, “além disso, há 1732 pedidos de pesquisa, correspondendo juntos a 52 milhões dos 67 milhões de hectares de terras indígenas oficialmente catalogadas pela FUNAI (ALENCAR, 1986: 72).

Baseado na opinião de Carlos Alberto Ricardo, um dos coordenadores do levantamento dos dados acima, Alencar (1986) observa que o favorecimento à situação de exploração mineral em terras indígenas era devido ao conceito de terra indígena trazido no artigo 198 da Constituição Federal de 1967 e o lento processo de regularização das mesmas, que deixava lacunas para os juristas que defendiam os interesses dessas empresas argüirem pela concessão dos alvarás.

Outro argumento era a própria visão nacionalista e equivocada de que a regulamentação dos territórios indígenas acarretaria a criação de uma nação dentro da outra, como se fosse o aspecto jurídico que cria a terra indígena, quando na verdade é exatamente o contrário; conforme abordado anteriormente, foi a colonização e a conseqüente formação das novas nações, ao desligarem-se da metrópole, que se instalaram dentro das nações indígenas. Tal equivoco estava presente na fala do Deputado João Batista Fagundes (PDS - RR):

uma comissão pretende criar o Parque Yanomami, como primeiro passo para a criação de uma nação dentro da nação brasileira. Essa medida, totalmente atentatória à integridade e a integração nacional, merece veemente repulsa dos verdadeiros patriotas (Revista veja, 03.10.1984, apud ROCHA, 1986).

Mesmo decorridos mais de vinte anos, em 2008 questionamentos semelhantes puderam ser ouvidos com a homologação da terra indígena Raposa Serra do Sol, do povo Yanomami do Estado de Roraima: embora tenha sido aprovada pelo Supremo Tribunal Federal com o resultado de 10 votos a favor e apenas 1 contra, pode-se ver manifestações contrárias de políticos e outros segmentos da sociedade, defendendo a manutenção de empresas que operavam ilegalmente naquela terra.

Sobre a situação da exploração mineral em terras indígenas, segundo Rocha (1986), na década de 1980 o Brasil era o quarto produtor mundial de cassiterita – mineral que permite a retirada de estanho - dispondo de várias áreas produtoras na Amazônia fora de terras indígenas, “com reservas e recursos em exploração em volume suficiente para atender às necessidades do mercado interno e de geração de excedentes exportáveis nos próximos 20 anos” (p.79). O que para o autor não justificava a concessão de autorizações para explorações em territórios indígenas.

O que ficou conhecido como Programa Grande Carajás - PGC, considerado o maior projeto de exploração mineral da Amazônia, mas também agropecuário, com investimentos aproximados de 60 bilhões de dólares, na região entre os Estados do Pará e Maranhão, previa-se a seguinte produção:

160 mil t/ano de ferro-manganês, dois milhões t/ano de ferro- liga e 3,2 milhões de t/ano de alumina, além de quantidades menores de ferro-níquel e estanho, isto tudo apenas numa primeira etapa. Não estava incluído nesses números a produção de minério de ferro da CVRD, que será de 35 milhões t/ano, podendo ser expandida para 50 milhões t/ano. Numa segunda etapa, prevê-se a produção de mais 5 milhões t/ano de sinter, dois milhões t/ano de ferro-esponja, 3.5 milhões t/ano de ferro-liga, 10 milhões t/ano semi-acabados de aço, 3.2 milhões de t/ano de alumina e 780 mil t/ano de alumínio (ALVES, 1985:17).

A previsão da riqueza mineral existente em Carajás criou uma expectativa de renda para o país que permitiria o pagamento da dívida externa, o que levava à omissão, por parte dos técnicos, do impacto sócio-ambiental que o Programa causaria à região:

Além de uma enorme cratera, nada menos que 3.600 milhões t. de rejeitos em lugar daquilo que hoje se conhece como Serra dos Carajás. A grande ameaça em Carajás, não se tem números precisos, apenas um dos projetos mínero- metalúrgicos que estão previstos, destinado a produção de 3 milhões t /ano de alumina e 780 mil t/ano de alumínio em Paragominas (PA), deve gerar emissões gasosas contendo: 365 mil t/ano de fluoretos; 151 mil t/ano de dióxido de enxofre; e cerca de 7 mil t/ano de partículas finas altamente prejudiciais à saúde humana e à natureza. Além disso, representa as

seguintes emissões sólidas: 2,5 milhões de t. de lama vermelha, um tipo de rejeito da indústria de alumínio que contém 30% de óxido de alumínio e mais solução aquosa de álcalis, todos os elementos altamente poluentes; 15 mil t/ano de rejeitos diversos, dos quais o principal é resultante do revestimento das cubas eletrolíticas, no qual se encontram carbono, fluoretos sólidos e cianetos (ALVES, 1985: 18).

O autor destaca a situação dos índios, caboclos e nordestinos, estes que foram pra lá durante a produção da borracha, pois todos eles não teriam espaço no Programa Grande Carajás, “nem como mão-de-obra barata, pois o plantio nos moldes que se prevê, só será viável através de empreendimentos altamente mecanizados, com pouquíssimo trabalho manual” (ALVES, 1985:19). O que restou a eles foram apenas os conflitos que se acirraram, a destruição de seus territórios e o comprometimento da reprodução cultural.

Vidal (1986) apresenta dados do impacto sofrido por alguns povos indígenas diretamente ameaçados em função do PCG, como os das “reservas Caru, Pindaré, Guajá (índios Tupi nômades, sem território delimitado), Araribóia, no Maranhão e a reserva de Mãe Maria, no Pará. Esta, aliás, terra dos Gavião – Parkatejê, o impasse já se configurava, ainda que indiretamente” (VIDAL, 1986:32). Segundo esta autora havia também outras situações, como a de 130 famílias de posseiros que se encontravam provisoriamente em terras indígenas aguardando a decisão do Ministério da Reforma Agrária para serem assentadas e que “Uma das áreas destinadas ao reassentamento, a fazenda Ubá, foi recentemente adquirida para servir como reserva de carvão vegetal para Itaminas, uma siderúrgica, já instalada com incentivos do projeto Grande Carajás” (VIDAL, 1986:32).

Outras conseqüências do PGC atingiram os índios Timbira, que localizados na “margem esquerda do rio Tocantins, há cerca de 35 quilômetros de Marabá, teve seu território cortado três vezes em toda a sua extensão, por uma rodovia estadual, uma linha de transmissão de alta tensão e pela própria ferrovia de Carajás” (VIDAL, 1986:32).

Becker (2009) considera que a Amazônia teve uma história ímpar no contexto nacional e apresenta como hipótese que a região se “constitui uma fronteira-múndi”, termo que a autora propõe para dar a dimensão do valor que

a Amazônia adquiriu na economia mundial, a dificuldade de integrar a região aos demais Estados brasileiros e a interferência estrangeira.

Outro destaque que Becker (2009) faz é o fato de a expansão do capital ter ocorrido na região por diferentes modelos. “O processo de apropriação por múltiplos atores em quase dois séculos de disputa aproxima-se muito mais de um modelo caribenho do que sul-americano” (p.202), onde as disparidades e os conflitos interferem impedindo um desenvolvimento adequado à região.