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Ambrósio de Milão: exemplo na pregação e na ação

1.3. Agostinho, pregador

1.3.2. Ambrósio de Milão: exemplo na pregação e na ação

Antes de nos adentrarmos no pensamento e ação de Agostinho como pregador, consideramos necessária uma referência a Ambrósio como pregador e ator exemplar na sociedade milanesa. O bispo de Milão, como atesta Agostinho nas Confissões, influenciou verdadeiramente o Hiponense com a sua pregação e ação na cidade. Foi ao escutar as palavras do pregador de Milão que o Doutor da Graça descobriu um sentido novo da Sagrada Escritura

não colocava a verdade em primeiro lugar, mas apenas a forma como era proferido o discurso. Esta corrente influenciou de tal modo os eclesiásticos, que alguns deles pregavam pelas cidades com o objetivo de demonstrar a sua eloquência e receberem louvores. Assim, esta doutrina atuava ao contrário do pensamento aristotélico, pois Aristóteles tinha visto a retórica como arte que daria maior força e efetividade à verdade: cf. OROZ, José, La retórica en los sermones de san Agustín, 37-42.

187 Cf. OROZ, Jose, La retórica en los sermones de san Agustín, 42-47.

188 Cf. BELLISSIMA, Giuseppina, “Sant`Agostino grammatico”. In Augustinus magíster: Congrès International Augustinien (21-24 setembro 1954), Études Augustiniennes, Paris, 1954, 35;41-42.

189 Cf. AVILÉS, Montserrat, “Predicación de san Agustín. La teoría de la retórica agustiniana y la práctica de sus sermones”, Augustinus 112 (1983) 393.

– espiritual e alegórico – e iniciou o seu processo de conversão, acabando por ser batizado pelo mesmo Ambrósio.

A figura de Ambrósio de Milão é fundamental no itinerário espiritual de Agostinho. Após a sua ida para Milão, em 384, para lecionar retórica, Agostinho começou a aproximar-se do bispo de Milão, que se lhe revelou como um insigne pastor da sua cidade. A “suavidade do seu dizer, a sua maneira de interpretar a Sagrada Escritura, a elevação e a firmeza do seu carácter inflexível no comprimento dos seus deveres”190 atraíram Agostinho a acompanhá-lo de perto e a frequentar a igreja onde pregava, escutando os seus Sermões191.

Ambrósio estava em vantagem, relativamente a Agostinho, porque conhecia o grego, podendo assim ler e ter acesso à obra dos padres Capadócios, nomeadamente de Basílio de Cesareia e Gregório Nazianzo. Através destes, Ambrósio descobriu a tradição teológica de Orígenes, de que estes Padres se tinham imbuído, e descobriu a exegese alegórica e o sincretismo filosófico de Filão de Alexandria. Este autor alexandrino descobrira o método alegórico, que seria aperfeiçoado por Orígenes, na descoberta e na afirmação de um sentido espiritual, a que só se tem acesso pela ascese e contemplação192.

Em termos de pregação, o que mais prendeu, pelo menos num primeiro momento, a atenção de Agostinho não foi tanto o conteúdo da mensagem da pregação ambrosiana, mas a sua retórica. Agostinho descobriu na pregação de Ambrósio uma retórica simples, feita numa linguagem suave, mas ao mesmo tempo cativante193. Os Sermões de Ambrósio eram pregados de forma elegante, formosa e erudita194.

Agostinho deixou-se conquistar pela arte oratória de Ambrósio, na qual o bispo de Milão revelava-se um profundo devoto adorador de Deus. Pelos seus discursos, Ambrósio

190 Cf. CAPANAGA, Victorino, "Introducción general", 13. 191 Cf. CAPANAGA, Victorino, "Introducción general", 13. 192 Cf. LANCEL, Serge, Saint Augustin, 106.

193 Cf. ROSEN, Klaus, Agostino-Genio e Santo, 78-79. 194 Cf. EGUIARTE BENDÍMEZ, Enrique, “ Homo Dei”, 373.

distribuía ao povo “zelosamente a flor do trigo, a alegria do azeite e a sóbria ebriedade do vinho”195. Ambrósio limitava-se a pregar a salvação196.

O método exegético de Ambrósio impressionou Agostinho. O bispo milanês ensinava que, na interpretação dos textos da Escritura, não se podia ficar pelo seu sentido literal. Se assim fosse, o texto tornar-se-ia incompreensível. Essa convicção obrigava a descobrir o sentido espiritual, que permite captar o verdadeiro sentido da mensagem da Sagrada Escritura.197 Já nas Confissões, Agostinho afirma que Ambrósio constantemente relembrava que a “letra mata, o espírito vivifica”198, e que é necessário descobrir o verdadeiro sentido que está escondido debaixo do véu místico das palavras. Depois do uso da alegoria na interpretação dos textos bíblicos, descobre-se que alguns dos aspectos, que nos orientavam numa interpretação dúbia, deixam de ter sentido, porque iluminados por um novo sentido trazido pela alegoria199.

Contra a visão negativa do que é material e do Antigo Testamento, difundida pelos maniqueus, Agostinho aprendeu, com Ambrósio, a positividade das coisas materiasi e desse mesmo Testamento. Agostinho começou assim a descobrir que a doutrina católica era equilibrada e sincera200.

Podemos, pois, afirmar que Ambrósio influenciou Agostinho numa dupla dimensão. Primeiro, no modo de interpretar a Sagrada Escritura e, em segundo lugar, na espiritualidade e na ascética201.

Ambrósio tinha sido um respeitado e influente governador da cidade de Milão. No momento de eleger um sucessor para o bispo Auxence, os bispos da Província viram a

195 Conf. 5, 13, 23: “ministrabant adipem frumenti tui et laetitiam olei et sobriam vini ebrietatem populo tuo” (CC 27, 70).

196 Cf. Conf. 5, 13, 23 (CC 27, 70-71).

197 Cf. ROSEN, Klaus, Agostino-Genio e Santo, 82.

198 Conf. 6, 4, 6: “littera occidit, spiritus autem vivificat” (CC 27, 77). 199 Cf. Conf. 6, 4, 6 (CC 27, 77).

200 Cf. ROSEN, Klaus, Agostino-Genio e Santo, 99.

201 Cf. GALINDO RODRIGO, José Antonio, “La predicación en san Agustin”. In La proclamacion del mensaje Cristiano: Actas del IV Simposio de Teologia Histórica (28-30 abril 1986), Valencia, 1986, 116. Efetivamente, Agostinho apresenta uma ascética e uma espiritualidade claramente de influência ambrosiana. Por exemplo, esta influência manifesta-se em temas como a virgindade e o matrimónio, as obrigações das distintas vocações cristãs e a distinção entre os deveres e os conselhos evangélicos.

necessidade de escolher alguém que trouxesse a normalidade à cidade de Milão, pois esta vivia num estado crítico com o crescimento do número de seguidores do arianismo. E assim decidiram que Ambrósio seria, nesse momento, a melhor escolha para Milão202.

A política religiosa de Ambrósio teve três grandes objectivos: em primeiro lugar, proteger a Igreja da violência do Estado; em segundo lugar, impedir a intervenção e intromissão do Imperador no campo religioso e, por último, Ambrósio procurou sempre favorecer a harmonia entre a Igreja e o Estado203.

Durante o seu episcopado, Ambrósio teve entre os seus ouvintes, na assembleia, quatro imperadores e uma imperatriz. O bispo de Milão condenou o imperador Maximiano por ter executado hereges priscilianos, e impôs uma penitência pública ao imperador Teodósio pelo massacre de Tessalónica. Além destes episódios, Ambrósio não cedeu à pressão da imperatriz Justina para entregar uma basílica aos arianos. Com a sua influência e ação de bispo, Ambrósio venceu o arianismo204.

A sua preparação e experiência política deram-lhe recursos para dialogar e enfrentar o poder político. Na sua ação e na relação com o poder político, Ambrósio primava pelo espiritual, o que é demostrado pelas acima referidas sanções aos imperadores.205

Agostinho aprendeu a admirar o pastor de Milão desde os primeiros encontros, e viu nele o bispo solícito na resolução de muitos problemas, quando as pessoas lhe pediam ajuda. Era assim que, a nível humano, Ambrósio era próximo e amável. A solidariedade de Ambrósio com os pobres e a sua vida célibe chamaram à atenção de Agostinho. Este último aspeto, era algo que Agostinho, nessa altura, não conseguia viver, porque ainda não conseguira vencer as suas paixões206.

202 Cf. LANCEL, Serge, Saint Augustin, 104.

203 Cf. FLICHE, Agustín; MARTIN, Víctor, Historia de la Iglesia de los orígenes a nuestros días, 450-451. 204 Cf. SAINT-LAURANT, George E., “San Ambrosio de Milán, héroe, sabio, y santo, en la tipología agustiniana”, Augustinus 140-142 (1991) 236.

205 Cf. LANCEL, Serge, Saint Augustin, 105.