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Mapa 21 – Infraestrutura óptica do COSIPLAN (2016)

1.1 Hegemonia, poder e riqueza: uma discussão teórica pela leitura da Escola Brasileira de

1.1.1 Debate clássico da EPI: teoria da estabilidade hegemônica, governança e regimes

A EPI surge no mundo anglo-saxão no início dos anos 1970 como uma nova disciplina acadêmica, no contexto de crise cambial do padrão-dólar e da derrota dos EUA no Vietnã (OZKAN, 2012). De acordo com Robert Cox (1981), a EPI anglo-saxã nasce das crises da década como uma Problem-solving theory6. A primeira agenda de pesquisa da EPI foi o suposto

5 Segundo Cepal (1951, p.1), “Dentro dessa periferia, o progresso técnico só se dá em setores exíguos de sua imensa população, pois, em geral, penetra unicamente onde se faz necessário para produzir alimentos e matérias- primas a custo baixo, com destino aos grandes centros industrializados

6 Segundo Cox (1981), uma teoria pode servir a dois propósitos diferentes. De um lado, pode funcionar, de modo

declínio da supremacia global dos EUA, a partir de teorias sobre as “hegemonias mundiais” e análises sobre a “ascensão e queda das grandes potências”. Ou seja, a EPI surge de um diagnóstico, de uma crise econômica e política de dimensão internacional que poderia levar a uma conjuntura similar à década de 1930, pós-crise de 1929, a qual culminou na ascensão do nazifascismo e na Segunda Guerra Mundial (FIORI, 2000).

Em grande medida, a reflexão sobre hierarquia nas relações internacionais permeia o debate sobre ordem e poder no Sistema Internacional (COHEN, 2014; 2008b; CLARK, 1989; 2011; BLACK, 2008; STRANGE, 1987). Historicamente, apesar do caráter predominantemente anárquico, observamos que o Estado mais poderoso, ou coalizão de Estados, tende a estabelecer um ordenamento, ao qual ficam submetidos os demais Estados (BULL, 2002; WATSON, 1992; IKENBERRY, 2001; STRANGE, 1987). A análise acerca do comportamento do hegêmona e da hierarquia que estrutura o Sistema Internacional encontra duas respostas principais na EPI, a Teoria da estabilidade hegemônica e a Teoria do poder estrutural.

Autores como Gilpin (1981), Keohane (1984) e Lake (2009) defendem que a interação típica das ordens hegemônicas tem como premissa a função estabilizadora do hegêmona7. Nesse sentido, o Estado hegemônico seria responsável por fornecer uma estrutura político- institucional permissiva, sob a qual as interações econômicas e políticas ocorrem de modo mais estável. Esses bens públicos providos pelo Estado hegemônico, portanto, incluem a governança8 em um sentido mais amplo e a própria segurança internacional. A lógica do argumento já estava presente em Kindleberger (1973), e diz respeito à ideia de que nos dois

perspectivas que moldaram o ponto de partida da análise em questão. A esse modelo corresponde a “Problem-

solving theory”, ou teoria de solução de problemas. Essa perspectiva teórica, avalia o mundo tal como o encontra,

com as hierarquizações sociais e políticas derivadas das históricas disputas por poder, como a estrutura que condiciona o comportamento das unidades. O objetivo desse perfil de perspectiva teórica é contribuir com as discussões sobre como o sistema pode funcionar de modo mais eficiente e como os atores pode lidar com eventuais problemas que apareçam. As teorias clássicas das RI, tais como o realismo e o liberalismo, se enquadram como uma Teoria de Solução de Problemas. De outro lado, entretanto, existem perspectivas teóricas mais reflexivas quanto à teorização em si. A essas correspondem as “Critical Theory”, ou Teorias Críticas em português. Essas perspectivas teóricas preocupam-se em questionar como as estruturas sociais e políticas são formadas e não partem de categorias analíticas dadas. Ou seja, os parâmetros das ações das unidades, que para a Teoria de Solução de Problemas já estão estabelecidos, para a Teoria Crítica também é objeto de análise e reflexão teórica.

7 Edward Carr (1939) e Raymond Aron (1962) também já haviam alertado sobre a necessidade de um “super-

Estado” (visão hobbesiana) ou “Estado Universal” (visão kantiana), mas eles estavam se referindo à paz, e não ao bom funcionamento da economia internacional, como fazem Kindleberger e Gilpin.

8 Apesar de o conceito de governança global ser, em certo sentido, polissêmico, segundo Keohane (2003, p. 3),

governança global pode ser definida como “as the making and implementation of rules, and the exercise of power,

within a given domain of activity. ‘Global governance’ refers to rule-making and power-exercise at a global scale, but not necessarily by entities authorized by general agreement to act. Global governance can be exercised by states, religious organizations, and business corporations, as well as by intergovernmental and nongovernmental organizations. Since there is no global government, global governance involves strategic interactions among entities that are not arranged in formal hierarchies.”

últimos séculos existiria uma correlação possível entre o predomínio das Grandes Potências e uma tendência de estabilidade do sistema (VILLA; GASPAR, 2018). Esse debate ganhou força dentro da EPI, especialmente no contexto de mudanças da década de 1970, quando se imaginava que a socialização dos Estados passava por mudanças estruturais em virtude da conjuntura internacional – que aparentava indicar uma tendência de declínio relativo dos EUA (RAVENHILL, 2008).

Charles Kindleberger (1973), na obra “The World in Depression (1929-1939)” aborda o contexto pós-Primeira Guerra Mundial, no qual a Inglaterra, segundo o autor, deixa de exercer um papel estabilizador de hegêmona. Essa conjuntura se soma a uma política externa isolacionista por parte dos EUA, que optaram por se afastar da governança global. Segundo o autor, esse vácuo de poder teria levado à crise de 1930 e à Segunda Guerra Mundial. Gilpin (1975) e Krasner (1976) desenvolveram essa tese, formando um corpo de ideias que Keohane (1980) definiu como “teoria da estabilidade hegemônica”: “na ausência de uma potência liberal dominante, a cooperação econômica internacional mostrou-se extremamente difícil de ser alcançada” (GILPIN, 1987, p. 88). A preocupação comum central entre esses autores era a restauração de uma ordem internacional liberal e estável, que só poderia ser alcançada sob a hegemonia dos EUA. Para Gilpin (1975) e Kindleberger (1973), teóricos da estabilidade hegemônica, a hegemonia estaria fundamentada em capacidades materiais através do controle sobre recursos estratégicos, investimento, tecnologia, armas, informação e acesso aos mercados internacionais.

De modo oposto, para os estruturalistas, como Susan Strange (1988), a hegemonia seria definida pelo controle do “poder estrutural”, o qual está assentado em quatro pilares: segurança, produção, crédito e conhecimento. É esse controle que dotaria à hegemonia a capacidade de organizar as estruturas do sistema econômico e político global. Por essa mesma perspectiva, não haveria necessidade de existência de um poder hegemônico para estabilidade do sistema internacional. O equilíbrio de poder seria mais efetivo em controlar as arbitrariedades e imposições de uma autoridade hegemônica, balizando as relações interestatais. Susan Strange (1988) cria o termo “poder estrutural” para definir o tipo de influência que os EUA exercem no sistema, dada sua supremacia política, militar, ideológica e, principalmente, econômica, tendo o dólar como principal moeda na economia mundial. A autora afirma que é através deste poder estrutural que os EUA se mantêm no topo da hierarquia do sistema, controlando os regimes e instituições de acordo com seus próprios interesses expansivos.

Susan Strange (1987), dessa forma, empreendeu uma crítica à teoria da estabilidade hegemônica, ao mostrar que as crises do sistema internacional foram causadas principalmente pelos fatores internos concernentes à economia e à sociedade do país hegemônico, e menos devido à contestação dos demais países que compõem o sistema. Nesse sentido, “demonstra historicamente que na maioria dos casos o comportamento dos países hegemônicos se orientou pelos seus próprios interesses nacionais, por vezes transformando-se mais em obstáculo do que em condição de estabilidade internacional” (FIORI, 2005, p. 62).

Para Gilpin (2001) um hegêmona é uma condição necessária, mas não unicamente suficiente, para o estabelecimento e manutenção de uma ordem econômica liberal no sistema internacional. O autor baseia-se na Teoria dos Cartéis, a partir de Eichengreen (1995), que foi criada para explicar por que um hegêmona teria interesse em facilitar a cooperação em âmbito internacional. O autor apoia-se no exemplo dos cartéis para argumentar que se torna muito mais fácil manter um cartel (ou uma cooperação em determinada área de interesse) quando há uma figura dominante que força os demais a permanecerem cooperando e cumprindo as regras pré- estabelecidas. Na ausência dessa potência dominante, é muito provável que outros atores passem a disputar o papel de organizar o sistema, aumentando o potencial de conflito (GILPIN, 2001; EICHENGREEN, 1995). Por outro lado, a influência exercida pelo hegêmona também pode ser um catalisador para a mobilização de forças de Estados menores para confrontar essa estrutura de poder (GILPIN, 2001). Ou seja, a ação de Estados relativamente menos poderosos também importaria para a criação e sustentação de uma ordem econômica liberal.

Gilpin (2001) afirma que as ideias de Eichengreen foram as bases para a explicação de por que a queda dos EUA na crise de 1929 contribuiu para o fortalecimento das negociações bilaterais e dos arranjos regionais que tinham como objetivo fugir da dominância “estilo cartel” exercida pelos EUA. As dinâmicas da economia internacional orbitariam em torno de uma potência hegemônica, mas isso não quer dizer que sempre seriam convergentes com ela. A influência exercida pelo hegêmona pode ser inclusive um catalisador para a mobilização de forças de Estados menores para confrontar essa estrutura de poder.

A teoria também trata do papel da infraestrutura para a hegemonia. Robert Gilpin menciona o papel da infraestrutura, especialmente de transportes, como um fator determinante para a ascensão de uma potência. Conforme destaca Gilpin, a infraestrutura nacional é utilizada para extrair tributos e manter a ordem no território do Estado. Segundo o autor:

A ascensão de grandes impérios e as eras de unificação política parecem estar associadas com fortes reduções no custo de transporte. [...] ao facilitar a habilidade de um poder dominante ou imperial de extrair e utilizar a riqueza de um território

conquistado, tais inovações tecnológicas [de infraestrutura] criaram economias de escala e vantagens para grandes Estados. Elas facilitaram as ações da autoridade local de suprimir rebeliões e subordinar lideranças locais (GILPIN, 1981, p. 57, tradução nossa).

A infraestrutura, nesse contexto, possui um caráter essencialmente econômico, atua como instrumento de estabilização e mecanismo auxiliar no processo de acumulação primitiva interno aos Estados. Apesar de o enfoque da EPI estar na análise das capacidades de liderança, através da avaliação das capacidades do hegêmona em fornecer bens públicos, e dos padrões de mudanças na economia internacional, pelo lente da relação disso com as estruturas hegemônicas (LAKE, 1993), a infraestrutura não é enquadrada diretamente como parte do rol de bens públicos estruturada pela potência hegemônica, compõe a organização interna da economia, uma espécie de vantagem comparativa.

De acordo com Gilpin (2001), no entanto, a criação da teoria dos regimes internacionais9 foi basicamente uma resposta à teoria da estabilidade hegemônica, que tinha como objetivo provar que seria possível a manutenção de uma ordem internacional liberal mesmo frente a uma possível queda dos EUA no sistema internacional (GILPIN, 2001). O livro After Hegemony de Keohane (1984) é uma das principais obras a adotar essa perspectiva e a demonstrar que a cooperação internacional manifestada nos regimes internacionais se manteria mesmo com o eventual fim da hegemonia estadunidense devido ao interesse dos demais países em manter as estruturas vigentes e diminuir custos de transação.

Ainda assim, Susan Strange (1982) tece uma das principais críticas à teoria dos regimes, apontando que perspectiva teórica dos regimes seria (no ponto mais positivo) uma moda passageira dos anos 70, e (no ponto mais negativo) um mecanismo que tinha a função de apenas reafirmar e legitimar a dominação dos EUA sobre a economia mundial. Strange afirma isso com o argumento de que mesmo com seu alcance supranacional, os regimes nunca tiveram caráter neutro, e sim, foram criados em favor dos EUA, sejam em termos políticos, econômicos, ideológicos e/ou diplomáticos, e só têm a força que têm graças aos interesses e esforços empenhados pela potência hegemônica em disseminar estes regimes no ambiente internacional.

9 Segundo Haggard e Simmons (1987), a Teoria de Regimes tentou contribuir para o debate sobre instituições

internacionais e governança definindo um foco que não era tão amplo quanto a estrutura internacional, nem tão estreito quanto o estudo de organizações/instituições formais. Os teóricos dos regimes assumiram que os padrões de ação do Estado são influenciados por normas, mas que esse comportamento era totalmente convergente com a busca de interesses nacionais. A literatura sobre regimes pode ser vista como uma tentativa de aproximar as tradições idealistas e realistas. Stephen Krasner (1982, p.186) buscou encontrar um balanço entre "ordem" e compromissos explícitos. Mais do que isso, o autor enfatiza a dimensão normativa da política internacional. Desse modo, Krasner define um regime como "princípios implícitos ou explícitos, normas, regras e procedimentos de tomada de decisão em torno dos quais as expectativas dos atores convergem em uma determinada área das relações internacionais".

Afirma ainda que grande parte dos problemas econômicos contra os quais os Estados lutam, e para os quais os regimes foram a “solução”, são originados justamente nas práticas econômicas predatórias da ordem estabelecidas pelo centro hegemônico. A autora critica também a postura muitas vezes parcial dos regimes, que condena práticas como dumping e quebra de patentes de propriedade intelectual em quaisquer outros países, mas permite que os EUA as façam sem quaisquer punições10. Nesse sentido, segundo a mesma autora, o problema é justamente a ausência de punições a determinados Estados que os descumprem, tornando sua efetividade e existência perfeitamente contestáveis.

Gilpin (2001) também questiona a eficiência e eficácia dos regimes no que tange à preservação da estabilidade do sistema econômico, à promoção da cooperação e à resolução de conflitos pela via pacífica. O ponto que é levantado por Gilpin e pelos demais teóricos críticos da teoria dos regimes é que sim, estas metas existem por parte dos Estados envolvidos nos regimes, mas o que acontece é que dada a natureza destes regimes – que se desdobram mais como macropolíticas internacionais de potências hegemônicas do que como instrumentos supranacionais de ação –, eles acabam por criar/preservar ainda mais instabilidades e assimetrias entre os Estados, não sendo efetivos frente a seus objetivos.

Para Gilpin (2001), os regimes falham em criar as estruturas para a governança internacional por não conseguirem prover a principal necessidade da governança: o poder para forçar a adesão/cumprimento e para punir aqueles que não cumprem as regras estabelecidas. Os regimes seriam, para o autor, baseados em decisões políticas e na cooperação, não havendo elemento coercitivo que force os Estados a cumpri-los, embora haja constrangimentos àqueles que não os cumprem.

A partir das ideias de Charles Kindleberger (1973), os regimes econômicos seriam incapazes de funcionar sem uma liderança forte ou um hegêmona, pois é o constrangimento causado pelo hegêmona que compeliria os Estados à cooperação e previne o descumprimento das normas propostas. Por essa perspectiva, o papel do hegêmona no sistema econômico também seria o de controlar os ciclos de crise e reerguer a economia em seus momentos de recessão. Gilpin (2001) cita o exemplo da Grande Depressão para explicar que a proporção de

10 Dentre os regimes que se incluem na crítica acerca da assimetria, pode-se incluir o regime de não-proliferação

nuclear, materializado através do Tratado de Não-Proliferação Nuclear (TNP). A perspectiva que permeou a estruturação do TNP esteve assentada no congelamento de poder e na definição de um tratado que atribuiu a uns Estados o rótulo de responsáveis, enquanto a outros se impossibilitou o mesmo acesso a tais tipo de artefatos. Independente da discussão sobre o uso ou não de armas nucleares e seus impactos no Sistema Internacional, o regime de não-proliferação é vertebrado a partir de uma perspectiva assimétrica. Assim, corrobora a crítica de Susan Strange.

seus efeitos se deve ao fato de que não havia no momento uma potência forte o suficiente para reerguer o sistema econômico mundial. Gilpin (1987, p. 88), sintetiza as ideias de Kindleberger ao afirmar que “a experiência histórica sugere que, na ausência de uma potência liberal dominante, a cooperação econômica internacional mostrou-se extremamente difícil de ser alcançada ou mantida”.

Dessa forma, Kindleberger (1973) e Gilpin (1987; 2001), ao contrário do que pregam alguns teóricos liberais como Keohane (1984) e Krasner (1977), notam que os regimes econômicos seriam incapazes de funcionar sem uma liderança forte ou um hegêmona, pois seria o constrangimento causado pelo hegêmona que compeliria os Estados à cooperação e preveniria o descumprimento de suas normas. Com efeito, segundo Kindleberger (1973, p. 304), cuja tese tinha uma natureza claramente normativa, o bom funcionamento de “uma economia liberal mundial necessita de um só país estabilizador”.

O autor estabelece algumas funções essenciais que um hegêmona deve desenvolver para que o sistema econômico liberal siga em pleno funcionamento: (1) manter os fluxos de capital para os países subdesenvolvidos; (2) controlar as taxas de comércio e de câmbio, pelo menos das principais divisas; e (3) estabelecer arranjos macroeconômicos que abarquem todos os Estados envolvidos (KINDLEBERGER, 1973). Seria necessário, portanto, a coordenação de um país sobre o sistema internacional, que provesse “bens públicos” essenciais ao seu desempenho, tais como uma moeda internacional que garantisse o livre-comércio e a coordenação das políticas econômicas (FIORI, 2005). Além disso, em tempos de crise, o hegêmona deveria abrir seus mercados e servir como reserva na falta de suprimentos e ter capacidade para reerguer a economia mundial em caso de uma crise financeira global. Na ausência de um líder com estas capacidades, os efeitos de uma crise poderiam ser muito mais duradouros, conforme Kindleberger (1973). Nessa linha, Gilpin (2001) cita o exemplo da Grande Depressão para explicar que seus efeitos só alcançaram as proporções que tiveram, porque não havia no momento uma potência forte o suficiente para reerguer o sistema econômico mundial. No entanto, vale ressaltar que, segundo Kindleberger (1973), embora o hegêmona tenha esse papel, não quer dizer que irá exercê-lo benevolentemente ou altruisticamente; o mais provável é que use dessa sua posição como ferramenta de pressão para atingir seus interesses políticos, econômicos e até mesmo militares através do respectivo regime.

No debate sobre “governança global”, portanto, alinharam-se de um lado os realistas ou neorrealistas, que deram início às análises. Pertencentes a esse grupo, Gilpin e Kindleberger

discutiram a origem dos Estados hegemônicos. O poder, nessa perspectiva, estaria assentado em capacidades materiais e no controle sobre matérias-primas estratégicas, investimentos, tecnologias, armas e informações. Susan Strange dialoga com essa leitura sobre o poder, reconhecendo a existência de “poderes estruturais globais”, cujo controle das potências dominantes permitiria a indução do comportamento dos demais países do sistema sem a necessidade de uso da força.

Já o grupo de autores marxistas ou neomarxistas11, como Arrighi (1994) e Wallerstein (1974), analisa a história do sistema mundial dos últimos quinhentos anos, concluindo que o elevado grau de competição entre os Estados – especialmente na Europa – somente não engendrou em um caos político e econômico irreversível devido ao comando das sucessivas potências hegemônicas que foram capazes de organizar e governar o funcionamento desse sistema formado na Europa no século XVI12.

Pela perspectiva liberal ou neoliberal, como em Keohane e Nye (1977), essa perspectiva harmônica entre os Estados aparece quando se discute a perda de importância dos Estados nacionais e a possível ascensão de uma nova ordem política e econômica mundial, assentados em “regimes supranacionais” legítimos. Segundo os autores, os regimes poderiam, ao contrário da perspectiva de Arrighi, funcionar mesmo sem a organização e condução de uma potência hegemônica.

Fiori (2005), por sua vez, busca extrair premissas teóricas acerca das condições reais sob as quais pode haver governabilidade global, para além de um ideal cosmopolita kantiano. Para Fiori, a própria história do sistema internacional refuta a teoria da estabilidade hegemônica: “Como se o ‘hegemon’ fosse um ‘ente virtual’ mais do que real, uma espécie de exigência funcional do sistema político criado pela Paz de Vestfália e do sistema econômico criado pela expansão e globalização das economias nacionais europeias” (FIORI, 2005, p. 63-

11 O termo “neomarxismo” é utilizado nas ciências sociais para tratar de análises que derivam do pensamento de Karl Marx, mas incluem complementos teóricos, ou incorporam aspectos de outras tradições intelectuais. Em uma perspectiva mais fluida, escolas como a do capital monopolista, os teóricos da dependência e pensadores do Sistema-Mundo. No caso das Relações Internacionais, autores como Robert Cox e Andrew Linklater são expoentes da vertente neomarxista, através da Teoria Crítica – perspectiva teórica que absorve perspectivas marxistas e da Teoria Crítica (CASTRO, 2012; OXFORD, 2021).

12 Arrighi (2003, p. 13) apresentou a discussão do seguinte modo: “Em uma crítica desse uso anacrônico do termo, enfatizei como o estabelecimento da hegemonia dos Estados Unidos depois da Segunda Guerra Mundial erodiu o verdadeiro explicandum das teorias clássicas do imperialismo, qual seja, a tendência De a competição