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6. O método sócio-histórico

6.1. Os indicadores da pesquisa

O método sócio-histórico, segundo González-Rey (2012), é orientado para a construção de modelos compreensivos sobre o que se estuda. A afirmação do caráter teórico desta proposta não exclui o empírico nem o considera em um lugar secundário, mas o compreende como um momento inseparável do processo de produção teórica. Assim, pretende-se romper definitivamente com a dicotomia entre o empírico e o teórico, segundo a qual o empírico se situa como atributo de uma realidade externa e o teórico é considerado uma mera especulação ou um simples rótulo para nomear o empírico.

O conhecimento é um processo de construção que encontra sua legitimidade na capacidade de produzir, permanentemente, novas construções no curso da confrontação do pensamento do pesquisador com a multiplicidade de eventos empíricos coexistentes no processo investigativo. Portanto, não existe nada que possa garantir, de forma imediata no processo de pesquisa, se nossas construções atuais são as mais adequadas para dar conta do problema que estamos estudando. A única tranquilidade que o pesquisador pode ter nesse sentido se refere ao fato de suas construções lhe permitirem novas construções e novas articulações entre elas capazes de aumentar a sensibilidade do modelo de inteligibilidade sobre o estudado, ou seja, para avançar na criação de novas zonas de sentido. A significação de cada registro empírico durante o desenvolvimento de um sistema teórico é, necessariamente, um ato de produção teórica, pois é inseparável do sistema teórico, o qual, em seu conjunto, está por trás desse ato de inteligibilidade. (GONZÁLEZ-REY, 2012, p. 7)

A infinita complexidade da realidade é suscetível, por meio de tais práticas científicas, de multiplicar-se em várias formas de inteligibilidade, as quais, embora nos permitam visualizar a realidade, fazem-no de modo limitado por causa dos próprios meios usados. A ideia de ciência racional, de algum modo, limitou o pensamento científico, tornando o pesquisar engessado, impedido de correr muitos riscos. A solidez do pesquisar pode, de algum modo, fazer com que se perca a condição inteligível do pesquisador, parte ativa, implicada e fundamental da pesquisa.

Vygotsky considera ainda como fundamental para a pesquisa científica e a construção do método a relação concreta da pesquisa com as condições de vida de uma sociedade. Considerando a importância dessa base concreta, inspirada nas obras de Marx, torna-se fundamental compreender em que sistema econômico vive o sujeito que está sendo estudado. Essa condição serviu como indicadora para a

base teórica deste estudo e assim também será utilizada para a conclusão. O sistema econômico dita as regras que interferem de forma direta nas relações e nas condições reais de vida dos sujeitos.

O capitalismo como sistema econômico se fortaleceu com base nos princípios da meritocracia. Ou seja, terá melhores condições e melhores salários aquele que trabalhar mais e melhor. A igualdade de direitos estaria estabelecida por questões de tempo. Os mais pobres, logo, teriam melhores condições de vida. O acúmulo de valores proporcionaria à população formas mais justas de sobrevivência. Porém, com o passar do tempo e com várias mudanças estruturais, a ideia do acúmulo de bens materiais cresceu, e a cada dia a desigualdade social aumenta, sustentada pelo objetivo de acumular. Segundo a ONU (2012), mais de 50% da riqueza do mundo pertence a apenas 2% da população, os outros menos de 50% são divididos, ainda de modo desigual, por 98% da população.

Essa desigualdade caracteriza a divisão de classes sociais estabelecidas e fortalecidas pela maneira como funciona este sistema, que de modo injusto estabelece padrões de vida que marcam a história de sujeitos que, mesmo sendo considerados como seres ativos e capazes de suas escolhas, estarão limitados à quantidade de escolhas menor do que as classes mais favorecidas. Partindo da constatação da desigualdade, Marx (1818-1883) conclui que o contexto social regido pelo capitalismo compõe um cenário de luta de classes. Uma luta permanente em que trabalhadores batalham para conquistar, garantir e manter direitos.

A ideia de trabalho para o capitalismo está determinada pela condição de valor e pela relação de troca. Ou seja, a realização de determinada atividade está implicada na condição de receber algo em troca, o que o sistema chama oficialmente de salário. O salário representa a quantia de dinheiro a ser recebida no final de cada mês de trabalho. Essa condição afetou de modo profundo todas as relações sociais deste sistema.

Marx também responsabiliza a transformação nas relações familiares; a ideia de sobreviver sob a necessidade de manter um trabalho submeteu o trabalhador a condições diversas, incluindo a precariedade nas condições do exercício do trabalho e a ausência do lar. O sistema determinou aos trabalhadores períodos exaustivos de dedicação ao trabalho, tirando, assim, do sujeito o direito de permanecer por mais tempo com a família. As condições de vida de mulheres e crianças também foram afetadas, seja por conta da exploração de mão de obra ou

pela desvalorização, no caso das mulheres, com relação aos afazeres domésticos, atividades não remuneradas, sem valor de troca.

A burguesia desnudou de sua auréola toda ocupação até agora honrada e admirada com respeito reverente. Converteu o médico, o advogado, o padre, o poeta e o cientista em seus operários assalariados. Ela arrancou da família o seu véu sentimental e reduziu a relação familiar a uma mera relação de dinheiro. (MARX, 1998, p. 14)

Essa desvalorização das atividades não remuneradas afetou profundamente os sentidos da ação humana, que, submetida à égide do valor remunerado, da troca, prioriza como aspecto teleológico as quantias que poderão ser recebidas de modo concreto, em moeda. Condição que legitima de modo declarado ou subliminar sentidos subjetivos nessa dimensão histórica, profundamente afetada e estabelecida pela relação de troca. E o que se troca? Troca-se a vida por toda e qualquer condição concreta de valor estabelecido pelo sistema econômico e social, por dinheiro.