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CAPÍTULO V – A LIBERDADE DE INFORMAÇÃO JORNALÍSTICA FRENTE À PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL DA AMEAÇA A DIREITO

5.4 Notícia de interesse social e geral: o interesse público

O sentido da expressão interesse público, embora de uso tradicional, tanto no âmbito judicial quanto no doutrinário, tem suscitado conflitos, uma vez que a Constituição, ora faz referência a interesse geral – quando estabelece o direito de se receber, dos órgãos públicos, informações de interesse geral (art. 5º, XXXIII) –, ora a interesse público – ao proibir o sigilo em ato processual judicial quando constatado, “[...] o interesse público à informação” (art. 93, IX).

Bandeira de Mello486 conceitua “interesse público”, como sendo: “[...] o interesse resultante do conjunto de interesses que os indivíduos pessoalmente têm quando considerados em sua qualidade de membros da Sociedade e pelo simples fato de o serem”.

Cretella Jr487 critica o uso do termo “interesse geral”, vez que não é de terminologia técnica do direito público, considerando ser “mais precisa a expressão „interesse público‟, que é o próprio interesse público, geral que o Estado coloca entre seus próprios interesses, assumindo-os e colocando-os sob regime jurídico de direito público, exorbitante e derrogatório do direito comum”.

Por ser a Administração Pública produtora e mantenedora de informações que se revestem de interesses de natureza particular, coletivo ou geral, defende-se que o termo

interesse geral é mais condizente para indicar a classificação quanto ao conteúdo daquelas

informações que, nos termos constitucionalmente fixados, podem ser divulgadas, isto é, as quais, em cumprimento, inclusive ao princípio da publicidade, todos têm o direito de receber. Destaca-se, a seguir, as disposições constitucionais que garantem a divulgação de informações com arrimo no interesse público.

Como visto, anteriormente (item 3.5.3), se de um lado a Constituição garante a todos o

acesso à informação (art. 5º, XIV), de outro, também garante a todos o direito de receber dos

órgãos públicos informações de interesse geral (art. 5º, XXXIII). Garantias tais que se constituem nos pilares da comunicação social: direito de se informar e ser informado para bem informar à sociedade sobre os fatos relevantes da vida política, cultural, artística, científica, econômica e social. Enfim, sobre os fatos que têm repercussão no cenário nacional, a fim de que, nos dizeres da Constituição alemã, todos possam desenvolver a sua personalidade.

Prescreve a Constituição:

486 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antonio. Curso de Direito Administrativo, 2001, p. 26-27. 487

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Art. 5º, X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas.

Art. 5º, XIV – é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional.

Art. 5º, XXXIII– todos têm direito de receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado.

Art. 5º, LX – a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem.

Art. 37, § 3º - A lei disciplinará as formas de participação do usuário na administração pública direta e indireta, regulando especialmente: [...]; II – o acesso dos usuários a registros administrativos e a informações sobre atos de governo, observado o disposto no art. 5º, X e XXXIII; [...].

Art. 93, IX – todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos [...], podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação. Art. 216, § 2º - Cabem à administração pública, na forma da lei, a gestão da documentação governamental e as providências para franquear sua consulta a quantos dela necessitem.

Art. 220 – A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.

Art. 220, § 1º - Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV.

No que se refere especificamente à liberdade de informação jornalística, o que determina o âmbito de dimensão da norma consagrada no art. 5º, XIV – garantia a todos

acessarem a informação –, é a segunda parte do enunciado: a preservação da identidade do

informante, quando o sigilo for necessário ao exercício profissional.

Isto posto, resta assegurado ao profissional do jornalismo o direito de procurar a informação de interesse público onde quer que ela seja produzida, em qualquer segmento da sociedade, seja na esfera empresarial, laboral, religiosa, cultural, nos Poderes da República, etc, etc., por si mesmo ou com a ajuda de uma fonte informativa.

Já no que tange, especificamente, às informações mantidas no âmbito estrito da Administração Pública488, nos termos do art. 5º, XXXIII, 1ª parte, o direito de recebê-las decorre da garantia constitucional que se respalda no interesse geral da sociedade.

Outrossim, como “A gestão da documentação governamental e as providências para

488 MERCIER, Antônio Sérgio P. Da Administração Pública. In COSTA MACHADO (Org.) e CUNHA

FERRAZ, Anna Cândida (Coord.). Constituição Federal Interpretada, 2016, p. 251: “A palavra administração, em seu sentido vulgar, encerra a ideia de gestão de negócios; no campo técnico-jurídico, usualmente empregada como substantivo próprio, refere-se à Administração Pública. Assim posto, surgem os critérios subjetivo – ou orgânico – e objetivo – ou material – para definir administração pública. Pelo critério subjetivo, define-se Administração, ou Administração Pública como o conjunto de órgãos estatais encarregados de realizar os interesses públicos. Na verdade, unindo-se os dois critérios, o subjetivo e o objetivo, teremos que Administração Pública é a atividade desenvolvida pelo Estado, diretamente ou indiretamente por seus órgãos ou por pessoas jurídicas de direito privado, voltadas [sic] à gestão dos serviços públicos ou de utilidade pública. [...]”.

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franquear sua consulta a quantos dela necessitem” competem à administração pública (art. 216, § 2º), por conseguinte, “as formas de participação do usuário na administração pública direta e indireta” (de qualquer dos poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios (art. 37), são disciplinadas por lei489 (art. 37, § 3º) que regula, especialmente: II – o acesso dos usuários a registros administrativos e as informações sobre atos de governo, observado o disposto no art. 5º, X e XXXIII.

Excepcionam-se do recebimento as informações sigilosas:

(i) Constitucionalmente – por serem imprescindíveis à segurança da sociedade e do Estado (art. 5º, XXXIII, parte final);

(ii) Por atribuição legal expressa: (1) para preservação da intimidade, vida privada, honra e imagem da pessoa (art. 37, § 3º, II); (2) nos atos processuais (regra geral), quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem (art. 5º, LX); (3) nos processos judiciais – para preservar o direito à intimidade do interessado, desde que, o sigilo instituído por lei, não prejudique o interesse público nas informações desses atos (art. 93, IX)

Sobre a publicidade dos atos processuais judiciais, deliberou o STF490, nos seguintes termos: “[...] que a publicidade dos atos processuais não pode ser restrita por atos judiciais de natureza discricionária, devendo ser fundamentada a decisão de sigilo, nos casos excepcionais, para a „defesa da honra, da imagem e da intimidade de terceiros ou quando a medida for essencial para a proteção do interesse público‟”.

Observa-se, portanto, que a Constituição preceitua: interesse social como fim da restrição de acesso à informação pública (exigência social que é a segurança da sociedade) e

interesse geral como fim da disponibilização da informação à sociedade, em virtude da

prevalência do interesse público nelas

Embora a Constituição seja incisiva quanto à publicidade do funcionamento e da

489 A disciplina do acesso à informação pública é dada pela Lei nº 12.527, de 18.11.2011, regulamentada pelo

Decreto nº 7.724, de 16.05.2012, que em linhas gerais, dispõe489 sobre: Os entes obrigados – órgãos da administração pública direta dos Poderes Executivo, Legislativo, incluindo os Tribunais de Contas, e Judiciário e do Ministério Público; as autarquias, as fundações públicas, as empresas públicas, as sociedades de economia mista e demais entidades controladas direta ou indiretamente pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios489; Dever de transparência – divulgar as informações de interesse coletivo ou geral, em local de fácil acesso, como a internet; O pedido da informação – devidamente identificado pelo solicitante e a especificação da informação requerida; Recusa fundamentada – explicitar as razões do não atendimento, como no caso de informações sigilosas, para segurança da sociedade (risco para a segurança ou a saúde da população) ou do Estado (informações indispensáveis à atuação soberana e independente do Estado), assim classificadas: a) ultrassecreta (restrição no prazo máximo de 25 anos, renovável uma única vez); b) secreta (prazo máximo de 15 anos) e reservada (prazo máximo de 5 anos).

490 RMS 23.036, Rel. p/ o ac. Min. Nelson Jobim, julgamento em 28.03.2006, Segunda Turma, DJ de

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gestão da res pública (a coisa pública), reconhecendo, assim, que o nível de interação social advém dessa ideia de transparência491 dos atos do Poder Público, as restrições à garantia de acesso e recebimento de informação em poder do Estado, só demonstram que, em sociedade, o direito de um está sempre em correlação com o direito de outrem, e por isso não comporta o signo de absoluto. Como resultado, certas informações produzidas e armazenadas pelos órgãos públicos, devem ser indisponíveis, ora para garantir a segurança do Estado, ora da sociedade em seu conjunto, ora do particular, para preservação da sua intimidade, vida privada, honra e imagem.

Por tais razões é que o direito de acesso à informação pública se lateraliza com o direito fundamental de “petição aos Poderes Públicos” (art. 5º, XXXIV, „a‟), em três situações distintas: 1º. – em defesa de direitos; 2º. – contra ilegalidade do poder; 3º. – contra o abuso de poder”492

. Sendo a República Federativa do Brasil um Estado de Direito, aqui se assegura a todas as pessoas o direito de se dirigirem a qualquer órgão do poder público, sem restrição, já que sem pagamento de taxa, para promover a defesa de seus interesses, bem como, contra ilegalidade praticada ou abuso de poder de qualquer ente ou agente público493.

Por tudo, tem-se que informação de interesse público é o conteúdo/dados de documentação sob a guarda de Poder Público – União, Estados, Distrito Federal e Munícipios –, quer esteja mantida em registros administrativos ou atos de governo; e em virtude do aspecto geral que reveste esse conteúdo informativo, impõe-se à Administração Pública a sua publicidade, excetuadas aquelas informações cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado, bem como, aquelas para preservação do direito à intimidade do interessado, desde que, este sigilo não prejudique o interesse público à informação.

Pois bem, sendo como deve ser, a se considerar que a Administração Pública não divulga informação gravada com o signo do sigilo, não se há de falar em veiculação pela Mídia de informação de interesse público que viole direitos pessoais como a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem.

Mas à mídia não devem bastar, tão somente, as informações legalmente produzidas e

491 O Brasil tem o Ministério da Transparência, Fiscalização e Controle, antiga Controladoria Geral da União –

CGU. As páginas da transparência pública foram instituídas pelo Decreto n° 5.482, de 30/06/2005, que determina a divulgação de dados e informações por todos os órgãos e entidades da Administração Pública Federal na internet. Visa promover a visibilidade dos gastos públicos e incentivar o controle social para que as práticas da Administração Pública sejam pautadas pela legalidade e pela ética‟. Disponível em

www.portaldatransparencia.gov.br, acesso em 02/06/2016.

492 MORAES, Alexandre. Direitos humanos fundamentais: teoria geral, comentários aos arts. 1º a 5º da

Constituição da República Federativa do Brasil, doutrina e jurisprudência, 2017, p. 239-241.

493 FERRAZ FILHO, José Francisco Cunha. Dos princípios fundamentais. Pública. In COSTA MACHADO

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publicadas pela Administração Pública. Devem sim, como “a vista da Nação”, como disse Rui Barbosa494, dentre outras coisas, enxergar o que lhe mal fazem, devassar o que lhe ocultam e tramam.

Neste diapasão, a Constituição impõe à Mídia, como agente da comunicação social que é, o dever de divulgar à sociedade, quer as informações disponibilizadas pelo Poder Público, quer aquelas ocorridas no cenário nacional (art. 220, § 1º).

Para a consecução desse objetivo, garante-se ao agente da comunicação social/jornalista, o direito fundamental de acessar a informação (esteja onde estiver), no que pode ser assessorado por uma fonte informativa, cujo anonimato tem o dever de conservar (art. 5º, XIV).

Assim, para o bom desempenho desta função social (direito de informar), garante-se ao jornalista a liberdade de manifestação do pensamento (art. 5º, IV). Entretanto, como o direito de informar não é absoluto, o jornalista deve respeitar outros direitos fundamentais pessoais, como a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, (art. 5º, X), sob pena de sanção na ocorrência de violação de qualquer deles (art. 5º, V)

Enfim, se a conduta de qualquer pessoa que se torne midiática, seja ela personalidade pública ou pessoa pública – no desempenho de cargos ou funções públicas –, produz informação (profissão, negócios, amores, estilo, família, etc.) que interessa à sociedade, também a conduta de qualquer pessoa particular, que aja em desconformidade com o ordenamento jurídico, gera informação de interesse público que outro não é senão o interesse da sociedade, em sua ótica subjetiva.

Sopesadas as normas constitucionais que conduzem ao entendimento quanto ao interesse público na informação, considera-se pertinente estabelecer o conceito do termo informação, o qual, em princípio, está previsto na Lei 12.527/2011, art. 4º: Para os efeitos

desta Lei, considera-se: I – informação: dados processados ou não, que podem ser utilizados

para produção e transmissão de conhecimento, contidos em qualquer meio, suporte ou formato.

Todavia, mesmo considerando o conteúdo da informação, como disposto na Lei, “dados que podem ser utilizados para produção e transmissão de conhecimento”, entende-se

494 BARBOSA, Rui. A imprensa e o dever da verdade, 2004, p. 32-33, apud COELHO JUNIOR, Marcos Duque.

Liberdade de Imprensa e a Mediação Estatal, 2015, p. 67. A imprensa é a vista da Nação. Por ela é que a Nação acompanha o que lhe passa ao perto e ao longe, enxerga o que lhe malfazem, devassa o que lhe ocultam e tramam, colhe o que lhe sonegam ou roubam, percebe onde lhe alvejam, ou nodoam, mede o que lhe cerceiam, ou destroem, vela pelo que lhe interessa, e se acautela do que a ameaça (...).

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que o significado da palavra informação, objeto deste estudo é aquela, tal como conceituado por Fernand Terrou495, como sendo: “o conjunto de condições e modalidades de difusão para o público (ou colocada à disposição do público) sob formas apropriadas, de notícias ou elementos de conhecimento, ideias ou opiniões”.

Por isso, baseando no conceito formulado por Fernand Terrou, e pelo contexto normativo até aqui estudado, pode-se firmar um seu conceito:

Informação entendida em sua generalidade, é uma espécie da comunicação social, de

conteúdo noticioso, que é levada ao conhecimento de uma só pessoa ou do público. Informação, em sentido estrito, é o fato divulgado pela mídia, com o objetivo de transmitir à sociedade uma notícia de interesse público. O que difere a informação da informação jornalística é, sobretudo, nesta última, a característica de notícia voltada a informar para formar a opinião da sociedade plural, e por isso, produzida por profissional em meios de comunicação empresarialmente organizados.

Interesse geral da informação, portanto, que se convola com o interesse público, pois se funda em pressupostos de uma sociedade pluralista, como faz crer a Constituição brasileira (no preâmbulo496, art. 1º, V497, art. 17498, art. 206, III499), em que a informação, por transmitir conhecimento, converge para a formação da „opinião pública‟, e se conjuga com os objetivos fundamentais da República, para a formação de uma sociedade livre, justa e solidária (art. 3º, I).