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Mapa 21 – Infraestrutura óptica do COSIPLAN (2016)

1.3 Considerações Parciais: Infraestrutura como recurso de poder – uma proposição

A partir do exposto, infraestrutura é encarada aqui como um recurso duradouro, de longo prazo, desde que mantidos os investimentos e a inovação necessária a cada etapa de uma

trajetória de desenvolvimento. Caso contrário, sem a devida manutenção, ela tende a se esgotar. É estrutural na formação social e internacional, tal como são a história e a geografia na longa duração braudeliana. Definindo de forma simples, é a materialização da intervenção humana sobre a geografia. Uma mesma infraestrutura sobrevive e se adapta a mudanças políticas, sociais e econômicas, a não ser quando arruinada por choques externos, em um contexto de guerra ou catástrofe climática, por exemplo. Nesse sentido, pode-se considerar uma capacidade mais perene do que o poder financeiro e militar, cujas dinâmicas tendem a ser mais mutáveis, ainda que dependa de manutenção e atualização constante para não se tornar obsoleta.

Toda guerra é um fenômeno geopolítico por influência (BRZEZINSKI, 1986), recursos naturais e controle infraestrutural. Infraestrutura é um recurso estratégico que deve ser, portanto, promovido e protegido pelos Estados e sociedades que buscam mais segurança, desenvolvimento e bem estar. Os exemplos da construção e expansão de poder de Estados Unidos e China demonstram que deter infraestrutura não necessariamente dota um Estado de maiores capacidades de poder, e sim, o controle sobre redes estratégicas de infraestrutura representa um recurso de poder no sistema internacional e social. Afinal, são basilares à economia, ao poder militar, ao controle territorial e populacional, à dotação de serviços públicos, ao acesso e movimentação de recursos e, principalmente, à projeção internacional. Por essa via, a capacidade competitiva conferida por esse controle deve ser analisada tanto pelo caráter da infraestrutura enquanto instrumento intermediário, como por ser uma finalidade à acumulação e expansão do poder.

O controle da infraestrutura enquanto recurso de poder apresenta duas faces: uma estruturante, a partir dos efeitos sobre o desenvolvimento socioeconômico; e uma geopolítica, a partir das capacidades de segurança, defesa e projeção de um Estado. Dessa forma, a análise sobre o poder infraestrutural vai muito além do viés dominante, estritamente comercial. Isso não implica em dizer que a perspectiva comercial da infraestrutura não importa, mas que reduzi- la a apenas isso é problemático.

Considera-se que a construção de obras estratégicas de infraestrutura apresenta um caráter multiplicador sobre as dinâmicas socioeconômicas de uma sociedade, sintetizando diferentes padrões de cooperação e conflito entre Estado e mercado. O spillover da infraestrutura transborda sobre as capacidades comerciais de um território, mas também sobre a produtiva e a inovativa. Da mesma forma, assim como é basilar à logística estratégica de mobilização de forças – ou seja, é um dos meios de se fazer a guerra –, a oferta adequada de infraestrutura também é essencial à estabilidade social interna de um país na medida em que

permite o acesso a bens e serviços básicos, tal como a própria presença do Estado em seu território. Portanto, como o controle infraestrutural pode ser analisado como um recurso de poder, em última instância, é objeto de disputa no sistema internacional, em um processo de competição permanente entre Estados e corporações em uma hierarquia dinâmica.

Figura 1 – Esquema analítico da Infraestrutura como Recurso de Poder

Fonte: Elaboração própria (2021).

Pelo esquema analítico apresentado acima, a capacidade infraestrutural exerce impacto direto sobre o (i) desenvolvimento socioeconômico de um Estado (poder potencial) e (ii) sobre suas capacidades geoestratégicas (poder concreto) – onde ambos se encontram em uma dinâmica de influência mútua. Esse impacto, de caráter dual e multiplicador, condiciona elementos estruturantes à economia e à sociedade, como (a) comércio, (b) produção, (c) capacidade de inovação tecnológica, (d) redução de assimetrias e (e) acesso a serviços públicos, ou seja, sobre a própria presença e capacidade material do Estado. Pela face geoestratégica, a infraestrutura é um determinante latente (a) ao controle sobre recursos estratégicos, (b) à capacidade de projeção e expansão regional e global, (c) à logística de guerra e ao emprego de forças militares e (d) ao controle sobre territórios e populações. Por essa ideia, infraestrutura de energia, transportes e comunicações representa, de forma simultânea, um meio e uma finalidade à construção de poder e riqueza pelos Estados. Meio, pois é instrumento basilar à construção de capacidades na competição interestatal. Finalidade, visto que representa a própria expansão e controle territorial.

O Estado, no entanto, não é o único ator que influencia nessa dinâmica. Os agentes e corporações privadas, através do capital privado nacional e externo, também possuem interesses que permeiam a promoção de infraestrutura. Nesse sentido, a correlação de forças internas, na

simbiose entre Estado e agentes privados, induz e organiza o desenvolvimento infraestrutural, cujos pilares residem no planejamento e no investimento. Já as dinâmicas sistêmicas (movimentos, conflitos e contradições do Sistema Interestatal capitalista) são fatores que intervêm sobre esse ciclo, no qual a construção de infraestrutura é influenciada pela conjuntura sistêmica do poder global, e no plano doméstico, pelas coalizões de poder.

As ideias apresentadas nesse arranjo crítico buscam elucidar o papel da infraestrutura enquanto elemento de ligação entre economia e política no mundo material. Tendo em vista que a EPI coloca o poder no centro da análise, a capacidade de utilizar, mobilizar e controlar recursos estratégicos está no âmago da acumulação de poder e riqueza, que consiste no motor das transformações do sistema internacional. Poder, em consonância à perspectiva estruturalista de Strange, Fiori e Tavares, apresenta um caráter fluxo, ou seja, para existir, precisa de expansão constante. Os ciclos de pressão competitiva e o movimento de guerra permanente sintetizam essa dinâmica.

Afirma-se que infraestrutura é um recurso de poder tendo em vista que serve como denominador comum aos fundamentos do poder estrutural apresentados por Strange (1996). Nesse sentido, a capacidade infraestrutural, quando controlada de forma soberana, surge como um elemento que amarra as capacidades militares, econômicas, financeiras e tecnológicas. Tavares (2017), de modo a reforçar o argumento, define poder a partir do controle sobre três áreas distintas e associadas: moeda, armas e inovação.

Adota-se aqui uma perspectiva complementar, na qual infraestrutura representa uma categoria analítica cíclica à definição de Tavares. A capacidade infraestrutural é influenciada diretamente pelo poder financeiro que controla os investimentos e o planejamento em obras de energia, transportes e comunicações. A promoção de infraestrutura, por sua vez, impacta sobre a capacidade produtiva, comercial e inovativa de uma economia, que são determinantes sobre a capacidade extrativa do Estado e a acumulação de riqueza. Quanto maior a provisão de meios infraestruturais, maior a capacidade logística de um Estado, que é condicionante à sua capacidade de segurança e defesa. Essa capacidade confere ao Estado maiores possibilidades de projeção e expansão, ou seja, de construção do que seria um poder de alcance global, o que também incide de forma direta sobre seu poder financeiro. Vinculando-se aos estudos de Tavares, Fiori e Metri acerca da importância da moeda nos processos de acumulação de poder, quanto maiores as capacidades infraestruturais, maior o controle sobre a renda e a taxação de impostos de um território, dotando o Estado de maior riqueza, que por sua vez possibilita – por meio da infraestrutura – maiores capacidades militares, produtivas e inovativas. Desse modo,

retomando Mann (1988; 1993) e Sebben (2015), o poder infraestrutural refere-se, em última instância, à própria capacidade e eficiência do Estado.

Figura 2 – O Papel da Infraestrutura no Ciclo de Construção de Poder e Riqueza

Fonte: Elaboração própria (2021).

Infraestrutura, dessa forma, pode ser considerada uma categoria analítica que permeia os fundamentos da Escola Brasileira de EPI, fundadas nas ideias de Tavares e Fiori. Apoiados na visão braudeliana de longa duração, os autores que compõem esse arcabouço teórico partem da correlação intrínseca entre a geopolítica e a economia política internacional. Por essa perspectiva, a geografia – assim como o poder – apresenta um caráter fluxo e permanente em todos os movimentos de transformações mundiais. Se a geografia, nesse sentido, representa o imperativo espacial mais perene a todos os fenômenos sociais, a infraestrutura passa a ter um papel decisivo desde a formação do sistema interestatal. Afinal, visto que as estruturas geográficas conformam toda e qualquer disputa por poder global, a capacidade infraestrutural, entendida como a intervenção humana sobre a geografia, constitui-se enquanto elemento basilar e dinâmico às capacidades competitivas de um Estado. Partindo-se aqui da teoria do poder global (FIORI, 2005; 2007; 2009), é possível enquadrar a centralidade da infraestrutura em todos os processos históricos e conjunturais de ciclos de pressão competitiva e de guerra permanente, tendo em vista seu caráter fulcral à hierarquia de desenvolvimento, poder e riqueza inerente ao sistema internacional. Em outras palavras, o poder global se constrói – assim como se desconstrói – através de capacidades infraestruturais estratégicas, presentes no controle sobre energia, transportes e comunicações.

Retomando a ideia de Fiori e Tavares (1997) de que a acumulação de poder e riqueza é o que move os Estados na esfera internacional, através da soma do jogo das trocas ao jogo das guerras; e no âmbito interno é a busca por desenvolvimento e avanço técnico-produtivo; entende-se o papel da infraestrutura em vincular esses dois domínios, visto que seu controle possibilita a utilização, mobilização e expansão de recursos socioeconômicos e logísticos. Por essa via, é o elemento que viabiliza a própria capacidade de competição sistêmica.

Pela tese do poder estrutural (STRANGE, 1996), o controle sobre capacidades estratégicas permite a indução do sistema internacional sem a necessidade do uso da força, visto que possibilita à hegemonia a organização das próprias estruturas do sistema econômico e político global. De forma complementar, Tavares (1997) aponta que o poder hegemônico se fundamenta na capacidade de enquadramento (político, econômico e ideológico) de países parceiros e adversários. Visando dialogar com essa abordagem, aponta-se que a busca por controle sobre infraestruturas estratégicas compõe o cerne da capacidade de projeção global e regional.

Desse modo, a análise da infraestrutura enquanto recurso de poder reside no seu caráter estruturante às dinâmicas de acumulação, competição e expansão. Essas dinâmicas internacionais estão alicerçadas de forma intrínseca às capacidades produtivas, militares e financeiras de Estados em posições assimétricas. Fiori (2007), ao explicar os ciclos de competição sistêmica pela lógica do poder, aponta a precedência do poder sobre o capital como elemento propulsor do capitalismo. Por essa visão, as possibilidades de expansão hegemônica estão fundamentadas no controle sobre recursos estratégicos de outros Estados. Para tanto, o controle infraestrutural é fundamental, visto que vincula o domínio sobre produção, inovação, finanças e armas. Paul Kennedy, sobre a ascensão e queda das grandes potências, aponta essa correlação:

Os "conflitos militares" mencionados no subtítulo do livro são, portanto, sempre examinados no contexto de "mudança econômica". O triunfo de qualquer Grande Potência neste período, ou o colapso de outra, geralmente tem sido consequência de longos combates por suas forças armadas; mas também tem sido consequência da utilização mais ou menos eficiente dos recursos econômicos produtivos do Estado em tempo de guerra e, principalmente, da maneira pela qual a economia desse Estado ascendia e declinava, em relação à ordem das nações líderes, nas décadas anteriores ao conflito real. Por esse motivo, como a posição de uma Grande Potência se altera constantemente em tempos de paz, é tão importante para este estudo como ela luta em tempos de guerra (KENNEDY, 1988, p. 15, tradução nossa)42.

42 No original: “The ‘military conflicts’ referred to in the book's subtitle is therefore always examined in te context of "economic change". The triumph of any one Great Power in this period, or the collapse of another, has usually been the consequence of lengthy fighting by its armed forces; but it has also been the consequence of more or less efficient utilization of the state's productive economic resources in wartime, and, further in the background, of the way in which that state's economy had been rising or falling, relative to the order leading nations, in the decades

Nessa dinâmica de controle sobre energia, transportes e comunicações, retomando a ideia de Furtado acerca do Centro de Decisão, aponta-se a centralidade do Estado enquanto ator promotor da infraestrutura estratégica. No entanto, no sistema capitalista, essa centralidade do Estado convive com uma simbiose (que pode ser cooperativa ou conflitiva) aos interesses de agentes privados, especialmente do capital privado nacional e externo, que impactam grande parte dos investimentos realizados. Por essa perspectiva, as dinâmicas centro-periféricas acabam por determinar o tipo de inserção internacional de países como o Brasil, cuja infraestrutura foi formada para servir aos interesses hegemônicos de escoamento comercial. Seguindo a tese apresentada por Tavares (1997), de que no Brasil não teria se formado uma burguesia efetivamente nacional, da mesma forma não teria se consolidado uma infraestrutura estratégica que fosse organizada, planejada e conduzida pelo alinhamento entre Estado e capital privado nacional, visando o aproveitamento das vantagens geográficas do país e da região. Nesse sentido, os investimentos e interesses externos se constituíram enquanto eixo estruturante da planificação de energia, transportes e comunicações do Brasil, impactando diretamente sobre o perfil de inserção internacional e regional do país, conforme será analisado no capítulo a seguir.

Este capítulo teve como objetivo central, portanto, realizar uma discussão teórico- conceitual da infraestrutura enquanto recurso de poder na EPI. Buscou-se, a partir de revisão bibliográfica, apresentar o campo da EPI e estabelecer uma análise acerca de seus principais debates fundadores. Em diálogo aos fundamentos anglo-saxões da EPI, discutiu-se as contribuições brasileiras ao campo, em especial de Fiori e Tavares, cujas ideias teriam formado um arcabouço teórico singular, que sintetiza o que chamamos aqui de Escola Brasileira de EPI. A fim de ampliar o debate, buscou-se explicar como a infraestrutura pode ser considerada um recurso de poder, com o objetivo de conectar-se às ideias desenvolvidas pela EPI, em especial à perspectiva brasileira. Para tanto, realizou-se uma discussão acerca dos impactos multiplicadores da infraestrutura para a formação e expansão do Estado nacional, para o desenvolvimento socioeconômico, para as capacidades logísticas e militares, e para as capacidades de poder de um Estado. Por fim, à título de conclusão, foram apresentados os elementos que tornam a infraestrutura uma categoria analítica útil à EPI, em especial a partir do seu papel nos ciclos de acumulação de poder e riqueza. No capítulo a seguir, iniciaremos o estudo de caso da experiência brasileira no que tange à utilização da infraestrutura enquanto

preceding the actual conflict. For that reason, how a Great Power's position steadily alters in peacetime is as important to this study as how it fight in wartime.”

recurso de poder. Ao longo da história do país, analisaremos como as capacidades infraestruturais do país foram instrumentalizadas pelos interesses do capital hegemônico, dentro de sua própria busca por acumulação e expansão em uma região periférica.

2 DEPENDÊNCIA E VOLATILIDADE: O DESENVOLVIMENTO DA INFRAESTRUTURA BRASILEIRA EM UMA PERSPECTIVA HISTÓRICA (1930- 1999)

O objetivo deste capítulo é realizar uma análise em perspectiva histórica da formação da infraestrutura econômica e estratégica no Brasil, em diálogo com as visões da EPI brasileira acerca do desenvolvimento do país em uma posição periférica. Como esforço complementar, alia-se essa discussão aos ciclos da política externa brasileira, de alinhamento versus autonomia, a fim de realizar um diagnóstico dos padrões de inserção internacional e regional do Brasil em consonância à formação infraestrutural. Associa-se a história do desenvolvimento brasileiro à trajetória de dependência do capital privado nacional, com foco no papel dos investimentos em infraestrutura. Em resumo, busca-se realizar uma síntese da formação infraestrutural do país, aliando as diferentes configurações de forças internas entre Estado, capital privado nacional e capital externo, de forma a apontar seus impactos sobre a construção de capacidades no Brasil, bem como sobre as possibilidades de expansão regional e internacional

Para cumprir com seus objetivos, o recorte temporal da análise está focado no período “desenvolvimentista” da trajetória econômica brasileira (1930-1988) e nas transformações advindas do final da Guerra Fria nos anos 1990. De forma complementar, parte-se de uma contextualização analítica do perfil da construção do Estado Nacional na América Latina e da formação cíclica da economia brasileira de forma dependente. Entende-se que, para a compreensão das dinâmicas do desenvolvimento brasileiro, é necessária uma análise que aponte os reflexos duradouros da construção estrutural do país. No entanto, para os fins dessa pesquisa sobre poder infraestrutural, inicia-se a análise mais ampla e holística dos processos dessa formação a partir do período “desenvolvimentista”. Esse recorte justifica-se pela confluência entre a revolução industrial tardia no Brasil e o aumento dos investimentos em infraestrutura, em vista à necessidade de uma nova forma de inserção capitalista do país, ainda que de forma periférica – há, nesse contexto, uma aplicação prática e estratégica da infraestrutura enquanto recurso de poder.

De acordo com os aspectos a serem analisados, a adversidade reside no fato de que a construção do complexo infraestrutural no Brasil e na região ter servido principalmente enquanto recurso de poder às grandes potências extrarregionais. Apesar de muitas vezes fazer parte de uma “Grande Estratégia” à brasileira – cujo caráter estratégico é cíclico, com grandes entraves à coordenação dos atores e frequentemente sob interesses externos –, será analisado

como os principais projetos de infraestrutura do país foram constituídos a partir do posicionamento periférico do Brasil em relação ao centro hegemônico.

Mesmo quando esses projetos preservavam um caráter mais autônomo, havia uma substantiva lacuna de uma infraestrutura estratégica em prol de um desenvolvimento mais amplo – isto é, que tivesse transbordamentos à melhoria das condições sociais nas diferentes regiões do país. Assim, analisa-se um período cuja integração nacional era valorizada pelo planejamento governamental – qual seja, a interligação de transportes, energia e comunicações era fundamental para esse fim; mas era fundamental também às grandes multinacionais que se instalavam no país na nova fase de competição capitalista transnacional do pós-Segunda Guerra Mundial. O processo de desmonte dessa “Grande Estratégia” industrial e infraestrutural é facilmente realizado a partir das transformações advindas do final da Guerra Fria e da implementação do neoliberalismo na periferia do sistema internacional. Historicamente, no Brasil, a ideia de uma infraestrutura enquanto recurso de poder para o desenvolvimento orgânico ocorre de forma esporádica, aparecendo de forma mais central ao crescimento econômico do país.

Para que a infraestrutura tenha impactos positivos sobre o desenvolvimento econômico, superando os limites do crescimento econômico, é necessária uma simbiose entre Estado, elites internas e capital externo, sob coordenação estratégica do primeiro. Desenvolvimento, nessa perspectiva, corresponde a um fenômeno amplo, sustentável e bem distribuído entre todas as camadas e setores de uma economia, com impactos positivos sobre índices sociais. Crescimento econômico, por sua vez, é apenas um número, expresso em aumento do produto interno bruto e da renda per capita, sem reflexos diretos sobre a distribuição de renda, a mobilidade social e o acesso de todas as classes a serviços públicos fundamentais.

Enquanto o desenvolvimento é um processo histórico, o crescimento reflete uma condição conjuntural de aumento da produção e da renda. Celso Furtado (2004, p. 484) afirma que o “crescimento econômico, tal como o conhecemos, vem se fundando na preservação de privilégios das elites que satisfazem seu afã de modernização; já o desenvolvimento se caracteriza por seu projeto social subjacente”. Consequentemente, “o desenvolvimento compreende a ideia de crescimento, superando-a” (FURTADO, 1967, p. 74). Nas palavras de Tavares:

Desenvolvimento, assim a seco, não quer dizer nada. Tem que ser econômico ou econômico-social, sem os adjetivos não vai. Mas mesmo desenvolvimento econômico não quer dizer só crescimento, absolutamente. Se você não cuida da distribuição de renda, do emprego, dos recursos naturais, da autonomia do Estado em relação às potências hegemônicas, não está fazendo desenvolvimento, está fazendo o contrário.

Está sendo dependente, desigual e predador, que foi o desenvolvimento do Delfim Netto – o Milagre –, que foi uma barbárie. (TAVARES, 2010, p. 16)

Conforme a tese de Caio Prado Jr., em “História Econômica do Brasil” (1945), o fato de o Brasil ter se desenvolvido em ciclos de acumulação e declínio é, em grande parte, explicado por questões que são estruturais à formação socioeconômica do país. Esta pesquisa parte da premissa de que o padrão da colonização e a formatação das relações de classes no Brasil formaram uma organização social, econômica e política essencialmente primária, desigual e dependente ao exterior (PRADO JR, 2008; TAVARES, 1972; FURTADO, 1964), que constituiu o território brasileiro enquanto “o melhor negócio do mundo”. Dotado de abundantes recursos naturais, amplo litoral e mercado em ascensão, a interligação aos interesses externos