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CAPÍTULO IV – DIREITOS DE PERSONALIDADE COMO DIREITOS FUNDAMENTAIS

4.2 O direito à privacidade Referência histórica

Right to privacy, para os norte-americanos; droit à la vie privée ou droit à la intimitè

para os franceses; diritto ala riservatezza ou diritto ala vita privata, para os italianos; derecho

a la sfera secreta ou derecho a la indimidad para os espanhóis; Direito à reserva da intimidade da vida privada para os portugueses e, para os brasileiros, garantia da inviolabilidade da intimidade e da vida privada.

4.2.1 França

Como dito antes, o Código de Napoleão não instituiu proteção à pessoa humana, em suas prerrogativas essenciais enquanto partícipe e membro da sociedade351. Contudo, ao final

350 Revogada pela Lei 9.610/98. 351

FARIAS, Edilsom Pereira de. Colisão de Direitos: a honra, a intimidade, a vida privada e a imagem versus a liberdade de expressão e informação, 2008, p. 118, nota 306. “[...] Carlos Alberto Bittar (Os direitos de personalidade, p. 21) assevera que „os autores do Código Napoleônico aperceberam-se da existência desses direitos, mas de modo nebuloso. Inseriu-se, no Código a regra segundo a qual o credor poderia exercer todos os direitos e ações do devedor „salvo os exclusivamente ligados à pessoa‟ (art. 166)”.

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do século XIX a França recepcionou o “droit au respect de la vie privée”352

, com a lei de

imprensa de 1868, de autoria de Benjamim Constant, em que a expressão “vida privada”, visava à proteção da honra, cabendo à jurisprudência em casos históricos353, “a tarefa de sedimentação de um direito ao segredo e ao respeito da vida privada”.

Também o direito ao esquecimento, segundo Maldonado354, tem suas raízes fincadas na França (“le droit a l‟oubli”), onde já “restava assegurado ao condenado criminalmente o direito de objeção à publicação de informações e de fatos uma vez que a sentença condenatória tivesse sido integralmente cumprida”.

Mas, como recorda Leite Pinto355, o panorama da proteção da intimidade da vida privada, na França, só foi efetivamente mudado com a Lei nº 70.643, de 17 de Julho de 1970, fruto da jurisprudência e da contribuição da doutrina. Mesmo sem previsão na Constituição de 1958, este direito foi introduzido no Código Civil com a modificação do art. 9º e no Código Penal, em que os arts. 368.º e 372.º “passaram a prever novos delitos criminais relacionados com a violação do direito ao respeito da vida privada”; e pela Lei 78-17 de 6 de Janeiro de 1978, “relativa à informática e à proteção da vida privada dos cidadãos, com respeito ao tratamento informatizado de dados e informações”.

4.2.2 Estados Unidos Da América

É recorrente a informação de que a mais antiga definição de “vida privada” foi dada pelo Juiz americano Cooley356, em 1873, em sua obra The Elements of torts, identificando a privacidade com o direito de ser deixado em paz ou só: The right do be let alone.

Para Machado357, entretanto, a doutrina constitucional de proteção à privacidade encontra-se intimamente ligada aos nomes dos norte-americanos Samuel Warren e Louis

352

LEITE PINTO, Ricardo. Liberdade de imprensa e vida privada. Relatório elaborado no âmbito do Seminário de Ciência Política e Direito Constitucional, orientado pelo Prof. José Joaquim Gomes Canotilho, do Curso de Mestrado de Direito Público da Universidade Lusíadas (1992/1994). In Revista da Ordem dos Advogados, 1994, p. 74.

353

idem: “Caso RACHEL de 1858, o de ALEXANDRE DUMAS filho, em 1888, ou, mais recentemente, o de GEORGE SAND, em 1928 e 1932

354 MALDONADO, Viviane Nóbrega. Direito ao esquecimento, 2017, p. 100.

355 LEITE PINTO, Ricardo. op cit, p. 75: “[...] (casos de BRIGITTE BARDOT, GÉRARD PHILIPE,

PAPILLON, PETULA CLARK, etc). Os tribunais gauleses formaram a orientação de que as vedetes têm direito à imagem e que esta não pode ser publicada sem o seu consentimento”.

356 http://www.diritto.it/archivio/1/21084.pdf. Acesso em 20.04.2013.

357 MACHADO, Jónatas E. M. Liberdade de Expressão. Dimensões Constitucionais da Esfera Pública no

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Brandeis358 que no artigo The Right to Privacy359 publicado na Harvard Law Review, em 15 de dezembro de 1890, se insurgiram “contra os excessos da chamada Yellow Press, sustentando a existência de um direito a ser deixado em paz”. Dado o advento de modernos dispositivos de gravação e reprodução de sons e imagens, os autores argumentaram a necessidade de a lei prever respostas para a ofensa a direitos, decorrentes dessas inovações tecnológicas.

Mas, Farias360 ressalva que nesse artigo, os autores concluem asseverando que: “limitado como qualquer direito necessariamente deve ser, „o direito à privacidade não proíbe qualquer publicação de matéria que seja de interesse público ou geral”361-362.

A partir de então, mesmo sem estar expressamente reconhecido na Constituição, o direito à privacidade foi se consolidando na dogmática jurídica, como “direito a uma área de

acesso limitado, ou a uma zona pessoal, em nome de valores como a dignidade, a

individualidade, a autonomia, a confiança e mesmo o bem-estar físico e psicológico”363. Também a Suprema Corte passou a derivar o direito à privacidade, da proteção à autonomia da liberdade pessoal, inscrita na Décima-Quarta Emenda364.

Um marco no aperfeiçoamento em prol das garantias objetivas ao direito à privacidade (right of privacy), foi o julgamento em 1965, do caso Griswold v. Connecticut365, pelo Tribunal Supremo dos Estados Unidos. Em seu voto o Ministro Hugo Black366 assentou que, “privacidade é um amplo, abstrato e ambíguo conceito” (Privacy is a broad, abstract and

358

Cfr. MALDONADO, Viviane Nóbrega. Direito ao esquecimento, 2017, p. 79. Disponível em:

http://www.brandeis.edu/legacyfund/bio.html

359 FERNÁNDEZ, Antonio Aguilera. La libertad de expresión del ciudadano y la libertad de prensa o

información (Posibilidades y límites constitucionales), 1990, p. 48: “Es necesario señalar que las verdaderas razones que impulsaron a los juristas WARREN Y BRANDEIS, este último llegó a ser juez de la Corte Suprema de los Estados Unidos, a realizar su estudio, distan mucho de un afán moralizante o altruista. Samuel D. WARREN que se había casado con la hija de un rico senador, llevaba una doble vida dispendiosa y opulenta, y a fin de evitar el asedio y la persecución por parte de la prensa, no se le ocurrió mejor idea que profundizar sus excelentes dotes de jurista alumbrando el referido estudio”.

360 FARIAS, Edilsom Pereira de. Colisão de Direitos: a honra, a intimidade, a vida privada e a imagem versus a

liberdade de expressão e informação, 2008, p. 125.

361 ibidem, p. 124-125. 362

ibidem, p. 128: “A primeira demanda, na qual o direito à intimidade é expressamente reconhecido, ocorreu em 1892, quando um juiz de Nova York, apreciando o caso Schuyler v. Curtis fez uso das idéias expostas por Warren e Brandeis no artigo publicado dois anos antes: the right to privacy. Nesse precedente, estabelece-se já uma importante distinção: a proteção da intimidade difere quando se trata de pessoas públicas e quando se trata de pessoas privadas”.

363 MACHADO, Jónatas E. M. Liberdade de Expressão. Dimensões Constitucionais da Esfera Pública no

Sistema Social, 2002, p. 793. (sic)

364 MALDONADO, Viviane Nóbrega. op cit, p. 84: “Além dela, a Primeira, a Quarta e a Quinta Emendas

também possibilitam a compreensão desse direito, muito embora tão somente em hipóteses estreitamente definidas”.

365 381 US. 479 (1965). Apud QUEIROZ, Cristina M. M. Direitos Fundamentais. Teoria Geral, 2010, p. 63,

nota 61.

366

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ambiguous concept), não sendo possível, portanto, das várias decisões da Corte, sobre o

assunto, extrair um sentido367 único para conceituá-lo. Sendo assim, a infringência a dito direito só decorreria do exame do caso concreto.

Reconhecida com força constitucional, pela primeira vez, a decisão rompeu com o entendimento de aplicação do direito à privacidade, somente ao âmbito restrito do domicilio (My home is my castle) ou da integridade física pessoal. Assim, o direito à privacidade alcançou valores advindos de novas realidades, da “autonomia pessoal” (rights of privacy and

person hood): segredo profissional, vigilância eletrônica, liberdade informática, etc.

O direito à privacidade é legalmente reconhecido na quase totalidade dos Estados da Federação norte americana368.