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CAPÍTULO V – A LIBERDADE DE INFORMAÇÃO JORNALÍSTICA FRENTE À PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL DA AMEAÇA A DIREITO

5.8 Análise de decisão judicial impeditiva de veiculação de notícia, em caráter liminar

A revista semanal “Isto É” dirigiu e.mail, ao à época Governador do Ceará, nos seguintes termos: “Obtivemos novos nomes citados pelo ex-diretor da Petrobrás Paulo Roberto Costa em seu depoimento de delação premiada. O nome do Governador Cid Gomes

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integra a lista de autoridades que, segundo Costa, recebiam favorecimento financeiro e participavam da rede de tráfico de influência investigada no âmbito da operação lava jato [da Polícia Federal]”. Em seguida, duas perguntas: (1) “O governador tinha relações próximas com Paulo Roberto Costa?”; (2) “Diretórios partidários liderados por Cid Gomes receberam recursos de empreiteiras envolvidas no esquema da lava jato?”549

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Indignado com os questionamentos, o Governador foi à Justiça para impedir, por tutela provisória cautelar, antecedente, a circulação da revista daquela semana, alegando: (i) que a revista divulgaria informações que seriam sigilosas; (ii) a publicação desses fatos “além de ferir de morte a honra pessoal do requerente, causarão danos irreversíveis à sua carreira política, reconhecidamente pautada na ética e na moralidade”. Outrossim, caso já houvesse ocorrido a distribuição da revista, que fosse determinado o seu recolhimento550.

A juíza titular da 3ª Vara de Família de Fortaleza, plantonista do final de semana (dias 13 e 14/09), concedeu, liminarmente, a medida provisória cautelar de urgência pelos fundamentos551:

Entendo que a veiculação de seu nome com os fatos ligados à operação lava jato poderá lhe causar dano irreparável ou de difícil reparação, vez que exerce um cargo público da mais alta relevância, governador do estado do Ceará. O autor encontra-se na iminência do perigo de ver o seu nome envolvido em uma situação cuja futura ação apreciada pelo Poder Judiciário, ante ser notório que os fatos ainda estão em fase de investigação, tramitando em segredo de Justiça”. [...]. É assente que o direito à imagem e à honra é inviolável. Nem precisaria estar escrito, mas o constituinte de 1988 fez questão de trazer no inciso X do artigo 5º da Carta da República. E que não se queira falar em liberdade de imprensa e direito à informação. No caso, não huve nem a propositura da denúncia pelo Ministério Público, estando a matéria em fase de apuração, investigação, a qual deve deter a melhor discrição e sigilo. Afinal, nenhum direito, mesmo que fundamental, é absoluto.

Embasada nesses argumentos e estabelecendo o sigilo do feito, determinou a Magistrada:

Ante, o exposto, sem maiores considerações, defiro o pedido liminar cautelar requestado, inaudita altera pars, para determinar que a revista Isto É, Três Editorial LTDA, se abstenha de divulgar, distribuir, comercializar, veicular a revista Isto É, ou qualquer outra, impressas ou eletrônica, que em seu bojo, contenham qualquer notícia relacionada à pessoa do requerente, em relação ao depoimento de Paulo Roberto Costa, ou qualquer outro fato que diga respeito à operação „Lava Jato‟ e que possa envolver direta ou indiretamente o Requerente Cid Ferreira Gomes, sob pena de multa diária de R$ 5.000.000,00 (cinco milhões de reais). Caso veiculado, que seja imediatamente retirado de circulação e recolhido qualquer edição impressa, bem

549 Disponível em www.conjur.com.br/2014-set-15/istoe-proibida-dizer-paulo-roberto-costa-delatou-cid-gomes, acesso em 16/09/2014. 550 Disponível em www.conjur.com.br/2014-set-15/istoe-proibida-dizer-paulo-roberto-costa-delatou-cid-gomes, acesso em 16/09/2014. 551 Disponível em www.conjur.com.br/2014-set-15/istoe-proibida-dizer-paulo-roberto-costa-delatou-cid-gomes, acesso em 16/09/2014.

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como as eletrônicas552 (sic).

O fato, em síntese: provável publicação de notícia sobre a referência feita por um delator da lava jato que a autoridade pública também seria beneficiária do esquema de corrupção; o direito: perigo de dano à honra da autoridade pública. Autêntica colisão de direitos fundamentais.

Por ser uma lide sem substância, sem fundamento fático – pois os aludidos fatos que não são especificados, são capazes não apenas, “de ferir de morte a honra pessoal do requerente”, como também, de “causar danos irreversíveis à sua carreira política, reconhecidamente pautada na ética e na moralidade” –, a Magistrada embasa a decisão em sua consciência, utilizando, para tanto, o verbo na primeira pessoa do singular: “entendo”; seus motivos são as loas que tece à honra da figura pública exercente de cargo público, que a seu juízo, sendo da mais alta relevância (Governador do Estado), se constituem em razões mais que suficientes para inibir qualquer informação jornalística desabonadora da conduta daquela personalidade.

E vai além. Mesmo sem conhecer o teor da matéria que decide censurar (as premissas fáticas), sem sopesar, ainda que em abstrato, o interesse público da informação, determina uma medida desproporcional, proibindo a Editora de circular, não apenas a revista que veicularia a notícia (Isto É), mas qualquer outra, impressa ou eletrônica, bem como, fixa uma multa, cujo valor foge ao razoável, pois, capaz, por si só, de “congelar” a liberdade de informação ao instituir uma severa censura, tal como se fazia antes da vigência da atual Constituição.

Merece ressaltar, na decisão, o reconhecimento pela Magistrada que “nenhum direito, mesmo fundamental, é absoluto”. Portanto, se a liberdade de informação jornalística, por não ser absoluta, deve observar o que o constituinte prefixou na própria Constituição, também, não o é absoluto, como pretende a julgadora, o direito à honra e à imagem do autor da ação.

No caso, a Magistrada, simplesmente “entende”, contrario sensu, quer às normas disciplinadas na Constituição, quer no precedente do Supremo, no julgamento da ADPF 130, que concluiu pela prevalência da liberdade de informação, quando a notícia é de interesse público, contra os direitos de personalidade.

Deste modo, é bom que não se olvide: Primeiro, as garantias que a própria Constituição elege como esteios da liberdade de informação, seja objetivamente – a proibição

552 Medida Cautelar 18.638 Ceará, de Relatoria do Ministro Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal.

Disponível em www.conjur.com.br/2014-set-15/istoe-proibida-dizer-paulo-roberto-costa-delatou-cid-gomes, acesso em 16/09/2014.

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ao legislador ordinário de lhe estabelecer restrições (salvo em se tratando de “discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais” e a “prática de racismo”) e embaraço, a vedação de censura, por quem quer que seja, sobretudo, pelo Estado, impedindo ainda, que este institua licença para a publicação de veículo impresso de comunicação –, ou

subjetivamente – atribuição ao jornalista, de livre manifestação de pensamento, mediante

identificação, acesso à informação mantida pelos órgãos públicos, na forma da lei e o resguardo do sigilo da fonte –, garantias assim, que formam o arcabouço constitucional que indica a preferência atribuída à liberdade de informação, cuja fonte é a função social a ela delegada, enquanto dever de informar para bem formar a sociedade; segundo, a fundamentação da decisão judicial, sob pena de nulidade, é princípio constitucional.

5.9 O reconhecimento pelo Supremo Tribunal Federal de censura prévia à publicação