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CAPÍTULO III – A COMUNICAÇÃO SOCIAL NA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL: DA LIBERDADE DE EXPRESSÃO À EXPRESSÃO DA

3.1 Da comunicação social

A comunicação é o elo interativo em toda sociedade política organizada. Demonstrando isto, a Constituição brasileira inovou, em relação àquelas de Direito Comparado, antes referidas, inscrevendo, no Título da Ordem Social (VIII), um Capítulo para normatizar a Comunicação Social (arts. 220 a 224).

Embora capituladas em apenas quatro artigos, as normas que dispõem sobre a comunicação social, em virtude da amplitude do universo que açambarcam, se mostram bastante complexas, quer pelos seus próprios enunciados, quer pelo entrelaçamento a outras disposições constitucionais, ora referidas, explicitamente, ora pelo comando de que seja observado o disposto na Constituição.

Entretanto, em apertada síntese, pode-se dizer que, as normas disciplinadoras da comunicação social, além de especificar como ela se realiza (pela manifestação do pensamento, pela criação, pela expressão, pela informação (art. 220. Caput) e pela informação jornalística (art. 220, § 1º), contemplam:

(i) Proibição ao Estado de criar restrições (CF, art. 220), censura (art. 220, § 2º, c/c art. 5º, IX), ou embaraço (art. 220, § 1º);

(ii) Restrições explícitas a esta liberdade (art. 5º, XLI, XLII);

(iii) O dever de respeito a direitos de outrem (art. 220, § 1º, c/c, art. 5º, X);

(iv) As garantias subjetivas do titular do direito de informar, jornalisticamente (art. 220, § 1º, c/c art. 5º, IV (1ª parte), XIII (1ª parte) e XIV) e suas restrições (art. 5º, IV, 2ª parte e XIV, 2ª parte);

(v) Reserva legal para regular: a) qualificações profissionais (art. 5º, XIII, 2ª parte; b) o sigilo dos atos processuais (art. 5º, LX, c/c art. 93, IX); c) o acesso às

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informações nos órgãos públicos (art. 37, § 3º, II); d) as diversões e espetáculos públicos (art. 220226, § 3º, I); e) garantias para a defesa das pessoas contra programas ou programações de rádio e televisão contrários aos princípios que estabelece (art. 220, § 3º, II e § 4º, c/c art. 221); f) na anormalidade do Estado de Sítio, restrições à prestação de informações, e à liberdade de imprensa, radiodifusão e televisão (art. 139, III227);

(vi) As informações públicas gravadas com o signo do sigilo (art. 5º, XXXIII, parte final);

(vii) A sanção civil para prática da ilicitude (art. 220, § 1º, V e X, parte final); (viii) Os princípios que atrelam as emissoras de rádio e televisão (art. 221); (ix) A forma organizacional das empresas de comunicação (art. 222);

(x) A competência do Poder Executivo para outorga e renovação de concessão, permissão e autorização para o serviço audiovisual (art. 223);

(xi) Atribuição de competência ao Congresso Nacional para instituir o Conselho de Comunicação Social, como órgão auxiliar (art. 224).

Embora este trabalho tenha por objeto, uma das espécies da comunicação social, que é a liberdade de informação jornalística frente à ameaça de lesão a direitos pessoais como a intimidade, a vida privada, a honra e imagem, e por conseguinte, frente à pretensão a um direito ao esquecimento, considerando, porém, que nos termos constitucionais a comunicação social se realiza pela manifestação do pensamento, criação, expressão e informação (art. 220) e pela informação jornalística (art. 220, § 1º), de partida será feita uma abordagem sobre a comunicação social, em sentido amplo, para aquilatar os seus reflexos na liberdade de informação jornalística ou liberdade de imprensa, entendida como informação em sentido estrito.

226 CRFB, art. 220, § 3º: “Compete à lei federal: I – regular as diversões e espetáculos públicos, cabendo ao

Poder Público informar sobre a natureza deles, as faixas etárias a que não se recomendem, locais e horários em que sua apresentação se mostre inadequada; II – estabelecer os meios legais que garantam à pessoa e à família a possibilidade de se defenderem de programas ou programações de rádio e televisão que contrariem o disposto no art. 221, bem como da propaganda de produtos, práticas e serviços que possam ser nocivos à saúde e ao meio ambiente”. Art. 220, § 4º: “A propaganda comercial de tabaco, bebidas alcoólicas, agrotóxicos, medicamentos e terapias estará sujeita a restrições legais, nos termos do inciso II do parágrafo anterior, e conterá, sempre que necessário, advertências sobre os malefícios decorrentes de seu uso”.

CRFB, art. 139: “Na vigência do estado de sítio decretado com fundamento no art. 137, I, só poderão ser tomadas

contra as pessoas as seguintes medidas: III – restrições relativas à inviolabilidade da correspondência, ao sigilo das comunicações, à prestação de informações e à liberdade de imprensa, radiodifusão e televisão, na forma da lei”.

86 3.2 Liberdade de comunicação em sentido amplo

Iniciando o capítulo “Da comunicação social”, a Constituição pátria, não apenas reitera direitos fundamentais assegurados no art. 5º, como “a manifestação do pensamento” (IV) e “a liberdade de expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação” (IX), como acrescenta, os direitos de “criar” e “informar”, os quais, exercitados sob qualquer forma, processo ou veículo, são recepcionados como irrestringíveis, desde que observado o que na Constituição está disposto.

Artigo 220: A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.

Essa repetição não é casuística. A comunicação de massa, regulada nos arts. 220 a 224, e veiculada em qualquer mídia (meios de comunicação social (art. 220, § 5º) – empresa jornalística e de radiodifusão sonora e de sons e imagens (art. 222), inclusive eletrônica, independentemente da tecnologia utilizada (art. 222, § 3º) –), ainda que porte a exteriorização do pensamento ou da criação intelectual do emissor, em virtude de sua finalidade e alcance

informativo, reveste-se de muito mais especificidades.

Para o Supremo Tribunal Federal228 (STF) a livre manifestação do pensamento, a

exposição de fatos atuais ou históricos e a crítica, se englobam na liberdade de expressão. Expressão, não é demais repetir, é a maneira de comunicação utilizada pela pessoa

humana para exteriorizar o pensamento. Se expressa quem, com a finalidade de se comunicar, por qualquer meio, seja a fala, a escrita, a atividade intelectual, artística, cientifica, o gesto229, a postura corporal, etc., exterioriza suas ideias ou opiniões, enfim, o que pensa.

Exerce sua liberdade de expressão quem, visando comunicar-se, exterioriza sua opinião, pura e simplesmente, sobre o que quer que seja (fato concreto ou hipotético/criativo), estando afeito, exclusivamente, às suas convicções de foro íntimo, suas verdades e crenças: “cada pessoa pode dizer livremente o que pensa mesmo que não possa dar nenhum

fundamento provável para seu juízo”230

.

Nesta mesma linha manifestou-se o STF: “[...] a Lei Fundamental do Brasil veicula o

228 HC 83.125, Rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 16-9-2003, Primeira Turma, DJ de 7-11-2003.

229 HC 83.996/RJ, Rel. Min. Carlos Velloso, julgamento em 17-8-2004, Segunda Turma, DJE 26-8-2005:

“Discussão sobre a caracterização da ofensa ao pudor público. Não se pode olvidar o contexto em que se verificou o ato incriminado. O exame objetivo do caso concreto demonstra que a discussão está integralmente inserida no contexto da liberdade de expressão, ainda que inadequada e deseducada”.

230 Nesse sentido o Tribunal Constitucional Alemão manifestou-se (apud, Ignácio Berdugo Gomez de la Torre –

Honor y libertad de expressión, p. 84, n. 132), apud FARIAS, Edilsom Pereira de. Colisão de Direitos: a honra, a intimidade, a vida privada e a imagem versus a liberdade de expressão e comunicação, 2008, p. 146, nota 403.

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mais democrático e civilizado regime da livre e plena circulação das ideias e opiniões”231

. Enquanto que, informação é a transmissão de um fato, um acontecimento, seja de modo amplo ou restrito; mas é induvidoso que, quem divulga uma informação, também expressa seu modo de pensar o acontecido. Um magistrado, que em qualquer mídia, comenta uma decisão da Suprema Corte que repercute um interesse social, expressando sua opinião sobre o assunto, produz informação. Do mesmo modo, desempenha atividade informativa, um médico que esclarece a população sobre um surto epidemiológico. E assim ocorre em qualquer seara da vida social onde se dá a comunicação, em sentido amplo. Daí se poder dizer que a liberdade de expressão se projeta na atividade informativa232.

Toda informação, em seu sentido mais geral, tal como defendido por Desantes233, pode ser dividida em dois grandes grupos: informação sobre objetos e informação de objetos:

[...] puede afirmarse que todo lo informable, en su sentido jurídico más general, es susceptible de división en dos grandes grupos: información sobre objetos en los que nos limitamos a percibir y reproducir hechos del exterior; e información de objetos que salen de nosotros, tales como ideas, sentimientos, emociones, etc.234.

Farias235, entretanto, entende que existe uma relevante distinção entre liberdade de expressão e liberdade de comunicação. Enquanto a liberdade de expressão se volta para a exteriorização do pensamento, de ideias, de opiniões, incluindo, inclusive, as crenças e juízos de valor, a liberdade de comunicação se atrela ao direito de comunicar e de receber livremente informação sobre fatos, ou mais restritivamente, sobre fatos noticiáveis.

Posição com a qual não se comunga. Assim como posto por Carvalho236, a “matriz da liberdade de imprensa ou de informação é a liberdade de manifestação do pensamento”. Por isso, nos moldes da vigente Constituição se pode afirmar que, expressão e informação são espécies do gênero comunicação interpessoal. Liberdade de comunicação, portanto, que a

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ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL (ADPF 130), Rel. Min. Ayres Britto, julgamento em 30-4-2009, Plenário, DJE de 6-11-2009.

232 ABRAÃO, Bernardina Ferreira Furtado. Da comunicação social. In COSTA MACHADO (Org.) e CUNHA

FERRAZ, Anna Cândida (Coord.). Constituição Federal Interpretada, 2016, p. 1135.

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DESANTES GUANTER, J.M. (1978) Entrevista publicada en la revista Mensaje y Medios, 5, Instituto Oficial de Radiodifusión y Televisión, apud FERNÁNDEZ DE LA RIVA, Manuel Sánchez de Diego. La problemática interpretación del párrafo 1º del artículo 20 de la Constitución Española. In GONZÁLEZ, María Pilar Cousido. FREDA, Manuel de Santiago (Coordinadores). Medios de comunicación, mensajes y derecho a la información. Temas de Derecho de la Información con ejercicios para Tutorías Bolonia (p. 15 a 40), 2011, p. 51.

234 Tradução livre: [...] pode-se afirmar que toda informação em sentido jurídico mais amplo é susceptível de

divisão em dois grupos: informação sobre objetos aos quais nos limitamos a perceber e reproduzir fatos do exterior; e informação de objetos que surgem de nós mesmos, tais como ideias, sentimentos, emoções.

235 FARIAS, Edilsom Pereira de. Colisão de Direitos: a honra, a intimidade, a vida privada e a imagem versus a

liberdade de expressão e comunicação, 2008, p. 146.

236 CARVALHO, Luiz Gustavo Grandinetti Castanho de. Liberdade de informação e o direito difuso à

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Constituição reconhece e assegura dentro dos limites da convivência intersocial por ela disciplinados.

Portanto, comunicação em sua abrangência (expressão e informação), liberdade garantida a todos, inclusive às pessoas jurídicas, de agir para bem interagir, desde que sejam observadas as condições que a Constituição determina. Liberdade inscrita com a determinação de cláusula pétrea (não pode ser objeto de deliberação a proposta de emenda tendente à sua abolição: art. 60, § 4º, IV, da CF).

Mas, além da referência feita no caput do artigo 220, à liberdade de informação, sujeita apenas ao disposto na Constituição, a liberdade de informação jornalística, mereceu um articulado próprio, sendo erigida a uma outra espécie de informação, cujo exercício também deve ser compatível com os direitos fundamentais consagrados na Lei Maior.

Por ser o objeto central deste estudo, a seguir será analisada, com maior acuidade, a estrutura normativa do direito fundamental à liberdade de informação jornalística, na Constituição brasileira.

3.3 Liberdade de comunicação em sentido estrito: liberdade de informação jornalística