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O ambiente de trabalho como possível gerador de tensões para o desenvolvimento de

5. O conceito de competência e a relação trabalho versus ensino superior

5.1. O ambiente de trabalho como possível gerador de tensões para o desenvolvimento de

O ambiente de trabalho é um dos possíveis responsáveis pela mobilização e pelo desenvolvimento de competências. No capitalismo, porém, a partir de uma análise marxista, não é assim que acontece. Para Acácia Kuenzer (2011), no entanto, a divisão de tarefas no ambiente de trabalho é uma reprodução do sistema de divisão de classes. Trata-se de uma condição que visa a explorar o trabalhador. Uma vez que ele está submetido ao sistema, este pode tirar dele tudo o que for possível, por meio do próprio trabalho.

A gestão do conhecimento no ambiente de trabalho ainda é monopolizada e verticalizada, fazendo com que o trabalho mais completo fique nas mãos dos gerentes, que são a minoria. Essa condição deixa o trabalhador fora de situações desafiadoras e capazes de promover o desenvolvimento de competências. O sujeito, então, vive um paradoxo: deve ser capaz ao mesmo tempo de tomar decisões e de acatar ordens, pois é um subordinado, submetido à chamada heterogestão:

A heterogestão define o conceito de controle do taylorismo, que assume uma conotação inteiramente nova: a necessidade absoluta de a gerência impor ao trabalhador a maneira rigorosa pela qual o trabalhado deve ser executado. Relacionada ao controle, surge a noção de tarefa: o trabalho de cada homem é totalmente planejado pela gerência, que fornece instruções por escrito acerca do que, como e em que tempo deve ser feito o trabalho. A gerência passa a ser científica: realiza estudos e coleta conhecimentos e informações acerca do trabalho, o que não ocorre com o trabalhador, dada a sua suposta incapacidade. Este monopólio do saber sobre o trabalho confere ao gerente poder para controlar cada fase do processo de trabalho, que, quanto mais complexo, mais se separa do trabalhador. (KUENZER, 2011, p.30)

Seguindo o padrão taylorista de produção, a heterogestão impõe a divisão de tarefas, o que impede o trabalhador de criar, pensar e controlar o próprio trabalho. A posse do conhecimento sobre o que é feito passa a funcionar como força a favor do capital, conferindo poder aos níveis técnico-administrativos. O operário, cada vez mais expropriado do saber, desempenha funções gradativamente menos qualificadas e sub-remuneradas.

A partir de 1988, mudam-se os padrões de gestão, e o trabalhador que no taylorismo deveria ser um executor passa para o toyotismo, operando máquinas, desenvolvendo-se tecnologicamente e se tornando mais refinado. Porém ainda é explorado e obedece à lógica de desqualificação do trabalho. Por meio de novas formas ideológicas, enfrenta também neste período contradições – deve ser o melhor e, ao mesmo tempo, colaborar; deve ser alguém capaz de tomar decisões, mas não pode se esquecer das regras hierarquicamente impostas.

Segundo Kuenzer (2011), a história da formação do trabalhador no capitalismo é a história de sua desqualificação – fato esse apontado por Marx e que permanece encoberto nas obras dos economistas burgueses, cujo discurso é o da qualificação como resultado do desenvolvimento do capitalismo. Para explicar essa história, Marx remonta ao surgimento da produção capitalista como um modo peculiar de produção que traz como um dos resultados a exploração do trabalho

humano. Isso ocorre quando o trabalhador passa a estranhar o que ele mesmo produz, como se o produto, resultado de seu trabalho, fosse algo que tivesse vida própria tão logo a tarefa fosse concluída, isto é, assim que o objeto era terminado. Isso acontecia porque ele (objeto) passava a ter valor de mercado, tornando-se comercializável não só por aquele que o produzira, mas por qualquer um que tivesse condições para pagar por ele. Naquele momento, trabalhador e trabalho tomavam destinos diferentes e, ao passo que o objeto ganhava vida, contorno, forma e valor, o trabalhador perdia tudo isso. Com a qualificação, o trabalhador perdia também a oportunidade de pensar em outras possibilidades, restringindo-se a executar uma tarefa, requisitada por um gestor, ocupando uma função em um sistema.

O trabalhador se torna tanto mais pobre quanto mais riqueza produz, quanto mais a sua produção aumenta em poder e extensão. O trabalhador se torna uma mercadoria tão mais barata quanto mais mercadoria cria. Com a valorização do mundo das coisas (Sachenwelt), aumenta em proporção direta a desvalorização do mundo dos homens (Menschenwelt). O trabalho não produz somente mercadorias; ele produz a si mesmo e ao trabalhador como uma mercadoria, e isto na medida em que produz, de fato, mercadorias em geral. (MARX, 2012, p. 80)

No capitalismo, portanto, o trabalhador desenvolve as competências que são determinadas historicamente pelo mercado. Mesmo assim, apesar de qualificado, diplomado e especializado, diante de uma realidade tão imprevisível, cruel e excludente, ele não tem qualquer garantia de emprego. A insegurança, gerada por um cenário com tantas possibilidades e incertezas maiores ainda, faz com que esse sujeito, já desgastado, passe a desenvolver uma capacidade de adaptação que se assemelha a uma mola ou um joguete. Ele reinventa-se continuamente. Ser flexível se torna, desta feita, sinônimo de empregabilidade.

Ser flexível é a capacidade do trabalhador que toma decisões diante do novo e que se adapta a toda e qualquer mudança do mercado, inclusive às regras do capital. Ele deve ser capaz de assumir diferentes funções e profissões durante toda a sua jornada, sem o apoio ou a referência de uma categoria profissional. De modo submerso, essa flexibilidade transformou as relações de trabalho, afetou a identidade do trabalhador e se apresenta como uma competência fundamental para aqueles que precisam do trabalho para sobreviver. (KUENZER, 2011)

O novo sistema de relações sociais traz essa marca, junto com o enfraquecimento das funções reguladoras do Estado, privando um contingente significativo de trabalhadores de uma rede de seguridade social

e de direitos coletivos conquistados no contexto anterior de produção. A flexibilidade interna, funcional a automação da produção, baseia se na polivalência, no diferencial de responsabilidade, carreiras e salários de uma mesma categoria, bem como no uso, por parte dos empregadores, de estratégias também diferenciadas de cooptação e estímulo à participação dos trabalhadores na produção. A flexibilidade externa, voltada a facilitar os ajustes da oferta da força de trabalho periférica, permite a desregulamentação das relações trabalhistas, que pode vir acompanhada de uma precarização baseada nos contratos temporários, de tempo parcial e na subcontratação. A conjugação desses tipos de flexibilidade fomenta a individualização do trabalho não só em termos parcial e na subcontratação. A conjugação desses tipos de flexibilidade fomenta a individualização do trabalho não só em termos técnicos, mas também em termos sociais, na medida em que coloca o conjunto de trabalhadores em situação de vulnerabilidade e de insegurança quanto à conquista e à manutenção do emprego. (RAMOS, 2011, p.174)

Embora as empresas sejam lugares capazes de desenvolver competências, geralmente elas estimulam aquelas que favorecem os próprios interesses, compactuados com os do capital, da burguesia e da competitividade. Sendo assim, o mais apropriado é considerar que dentro das organizações existe uma adaptação de competências, e não o desenvolvimento delas. Cabe ressaltar que essa “adaptação de interesses” e o “pacto” mencionado também acontece na educação formal, em prol da indústria e do mercado.