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Mapa 21 – Infraestrutura óptica do COSIPLAN (2016)

1.1 Hegemonia, poder e riqueza: uma discussão teórica pela leitura da Escola Brasileira de

1.1.2 Ampliação do debate: Neomarxistas

É importante destacar que, nos anos 1980, o campo se estendeu, englobando autores e autoras fora do mainstream que havia desenvolvido uma EPI caracterizada por um “imediatismo pragmático inicial” (FIORI, 2000, p. 208). A nova agenda de pesquisa passou a focar na análise sobre o “ciclo vital” das grandes potências, de forma histórica e comparada. A pergunta que guiava esse novo momento da EPI estava assentada sobre a capacidade desse grupo de países centrais em impor sua hegemonia política e econômica. Nesse sentido, o que havia nascido como um campo que buscava responder a um problema imediato, passou a formar um corpo teórico mais consolidado e ambicioso, visando “esclarecer o processo de nascimento, estabilização e declínio das sucessivas ‘ordens político-econômicas mundiais’ e explicar por

que alguns países conseguem impor e depois perder a supremacia mundial” (FIORI, 2000, p. 208).13

Robert Cox (1981) inaugurou a corrente neomarxista da EPI, incorporando ao debate a visão gramsciana de hegemonia. O conceito de hegemonia em Gramsci retoma alguns dos elementos centrais na obra de Marx, bem como a linha de continuidade do pensamento e da prática de Lênin. De modo geral, Gramsci trata hegemonia como a capacidade de unificar por meio da ideologia e de manter unido um bloco social que não é homogêneo e que, mais do que isso, é marcado por profundas contradições de classe. Uma classe configura-se como hegemônica, dirigente e dominante, até o momento no qual – através de sua ação política, ideológica, cultural – logra manter articulado um grupo de forças heterogêneas, impedindo que o contraste existente entre tais forças irrompa e ocasione, assim, uma crise na hegemonia dominante, o que levaria à recusa de tal ideologia. Fato que irá coincidir com as crises políticas no poder. Por essa razão, a manipulação cultural (ideologia, crenças, valores etc.) serve como elo do tecido social (GRUPPI, 1980). A compreensão do conceito de hegemonia só se torna plena a partir da análise do conceito de Estado Ampliado (Estado Integral), também construídos por Gramsci. Segundo o autor, o Estado deve ser compreendido para além do aparelho de governo, e incorporar também o aparelho ‘privado’ de hegemonia ou sociedade civil. Esse Estado seria composto por uma sociedade civil, uma sociedade política (compõem a superestrutura) e uma sociedade econômica (representa a estrutura). Essas três esferas, dialeticamente articuladas, comporiam a totalidade social. A sociedade civil se enquadraria entre o Estado e a sociedade econômica. Nessa articulação “o Estado é o instrumento para adequar a sociedade civil à estrutura econômica” (GRUPPI, 1980).

Semelhante a Cox, Giovanni Arrighi (1994), autor da EPI neomarxista também com influências de Gramsci, define a hegemonia através de três fatores que a compõem de forma interligada e simultânea: os meios de pagamento, ou seja, o capital; o consentimento, traduzido através da liderança moral; e a coerção, que implica o uso da força ou uma ameaça digna de crédito. Nota-se que, para ambos os autores, a hegemonia envolve tanto questões materiais quanto ideacionais.

Cox (1981) baseou suas análises na formação e crises das ordens mundiais, com foco nas dinâmicas interestatais, mas também nos processos de internacionalização da produção, das relações de classe e das estruturas de poder. Para Cox, a novidade da conjuntura pós-Segunda

13 Por exemplo: Keohane “After Hegemony: cooperation and discord in the world political economy” (1984) e

Guerra Mundial era o fato de que os EUA não exerceriam um poder hegemônico como fora a Inglaterra no século XIX, mas sim, um sistema imperial. Segundo Silva (2005, s/p), “cada contexto histórico produzirá uma configuração específica das forças sociais, dos Estados, e da interrelação entre eles que repercutirá como uma ordem mundial particular”. Em uma ordem hegemônica, que são estruturas históricas, três categorias de forças interagem entre si: instituições, ideias e capacidades materiais (COX, 1986). Em um sentido mais amplo, a infraestrutura pode ser enquadrada dentro da categoria das capacidades materiais. Porém, ao contrário do que se observa na Teoria da Estabilidade Hegemônica, aqui não há uma avaliação estritamente economicista das capacidades materiais.

Wallerstein (1982) e Arrighi (1982) trouxeram outras contribuições à vertente neomarxista da EPI. O primeiro afirmava que apesar da crise, a economia-mundo capitalista continuava a seguir sua lógica interna com sucesso. O segundo discutia a crise da hegemonia americana através da ótica marxista, demonstrando que o declínio da ordem imperial dos EUA não havia levado ao fim da hegemonia, mas sua transformação. Assim, passaria de uma hegemonia formalmente organizada através do Estado para uma hegemonia organizada corporativamente pelas forças de mercado (ARRIGHI, 1982, p. 66). Arrighi (1994), com influências em Gramsci, define a hegemonia através de três fatores que a compõem de forma interligada e simultânea: os meios de pagamento, ou seja, o capital; o consentimento, traduzido através da liderança moral; e a coerção, que implica o uso da força ou uma ameaça digna de crédito.

Segundo Arrighi (1982; 1994; 2003), o sistema-mundo14 foi o grande responsável pelo milagre capitalista da Europa, cuja origem histórica fez coincidir, com seus dinamismos e contradições, uma economia-mundo capitalista em expansão global e uma superestrutura propícia, com Estados-nacionais independentes e competitivos, em constante busca pela acumulação de capital. Essa disputa constante por riquezas e poder – que já resguardava praticamente o mesmo sentido – leva as unidades interestatais a um estado de guerra permanente, impulsionada pelas assimetrias na distribuição do capital dentro do sistema. Para Arrighi, a completa ruína do sistema, na forma de um eventual caos político e econômico causado por essa conflitividade ininterrupta, só não ocorreu devido à ação de quatro grandes agentes econômicos, que foram capazes de organizar seu funcionamento hierarquicamente: no

14 O termo “sistema-mundo” advém da obra de Wallerstein, para quem o sistema capitalista é um mundo em si mesmo, não necessariamente sendo mundial, podendo coexistir com outros sistemas-mundos (WALLERSTEIN, 1991).

século XVI, Gênova; no século XVII, as Províncias Unidas; no século XIX, a Grã-Bretanha; no século XX, os Estados Unidos.

Embora tenham tido relativo sucesso em estabilizar o sistema, as hegemonias não foram capazes de eliminar os conflitos e a competição entre os Estados. Por conta disso, de maneira cíclica, o sistema incorre em grandes crises e períodos de transição – momentos de reorganização da base produtiva e substituição do líder hegemônico. Sobre esse ponto, Arrighi identifica três sintomas da crise, que, apesar de independentes, estão relacionados entre si: “a intensificação da competição interestatal e interempresarial, a escalada global dos conflitos sociais e o surgimento intersticial de novas configurações de poder” (ARRIGHI, 2001, p. 38). A convergência desses sintomas leva à ruptura hegemônica e surgimento de uma nova, uma vez que o caos sistêmico se soma à fragilidade do antigo Estado hegemônico e à reorganização de forças. A guerra permanente entre os Estados só não se tornou um caos incontornável devido à ação do agente hegemônico, responsável por organizar o funcionamento do sistema: “Essa supremacia seria cíclica, alternando momentos de auge e decadência, a qual seria marcada eminentemente pela desmedida expansão financeira e pela consequente crise de superprodução” (OSÓRIO, 2010, p. 1-2).

Wallerstein (1974) contribui com uma abordagem teórica sobre o sistema-mundo moderno como uma estrutura que admite uma hierarquia – essa dividida em centro, periferia e semiperiferia –, abrangendo duas esferas conectadas entre si: a economia-mundo capitalista, erguida sobre a divisão internacional do trabalho, e o sistema interestatal, apoiado na necessidade da guerra. As transformações que o mundo passou a partir da década de 1970 seriam a prova do iminente fracasso do sistema-mundo anglo-saxão. O autor adota a mesma premissa de Arrighi, entendendo o sistema-mundo capitalista como um sistema em expansão contínua. A grande novidade de Wallerstein (1974) é a divisão sistêmica entre centro, periferia e semiperiferia, que veio a ser amplamente utilizada em estudos sobre países emergentes. Esse esquema de Wallerstein é, resumidamente, uma ilustração na qual os países centrais estão em disputa econômica e militar constante, competindo pela exploração dos países periféricos e permitindo, conforme a conveniência, que alguns países – a semiperiferia – sejam mediadores dessas tensões.

Outra parte do trabalho de Wallerstein (1995) bastante difundida é sua previsão sobre o fim do sistema-mundo moderno. Apoiado nas suas próprias teorizações sobre o declínio da hegemonia dos Estados Unidos no fim do século XX, Wallerstein (1995) prevê que o atual sistema-mundo deve durar, no máximo, até o ano de 2050. O autor diz não ser possível precisar

se haverá um novo ator hegemônico até lá, mas afirma que haverá um sistema internacional distinto do atual.

Em direção oposta ao que argumentam Arrighi e Wallerstein, Fiori (2009) afirma que os Estados Nacionais foram concebidos anteriormente ao sistema interestatal. O autor considera que a formação dos Estados Nacionais europeus data dos séculos XII e XIII, quando das guerras de conquista e da revolução comercial, e vê na globalização de sua lógica de acumulação de riquezas e poder o processo que deu origem ao sistema-mundo, no século XVI. Fiori (2007) parte das origens do sistema internacional pela ótica do poder, cujas relações entre poder, dinheiro e riqueza se tornaram propulsoras do “milagre europeu” nos séculos XII e XIII. Nesse sentido, competitividade e expansividade aparecem como elementos recorrentes na história das relações internacionais. Teria sido a acumulação de poder como força expansiva que desenvolveu a expansão dos mercados e engendrou a acumulação capitalista.

Ou seja, há uma precedência do poder sobre o capital como elemento dinâmico e propulsor da formação do Estado Nacional e do capitalismo. Fiori (2007) argumenta que a competição sistêmica seria o principal motivo desencadeador da disputa por poder e pela acumulação de capitais. Prova disso seria que os Estados mais bem-sucedidos, na época da configuração do sistema-mundo, foram os que mais se expandiram e, portanto, conseguiram acumular mais. Nesse sentido, a globalização é um fenômeno que reflete diretamente esse processo, marcado pela expansão supranacional da moeda, do sistema de crédito e do capital financeiro das grandes potências europeias.

Quando se dedica a escrever sobre a hegemonia no sistema-mundo, entretanto, Fiori (2007) não a considera fator estabilizador do sistema, mas sim um elemento que é, de certa forma, causador de sua instabilidade. Para Fiori, o hegemon está a todo tempo alterando as regras do jogo, desconstruindo e reconstruindo o sistema, como forma de aumentar o seu próprio poder.

Muitos autores falam em hegemonia para referir-se à função estabilizadora desse líder dentro do núcleo central do sistema. Mas esses autores não percebem que a existência dessa liderança ou hegemonia não interrompe o expansionismo dos demais Estados, nem muito menos o expansionismo do próprio hegemon. Por isso, toda potência hegemônica é sempre, ao mesmo tempo, autodestrutiva, porque o próprio hegemon acaba desrespeitando as regras e instituições que ajudou a criar para seguir acumulando seu próprio poder, como se vê no caso americano após o fim da Guerra Fria. [...] Neste universo em expansão que nasceu na Europa, durante o longo século XIII, nunca houve nem haverá paz perpétua, nem sistemas políticos internacionais estáveis. Porque se trata de um universo que precisa de preparação para a guerra e das crises para poder se ordenar e se estabilizar. E através da história, foram quase sempre essas guerras e essas crises que abriram os caminhos da inovação e do progresso na história desse sistema inventado pelos europeus (FIORI, 2007, p. 31).

Como dito anteriormente, Fiori (2007, p.17) interpreta os movimentos históricos e conjunturais a partir da ótica do poder, que é fluxo, não estoque: para existir, precisa ser exercido através da permanente reprodução e acumulação, na qual “toda relação de poder exerce uma ‘pressão competitiva’ sobre si mesma” (FIORI, 2007, p. 17). A existência de uma potência que gere estabilidade e paz ao sistema seria inconsistente com a lógica expansiva e competitiva dos poderes soberanos. Ainda que esta potência hegemônica logre, momentaneamente, gerar estabilidade ao sistema, através da criação de regras e instituições que, apoiadas em seu poder hierárquico, pudessem organizar a conduta das demais nações, esta situação seria transitória, pois o próprio hegemon mantém a necessidade expansiva da conquista e da acumulação capitalista. Dessa forma, frente à possibilidade de colocar em prática os seus objetivos expansivos – que são permanentes – o poder hegemônico até mesmo romperia com as regras e regimes por ele mesmo organizados. O objetivo-síntese seria o de acumular cada vez mais poder e riqueza, pressionando ainda mais a instabilidade do sistema e ampliando a polarização entre as nações. O poder hegemônico busca se manter enquanto tal através de sua capacidade de destruir a ordem por ele antes criada. Nesse processo, o novo ordenamento internacional permite uma maior janela competitiva pela potência líder, enquadrando países rivais e aliados (FIORI, 2008).

A hegemonia mundial não interrompe o expansionismo, nem apazigua o hegemon, pelo contrário, é uma posição transitória que deve ser conquistada e mantida pela luta constante por mais poder, e neste sentido ela é autodestrutiva, porque o próprio hegemon quer se desfazer de suas limitações para alcançar a conquista completa do poder global. Por isso, o hegemon se transforma num desestabilizador da sua própria hegemonia (FIORI, 2004, p. 90-91).

Com o fim da Guerra Fria, esse debate perde em força, substituindo-o pelos problemas da nova configuração do poder e riqueza mundial. Em seu artigo de 1995, Strange alerta que a negligência mútua entre a economia e a política internacional ainda não havia sido superada. Que o campo da EPI, apesar dos avanços, teve sua agenda de pesquisa pautada na manutenção da hegemonia norte-americana e na vitória sobre a União Soviética. Ou seja, a EPI ainda não havia logrado superar a esfera dos fatos e avançar mais para o âmbito das ideias. “Como a autora diz, os fatos variaram através das décadas, mas, neste tempo, quem agendou a pesquisa foram as dificuldades e impasses da política externa norte-americana, cujo norte, em última instância, foi sempre a vitória na Guerra Fria” (FIORI, 2000, p. 209).

Com as mudanças advindas do fim da URSS, o capitalismo abre uma nova fase de aceleradas transformações, que para Arrighi seria a crise terminal do capitalismo e da hegemonia americana. No entanto, para Fiori (1997, p. 71) “a história destes últimos vinte e

cinco anos [...] encarregou-se de contradizer [...] a previsão e a estratégia propostas por esta ‘teoria da estabilidade hegemônica’ [...]”. Nos anos 1990, apesar da conjuntura de unipolaridade dos EUA, que organizava os regimes internacionais através de uma ordem liberal, pautada na globalização dos investimentos, no alargamento do comércio mundial e no desarmamento de aliados e adversários, o capitalismo adentrou em uma fase de “prolongada instabilidade sistêmica” (FIORI, 2000, p. 210).

Essa crítica de Fiori encontra-se na origem de uma visão singular sobre os debates tradicionais da EPI, por meio da qual, juntamente com Maria da Conceição Tavares, busca-se ampliar as perspectivas acerca do poder hegemônico no pós-Guerra Fria. Assim, embora dialogue com a ampliação do debate proposta pelo neomarxismo, aprofunda a discussão crítica acerca do exercício hegemônico.