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Fonte: Brasil (2017).

O projeto da Transamazônica, uma das maiores obras do período militar, fez parte de uma política que ficou conhecida pelo lema “Integrar para não Entregar” (GARCIA, 2017). A política brasileira do regime militar para Amazônia é sustentada em três processos complementares: (i) solidificação do controle brasileiro sobre a região estratégica da Amazônia em um contexto de pressões externas para internacionalização do território; (ii) consolidação da ideologia rodoviarista que resulta em um projeto bastante ambicioso para época e sem considerar as vantagens de um sistema de transporte multimodal entre ferrovias, hidrovias e rodovias, que respeitasse a realidade geográfica, ambiental e social da região; e (iii) início de um processo de estreitamento de relações com os vizinhos da região amazônica, que em 1978 culminaria na formação da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA)64 (VIZENTINI, 2004; MATTOS, 1980). Outro importante projeto da época foi a assinatura do acordo para construção de uma usina nuclear em Angra dos Reis, em 1972, entre Brasil e EUA. A usina seria construída pela empresa norte-americana Westinghouse. Por esse acordo, Angra

64Criada em 3 de julho de 1978, a Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA) é um bloco socioambiental formado pelos Estados que partilham o território Amazônico: Brasil, Bolívia, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela. O tratado previa u esforço coordenado para o desenvolvimento e sobrevivência da Amazônia (GONÇALVES, MIYAMOTO, 1993). Com população de aproximadamente 38 milhões de pessoas, a Amazônia ocupa 40% do território sul-americano e abriga a maior floresta do mundo, habitat de 20% da fauna e flora existentes no planeta. A Bacia Amazônica contém cerca de 20% da água doce da superfície do planeta. O Ciclo Hidrológico Amazônico alimenta um complexo sistema de aquíferos e águas subterrâneas, que pode abranger uma área de quase 4 milhões de km² (BRASIL, 2020).

I seria empreendida através do sistema turn-key, sem transferência de tecnologia (GARCIA, 2017).

O período 1968-1973, usualmente definido como o “Milagre Econômico Brasileiro”, foi caracterizado pelas maiores taxas de crescimento do PIB na história recente do Brasil, acompanhadas por relativa estabilidade de preços, apesar do elevado aumento da concentração de renda e da pobreza (SINGER, 1985). A taxa média de crescimento situou-se acima dos 10% ao ano, com destaque para a produção industrial e para a atuação do Ministro da Fazenda, Antônio Delfim Netto. Esse contexto favorável foi decorrência justamente das reformas institucionais e da recessão do período anterior, as quais geraram uma capacidade ociosa no setor industrial e as condições necessárias para retomada da demanda, que foram somadas ao crescimento da economia mundial como um todo (LACERDA et al., 2010).

As reformas do Plano de Ação Econômica do Governo (PAEG), lançado já no primeiro ano de governo Castelo Branco (1964-1967), alteraram praticamente todo o quadro institucional vigente na economia brasileira, adaptando-se às necessidades geradas pelo desenvolvimento industrial do país (GREMAUD et al., 2011). Dessa forma, foi planejada a retomada do crescimento a partir da viabilização de uma maior intervenção do Estado na economia, a qual se mostrou eficaz na preparação do terreno para o “Milagre Econômico”. O PAEG, apesar de ser conhecido por “formar as bases” do “Milagre”, é marcado por políticas de arrocho salarial, baseadas em um diagnóstico de inflação por demanda – que se mostrou errôneo –, e estas acabam por estruturar o aumento vertiginoso da concentração de renda desse período (VELOSO; VILLELA; GIAMBIAGI, 2008).

O Estado investiu principalmente em indústria pesada, siderurgia, petroquímica, construção naval e geração de energia hidrelétrica, com grande destaque para as empresas estatais. O sucesso da política econômica se evidenciou com o crescimento da produção de bens de consumo duráveis no Brasil, o qual alcançou a taxa média de 23,6% ao ano e o de bens de capital 18,1% (VIZENTINI, 2004). Esse panorama de crescimento é drasticamente interrompido com o primeiro choque do petróleo em 1973, que mergulha a economia global em uma forte crise econômica e põe em xeque o “milagre” econômico dos anos anteriores (SOUTO-MAIOR, 2006).

Consolidada a aliança com os Estados Unidos e o arco amazônico sendo considerado “fronteira morta”, o Brasil se direciona para cuidar das “fronteiras vivas”, ao sul do país, a fim de controlar potenciais tensões e garantir a hegemonia diante da Argentina. A atuação regional do Brasil, de acordo com Zibechi, ameaça invadir o Uruguai; participa do golpe de Estado na

Bolívia, garantindo, por meio de acordos, o controle de recursos naturais na região; acerta a construção de Itaipu para atrair o Paraguai e isolar a Argentina, tomando, de quebra, um espaço estratégico do território paraguaio (ZIBECHI, 2012).

Para Cervo e Bueno (2011), durante o governo Médici, o relacionamento com a América Latina se tornou contraditório. Por um lado, buscava-se estreitar a associação aos Estados Unidos. Por outro, reforçavam-se as iniciativas bilaterais com os vizinhos, por meio do aumento da projeção de influência do Brasil na região. Foram empreendidos muitos projetos de ligação infraestrutural e o Brasil passou a fornecer crédito a suas exportações. O Tratado Bacia do Prata (1969) com Argentina, Paraguai, Uruguai e Bolívia seria um valioso exemplo desse processo, que afirmava “promover o desenvolvimento harmônico e a integração física da Bacia do Prata e de suas áreas de influência” (CERVO; BUENO, 2011, p. 446). No entanto, essa conjuntura regional foi marcada muito mais por atritos acerca do aproveitamento dos rios, principalmente com a Argentina. Para os autores, no entanto, não havia razão “[...] pelo temor que lhe impunham as visões geopolíticas de Golbery do Couto e Silva, que pouca ou nenhuma influência exerciam sobre a política externa brasileira.” (CERVO; BUENO, 2011, p. 447).

O governo de Ernesto Geisel (1974-1979) se iniciou em um cenário bastante distinto ao de seu antecessor, marcado por uma crise econômica devido à abrupta elevação nos preços do petróleo (de US$3,37 para US$11,25 por barril em cinco meses), recessão nos países industrializados e expressiva queda no investimento externo e nas importações brasileiras (VIZENTINI, 2004). Esse quadro remete à crise do petróleo, a qual foi desencadeada em um contexto de déficit de oferta, com o início do processo de nacionalização e de uma série de conflitos envolvendo os principais produtores de petróleo da OPEP, resultando em uma prolongada recessão nos Estados Unidos e na Europa que desestabilizou a economia global (SOUTO-MAIOR, 2006).

Segundo dados apresentados por Gremaud et al. (2011), o crescimento do PIB brasileiro que já vinha diminuindo desde 1971 foi fortemente afetado pela crise, passando para a média de 6,5% ao ano no período do governo Geisel - sendo que durante o “Milagre” as taxas variaram de 10% a 13%. A balança comercial brasileira a partir de 1974 apresentou enormes déficits, causados principalmente pela importação de petróleo que ultrapassaram US$ 4 bilhões ao ano e, dessa forma, a capacidade de geração de divisas tornou-se insuficiente para sustentar o ritmo do crescimento. Uma das principais consequências da crise para o Brasil foi a significativa aceleração da taxa de inflação, a qual passou de 15,5% em 1973 para 34,5% em 1974. No final da década, a inflação chegou a 94,7% ao ano (GREMAUD et al., 2011).

O II PND foi lançado, assim, com a finalidade de dar um novo rumo ao desenvolvimento brasileiro, passando a dar prioridade ao aumento da capacidade energética e da produção de insumos básicos e de bens de capital. Segundo Pedro Fonseca (2010a), O II PND se propunha a realizar um ajuste estrutural para reorganizar as bases da economia brasileira, ao contrário dos ajustes conjunturais que predominavam à época nos outros países em recessão. O autor assinala que o sucesso do II PND dependia de grande volume de recursos e de financiamento de longo prazo. Grande parte destes financiamentos foi conseguida com os petrodólares e outra parte veio das linhas públicas de crédito, com destaque para o BNDE. Nesse sentido, Mantega (1997) ressalta que o II PND foi concebido como um investimento que se pagaria apenas no longo prazo, ou seja, o Brasil teria de aceitar o seu endividamento por algum tempo antes de ter retornos. No entanto, não se contava com o aumento brusco das taxas de juros internacionais, que tiveram enorme impacto sobre as contas públicas nacionais (CASTRO; SOUZA, 1985). Sendo assim, conforme análise de Gremaud, Vasconcellos e Toneto (2011), o plano teria conseguido um êxito parcial, uma vez que a industrialização foi alcançada e os ajustes estruturais foram feitos, mas resultaram em uma elevação insustentável da dívida externa, culminando na moratória ao final de 1982.

Independente das consequências do endividamento, a busca por diversificação e autonomia energética foi uma das principais características do II PND, tendo em vista o quadro internacional de crise do petróleo (insumo fundamental para a matriz energética do processo de industrialização), como colocam Gremaud, Vasconcellos e Toneto (2011), Fonseca (2010a), Cervo (2008) e Mantega (1997). Assim, foram implementados diversos projetos com esse intuito nos setores de hidroeletricidade, energia nuclear, biocombustíveis e gás natural.

Em 1975 foi criado o Programa Nacional do Álcool (PROALCOOL), que se constituía em um programa de substituição em larga escala da utilização da gasolina por álcool anidro, biocombustível advindo da cana de açúcar. Pretendia-se que o petróleo fosse substituído como combustível-base da frota de veículos automotores em circulação no Brasil e que se fomentasse a indústria nacional do açúcar ao mesmo tempo (FLORES, 2010). A indústria foi dinamizada, mas a despeito de incentivos para a agricultura familiar de cana de açúcar por um modelo de minidestilarias, o programa acabou gerando mais concentração fundiária, desemprego e exclusão social (NITSCH, 1991; FLORES, 2010). Flores (2010) informa que, sob o manto do PROALCOOL, foram criadas linhas de financiamento do BNDE a baixos custos, na prática dando subvenção governamental para a instalação e a ampliação de usinas de destilarias para a produção do álcool no Brasil. A autora também comenta que, na mesma época, foi estabelecida

a utilização do álcool em mistura com a gasolina bem como combustível exclusivo de automóveis. Nesse sentido, o próprio setor automobilístico teve de se adaptar: em 1978 foram produzidos os primeiros veículos movidos a álcool e já no início dos anos 1980 eram produzidos mais veículos a álcool do que a gasolina (FLORES, 2010). Nitsch (1991, p. 129) também informa que se desenvolveu no Brasil “[...] uma indústria de bens de capital muito eficiente e competitiva no campo das destilarias e outros equipamentos relacionados.” e que esse teria sido um dos efeitos do PROALCOOL mais positivos para o desenvolvimento nacional, botando o país na linha de frente na produção de bens sofisticados relacionados a biocombustíveis e outras fontes energias (mais) sustentáveis.

Também o desenvolvimento do setor de energia nuclear foi importante, porque, para tal, o Brasil teve de aceitar certo grau de fricção com os EUA, seu mais tradicional parceiro (SOUTO-MAIOR, 2006). Nesse contexto, destaca-se a controvérsia do Programa Nuclear Brasileiro em parceria com a Alemanha, que causou significativos atritos com os Estados Unidos e a denúncia do acordo militar entre os dois países que fora firmado em 1952 (GONÇALVES; MIYAMOTO, 1993; SOUTO-MAIOR, 2006). Em 1975, o Brasil assinara um acordo nuclear com a Alemanha visando a transferência de tecnologia e know-how na construção de três ultracentrífugas brasileiras, a importação de urânio enriquecido (QUINTELLA et al., 2016; GONÇALVES; RUIZ, 2016). A essa decisão pesaram diversos fatores, especialmente (i) a decisão unilateral dos Estados Unidos de cessarem o fornecimento de urânio enriquecido; (ii) o desenvolvimento de reatores nucleares pela Argentina; e especialmente (iii) a possibilidade de transferência de tecnologia que esse acordo assegurava. Contudo, o acordo é logo atingido por diversas dificuldades; a Alemanha é coagida pelo governo norte-americano a não enviar as ultracentrífugas para o Brasil e opta por transferir um jato centrífuga, de desempenho muito inferior (MALLEA; SPEKTOR; WHEELER, 2012; MONIZ BANDEIRA, 2010). Em 1979, dadas as dificuldades nas negociações de aquisição de tecnologia nuclear com outras nações, o governo militar brasileiro dá início, de maneira sigilosa, ao Programa Nuclear Paralelo, desenvolvido pela Marinha do Brasil em parceria com o Instituto de Energia Nuclear da USP, buscando possibilitar a construção de um submarino nuclear nacional (HENRIQUES, 2011).

No que tange às outras fontes de energia, é assinado, em 1974, um acordo de cooperação no qual a Bolívia ofertaria gás ao Brasil através de investimentos por parte da Petrobrás, que posteriormente, nos anos 1990, resultaria no Gasoduto Bolívia-Brasil (GASBOL). Em 1975 foi criado o “Pró-Álcool”, que se constituía em um programa de substituição em larga escala da

utilização da gasolina por etanol. Ademais, tem-se também a criação da Entidade Binacional de Itaipu em 1974 e o início das obras para a construção da Usina Hidrelétrica em janeiro de 1975.

Itaipu é marco do processo de integração física sul-americana. Em 1973, em virtude da visita do presidente paraguaio, Alfredo Stroessner, é assinado, em Brasília, o Tratado de Aproveitamento Hidrelétrico do Rio Paraná (ou Tratado de Itaipu). É aprovado também o Estatuto da Itaipu Binacional, empresa brasileiro-paraguaia, com igual participação de capital, responsável pela administração da futura hidrelétrica. A Argentina se opõe ao Tratado em função dos alegados efeitos de Itaipu sobre as projetadas hidrelétricas rio abaixo de Corpus e Yaciretá. O governo argentino defende o princípio da “consulta prévia” e leva o assunto aos fóruns multilaterais (GARCIA, 2017).

A ideia de utilizar o potencial hidrelétrico dos rios da Bacia do Prata vem do governo de Vargas, apesar de o projeto das Sete Quedas somente ter aparecido durante o governo Jânio Quadros (BATISTA; COSTA, 2009). Em 1962, o governo brasileiro decidiu iniciar uma série de estudos em relação à construção de uma grande usina hidrelétrica na região, que até então era origem de discórdia quanto às fronteiras entre Brasil e Paraguai. Assim que as autoridades paraguaias tomaram conhecimento dessa iniciativa brasileira, iniciaram-se negociações entre os dois países em busca de uma alternativa. Primeiramente, foi assinada a Ata das Cataratas, em 1966, que estabelecia que a energia elétrica produzida pelo rio Paraná seria dividida em partes iguais entre os dois países. Somente em 1973 a solução dada foi a construção de uma usina binacional no local (ESPOSITO NETO, 2013).

Para o Brasil, Itaipu representava uma maneira de suprir a crescente demanda energética de um período de grande desenvolvimento econômico e industrial, além de representar uma vitória em relação às fronteiras com o Paraguai. Já para o Paraguai seria um modo de garantir uma saída para o mar através do livre acesso ao Rio Paraná e de lucrar com a energia excedente que seria vendida ao lado brasileiro (MELO, 2007). Para a Argentina, o problema de Itaipu era considerado como de segurança nacional, pois poderia garantir o controle por parte do Brasil da foz dos rios que cruzavam as regiões mais ricas do país.

A dualidade intrínseca à posição brasileira se revelava com inteira nitidez nas relações com a Argentina. De um lado, o fim e propósito de não ceder às pressões para rever o projeto de Itaipu à luz dos interesses nacionais argentinos; de outro, a cautela em conduzir o difícil diálogo dentro dos limites do tolerável para ambas as partes, evitando assim a aproximação do ponto de ruptura. (GONÇALVES; MIYAMOTO, 1993, p. 236)

Em julho de 1977, divergências acerca de Itaipu culminaram no fechamento das fronteiras entre Argentina e Brasil, em um momento considerado crítico para as relações

bilaterais (GARCIA, 2017). Dois meses depois, iniciam-se formalmente as negociações tripartites para aproveitamento energético do Rio Paraná, dada a disputa causada pelos possíveis efeitos de Itaipu sobre o projeto das hidrelétricas argentinas a jusante da foz do Rio Paraná. No ano de 1979, Argentina, Brasil e Paraguai assinam o Acordo Itaipu-Corpus sobre coordenação técnico-operativa para o aproveitamento hidrelétrico. Assim soluciona-se definitivamente a disputa política em torno da utilização dos recursos energéticos da bacia do Rio Paraná. Nesse acordo são definidos pontos sobre a harmonização das barragens, vazão do rio, número de turbinas para Itaipu (18 no total) e compartilhamento de informações (MELO, 2007).

No quadro regional, se antes o Paraguai se movia entre Brasil e Argentina, foi Itaipu que encerrou esse ciclo de barganha paraguaia e garantiu a posição brasileira frente à Argentina. Assim, Itaipu foi realizada em estreita cooperação entre Brasil e Paraguai, dentro dos seus direitos soberanos de aproveitamento de um recurso natural compartilhado. Apesar das disparidades, comprova uma relação de confiança e de vontade conjunta dos vizinhos na consecução de seus objetivos comuns, servindo de exemplo como destacada obra da diplomacia e da engenharia dos dois países. Por outro lado, cabe ressaltar que foram justamente os atritos gerados entre as três partes envolvidas que podem ser considerados grandes marcos para o processo de integração sul-americana. Os acordos e tratados assinados durante a fase de negociações com o Paraguai, assim como o processo de solução de controvérsias com a Argentina, demonstram um importante passo para a aproximação entre os países vizinhos e para a concertação regional.

Além disso, Itaipu mantém sua importância nos quesitos de cooperação infraestrutural, energética e produtiva, que são fundamentais para garantir uma integração efetiva. O que antes parecia ser motivo para acirramento das disputas regionais acabou servindo muito mais como fator de aproximação de interesses e resolução de conflitos. Nos anos 2000, a Usina de Itaipu passou a representar um importante símbolo da integração sul-americana e se insere na política regional de busca pela diminuição das assimetrias entre os países, de forma a trazer desenvolvimento para o Paraguai e liderança para o Brasil, que tem, pela usina, uma posição de provedor logístico da região.

Segundo Pecequilo e Carmo (2015), até 1974 a América Latina era instrumentalizada como parte das políticas de desenvolvimento brasileiro, enquadrando-se na política externa multilateral-global do Brasil, não sendo tratada como prioridade. A partir de 1975, contudo, inicia-se um processo de “sul-americanização” da PEB, redefinindo sua escala de prioridades – fenômeno que perdurou até a primeira década dos anos 2000. Por essa via, o Brasil se

consolida como potência média65 e se diferencia como país de maiores capacidades, distanciando-se da competição argentina (que antecipa as políticas neoliberais ainda nos anos 1970), mas também aumentando os atritos com a potência dominante.

A partir de 1977, no Brasil, em meio à crise econômica com o lançamento do Pacote de Abril66, a aliança autoritário-modernizante entre o regime militar e, especialmente, a burguesia industrial, começa a ser rompida. Assim, inicia-se um novo ciclo que culmina na campanha das “Diretas Já” e na transição democrática. Nesse contexto, emergem pressões internacionais para o fim do regime militar lideradas pelo governo Carter, especialmente devido às violações do regime aos direitos humanos. Os Estados Unidos utilizam-se, paralelamente, do respaldo internacional para enfraquecer as políticas desenvolvimentistas e nacionalistas do Brasil como potência média recém industrializada (SENNES, 2003).

O governo Figueiredo (1979-1985) deu continuidade às políticas de Geisel e avançou naquilo que se tornaria uma das marcas da PEB por meio da maior aproximação regional. Até então, a integração regional era idealizada de forma hemisférica ou latino-americana. Por conseguinte, a criação da Hidrelétrica de Itaipu é considerada um marco da integração sul- americana, pois, além de iniciar o processo de superação das desconfianças Brasil-Argentina, solucionou um conflito regional através da criação de infraestrutura conjunta. Em 1980, Figueiredo visita a Argentina e se reúne com o presidente Jorge Videla. Desde 1935, um presidente brasileiro não visitava o país vizinho (GARCIA, 2017). Coroando o processo de reconciliação iniciado em 1979 com a assinatura do Acordo sobre Itaipu e Corpus, são assinados diversos convênios e protocolos de cooperação, inclusive na área de energia nuclear para fins pacíficos. Já em 1984, é estabelecido um mecanismo de consultas Brasil-Argentina em assuntos políticos e econômicos, e no mesmo ano é formalmente inaugurada a hidrelétrica de Itaipu (GARCIA, 2017). No ano seguinte, em 1985, como símbolo do avanço na questão energética, a usina nuclear de Angra I é inaugurada.

O cenário regional desde os anos 1980 já sugeria grandes transformações. No ano de 1980 é criada a Associação Latino-Americana de Integração (ALADI) em substituição à Associação Latino-Americana de Livre Comércio (ALALC). Em termos regionais, representa a crise do modelo de substituição de importações, cujo protecionismo do órgão extinto foi

65 De acordo com Ricardo Sennes (2003), em linhas gerais, potência média é aquele país que se encontra em uma faixa intermediária de recursos disponíveis, que lhe permitem desempenhar apenas papeis restritos, modestos e cuidadosamente escolhidos fora de sua própria região.

66 O Pacote de Abril foi composto por medidas de arrocho econômico. Além disso, dentre outras medidas, restringiu a atuação do congresso e instituiu os senadores biônicos, escolhidos diretamente pelo governo e que ocupariam um terço das vagas do Congresso.

considerado como empecilho ao avanço da integração comercial latino-americana. De acordo com Eugênio Vargas Garcia:

No Tratado de Montevidéu-1980, eliminou-se a obrigação de elaboração de “listas