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CAPÍTULO IV – DIREITOS DE PERSONALIDADE COMO DIREITOS FUNDAMENTAIS

4.1 Considerações preliminares: breve corte necessário

4.1.1 Pessoa

O conceito jurídico de pessoa tem uma interessante evolução312. Originariamente, significando homem. Mais tarde, o conceito de pessoa assume um significado técnico, porém a partir da ideia de homem; homem, enquanto ser humano real, o qual se torna pessoa, para o direito, isto é, um(a) personagem da cena jurídica, portador de direitos e obrigações: homo

naturae, persona iuris civilis vocabulum313. Funde-se a ideia de „pessoa‟ com aquela mais

abstrata de „sujeito de direito‟, advinda do uso que faziam os juristas medievais para explicar o tratamento jurídico dado às universitates (coletividade), consideradas como personae fictae, como se fosse „homem‟, portanto, uma ficção jurídica.

4.1.2 Direito de Personalidade: direito geral ou direitos singulares

Durante os séculos XVI e XVII314 falava-se da integração de um direito geral de personalidade315, inclusive, tendo surgido o conceito de ius imaginis, afirmando-se o direito

312 CAMPOS, Diogo Leite de. Nós. Estudos sobre o Direito das Pessoas, 2004, p. 16: “A raiz dos direitos da

pessoa (privados e públicos) está inserida no cristianismo, ao determinar este a „dessacralização‟ da natureza e da sociedade, libertando o homem de ser objeto para o transformar em sujeito, portador de valores (pessoa)”.

313 ibidem, p. 14: “Mas a descoberta da própria subjectividade era desprovida de todas as suas potencialidades

enquanto não se referisse também ao „outro‟ sujeito, idêntico e fundamentante do próprio eu. Quando se atingiu a diferença/igualdade entre o eu e o eles, abriu-se o caminho para a categoria de pessoa”.

314 ibidem, p. 42: “Nos séculos XVI e XVII, a multiplicidade de confissões religiosas em diversos Estados

Europeus, sobretudo nos alemães, levaram a firmar, em bases mais sólidas, a liberdade religiosa. Partindo-se do direito „tradicional‟ de resistir ao tirano, fundado no conceito de um contrato entre governantes e governados, chegou-se naturalmente à afirmação do direito do indivíduo à liberdade de consciência. Liberdade que constitui a raiz de todas as liberdades políticas”.

315 SZANIAWSKI, Elimar. Direitos de Personalidade e sua Tutela, p. 38: “O renascimento e, principalmente,

o humanismo, que vinha se impondo a partir do século XVI, alavancaram novas idéias, que já fermentavam desde o recrudescimento da Baixa Idade Média, conduziram os juristas da época à formulação do direito geral de

127 sobre o próprio corpo316.

No século XVIII317, a doutrina do direito natural desenvolveu a ideia da tutela dos direitos individuais e a noção de dignidade da pessoa humana, concentrada na desigualdade diante da lei mantida pelo sistema político, nas limitações às pessoas e à propriedade, nas intervenções arbitrárias dos governantes, no afastamento da participação popular e, sobretudo, na intolerância religiosa.

As Declarações318 instituíram os direitos do homem. Contudo, direitos desprovidos de tutela, por isso, inconsistentes. Embora tivessem sido proclamadas a liberdade e a igualdade perante a lei, na realidade os seres humanos não eram, nem livres, nem iguais.

O Código Civil Francês319 – Código Civil Napoleônico, de 1804 –, o instituto jurídico representante natural da revolução, voltado para a proteção do patrimônio e das relações contratuais, portanto, de acentuado individualismo320, conteve regras sobre a igualdade e capacidade jurídica (art. 8º) e a obrigatoriedade de reparação de quaisquer danos ocasionados culposamente a outrem (art. 1382º)321. Mas sem qualquer preocupação com a proteção à pessoa humana, em suas prerrogativas essenciais enquanto partícipe e membro da sociedade.

A força do liberalismo econômico reinante no século XIX, ultrapassa o jusnaturalismo racionalista, e instala nos Códigos, o positivismo jurídico, que no sentir de Capelo de Souza322, no afã de consubstanciar o direito na vontade do Estado, através da máxima “ius est quod iussum est”, acabou por afirmar a relevância tão só de determinados direitos especiais de personalidade (ao nome, à integridade física e à honra), baseados na ideia de que apenas esses

personalidade, como um ius in se ipsum, surgindo as primeiras noções de direito subjetivo e a existência de um poder de vontade individual”..

316 SZANIAWSKI, Elimar. Direitos de Personalidade e sua Tutela, p. 38: dominus membrorum suorum

nemovidetur. O direito ao corpo como direito de propriedade.

317 CORDEIRO, António Menezes. Tratado de Direito Civil, I. Introdução, Fontes do Direito, Interpretação da

Lei, Aplicação das Leis no Tempo, Doutrina Geral, 2012, p. 133-134: “A primeira codificação moderna é, normalmente, reportada ao Código Civil francês de 1804 ou Código Napoleão. Possibilitado pela segunda sistemática, o Código Napoleão surgiu na sequência de um imenso trabalho levado a cabo durante os séculos XVII e XVIII e que visou o conhecimento e o redimensionar do material jurídico-civil. Quer os jurisprudentes elegantes do Humanismo – Cuiacius e Donellus – quer, sobretudo, Domat e Pothier tiveram um papel fundamental nesse domínio; o seu labor ficaria assim conhecido por pré-codificação francesa”.

318 Estados Unidos da América: Declaração de Direitos da Virginia, de 1776; Declaração de Independência dos

Estados Unidos da América, de 1776; Constituição dos Estados Unidos da América, de 1787. França: Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789.

319 MOTA PINTO, Paulo. O direito à reserva sobre a intimidade da vida privada. BFD 69 (1993), p. 494,

nota 43: “Em França, onde os direitos de personalidade são „uma criação pretoriana‟ [...], tanto quanto sabemos, o direito geral de personalidade não é conhecido – ao que não será também estranha a amplitude do art. 1382.º do Code Civil, e, porventura um certo sincretismo do conceito de faute, abrangendo a ilicitude e a culpa”.

320 CORDEIRO, António Menezes. Op. Cit, p. 78: “a pessoa, enquanto indivíduo carece de bens que movimenta

para sobreviver e se expandir”.

321 CAPELO DE SOUSA, Rabindranath V.A. O Direito Geral de Personalidade, 1995, p. 70. 322

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constituiriam verdadeiros direitos subjetivos, por isso, admitidos pelo poder legislativo do Estado.

Assim, via de regra, previam a ressarcibilidade por dano não patrimonial, somente mediante previsão legal, resultando na proteção à pessoa, no campo do direito criminal (injúria, calúnia e difamação).

O reflexo patrimonialista do liberalismo econômico nas codificações igualava personalidade e capacidade jurídica. Personalidade passou a ser entendida como atributo jurídico que permitia às pessoas capazes a possibilidade de encetar relações jurídicas, sendo, por isso, reconhecidas como sujeitos de direitos e deveres, na ordem estatal.

Razão pela qual, o direito de personalidade restou adormecido por muitos anos, cabendo à teoria dos direitos de personalidade desenvolvida pela jurisprudência de tribunais e seguida, com discutidas relutâncias pela doutrina, lhe atribuírem o merecido relevo. A partir do desenvolvimento da teoria dos direitos de personalidade “começou para o mundo, nova manhã do direito”323

.

É afirmação corrente na literatura jurídica que a teoria dos direitos da personalidade deveu-se à doutrina civilista alemã da segunda metade do século XIX, entre cujos doutrinadores despontou Gierke324, impondo-se à corrente negativista capitaneada por Savigny325 – que negava a sua existência, sob o argumento da impossibilidade da existência de direito do homem sobre a sua própria pessoa, o que levaria à incongruência de ser o homem, a um só tempo, sujeito e objeto de direito e até mesmo a legitimar o suicídio.

Por isso se diz que a denominação “direitos da personalidade” surgiu tardiamente na dogmática jurídica, sendo sufragada para limitar conotação genericamente compartilhada com outras designações recorrentes, como: direitos humanos, direitos fundamentais, liberdades

323

PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de Direito Privado, 1955, v. 7, p. 6, apud, BORGES, Roxana Cardoso Brasileiro. Direitos de personalidade e autonomia privada, 2007, p. 8.

324 OTTO VON GIERKE, Deutsches Privatrecht, 1 (1895), 702-703, apud CORDEIRO, António Menezes.

Tratado de Direito Civil Português. v. I. Parte Geral. Tomo I, 2005, p. 373:“Chamamos direitos de personalidade aos direitos que concedem ao seu sujeito um domínio sobre uma parte da sua própria esfera de personalidade. Com este nome, eles caracterizam-se como „direitos sobre a própria pessoa‟, distinguindo-se com isso, através da referência à especialidade do seu objecto, de todos os outros direitos. Os direitos de personalidade distinguem-se, como direitos privados especiais, do direito geral da personalidade, que consiste na pretensão geral, conferida pela ordem jurídica de valer como pessoa. O direito de personalidade é um direito subjectivo e deve ser observado por todos”. Cfr. MOTA PINTO, Paulo. O direito à reserva sobre a intimidade da vida privada. BFD 69 (1993), p. 492, nota 38.

325 Um dos expoentes da Escola Histórica do Direito. Obra: Sistema Del Derecho Romano Atual, vol. 1º, p. 260,

apud GOMES, Orlando. Introdução ao Direito Civil, 2007, p. 134. MONCADA, Luís Cabral de. Lições de Direito Civil, 1995, p. 74: “Além de consequências ilógicas, teríamos ainda consequências imorais e anti- sociais. Com efeito, se pudesse haver um direito sobre a vida, sobre a própria existência, a própria liberdade, o próprio corpo, então teríamos de admitir também, logicamente, pelo menos em princípio, um direito expresso ao suicídio, à escravidão e ao aborto”.

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públicas, direitos civis, direitos de estado ou direitos de pessoa, etc.

Assentou-se, no século XIX, o fracionamento do direito geral de personalidade326, reconhecendo-se como direitos subjetivos juridicamente tutelados, apenas aqueles expressamente tipificados na lei. Decorre, daí a sedimentação dos direitos de personalidade como uma figura jurídica civil instituída na parte geral dos códigos.

Ao alvorecer do século XX, na Alemanha, entrou em vigor o Código Civil (Burgerliches Gesetzbuch –BGB, de 1900327), aprovado em 1896, que na opinião de Cordeiro328 “sintetiza a Ciência jurídica do século XIX, no que ela tinha de mais evoluído”.

Entretanto, apesar dos esforços da doutrina alemã na defesa do “direito geral de personalidade”, o BGB não acolheu a ideia329

. Além do mais, o sistema de responsabilidade civil por dano não patrimonial só restou admissível, nos casos previstos em lei, como disposto no § 253: Por causa de um dano não patrimonial, só pode exigir-se indenização em dinheiro

nos casos determinados por lei330.

Determinações legais que se encontravam no § 12 – direito ao próprio nome (mesmo assim, “restringindo sua proteção às hipóteses de pretensões de omissão e de eliminação do nome”331

-332) e no § 847 – Em caso de lesão do corpo ou da saúde, assim como da liberdade,

a vítima pode exigir também uma indemnização eqüitativa em dinheiro do dano que não seja patrimonial333.

A proteção civil indenizatória por dano causado de forma dolosa ou culposa estava

326 “No entanto, o direito alemão, austríaco e suíço, do século XIX, não sofreram influência imediata da nova

ordem jurídica que surgira a partir da Revolução Francesa e das ideias iluministas, mantendo-se a tutela da personalidade do ser humano mediante aplicação do direito geral de personalidade”. SZANIAWSKI, Elimar. Direitos de Personalidade e sua Tutela, 2005, p. 45.

327 CORDEIRO, António Menezes. Tratado de Direito Civil, I. Introdução, Fontes do Direito, Interpretação da

Lei, Aplicação das Leis no Tempo, Doutrina Geral, 2012, p. 143: “Apesar de ter conhecido mais de 150 alterações e atravessando cinco regimes políticos, o BGB mantém-se a base do Direito privado alemão, irradiando toda a sua influência. Em 2001/2002, o BGB foi objeto de uma grande reforma: a maior desde o seu aparecimento em 1896”.

328 ibidem, p. 141.

329 ENNERCCERUS & NIPPERDEY. Tratado de Direito Civil. Parte general, t.1. 1º, § 71.1, p. 300-1, apud

GARCIA, Enéas Costa. Direito geral da personalidade no sistema jurídico brasileiro, 2007, p. 77: “O CC não conhece outros direitos da personalidade. A tese da existência de um direito subjetivo à vida, à liberdade, ao corpo, à saúde e à honra, ao segredo da correspondência privada ou, em geral, à esfera secreta da própria pessoa, carece de fundamento como carece também um direito geral da personalidade”.

330

SILVA, João Calvão da. Responsabilidade Civil do Produtor, 1999, p. 682.

331 SZANIAWSKI, Elimar. Direitos de Personalidade e sua Tutela, p. 38. Idem, p.46. “A Lei de Proteção

Artística, de 09.01.1907, em seus §§ 22 e ss., reconheceu a existência do direito à própria imagem”.

332 WIEACKER, Franz. História do Direito Privado Moderno, 1980, p. 554: “Seja-nos permitido inserir aqui

uma despretensiosa sátira da época: [...]: conversa entre o advogado e um camponês seu cliente: „De acordo com que nova lei?‟ – „Bom, de acordo com o Código Civil. Ai não há nada sobre lesões corporais‟. – „Ná, não posso acreditar que quem fez a lei não se tenha lembrado disso. Nem sequer precisava de arranjar qualquer novidade. Nisso não acredito eu de forma nenhuma‟”.

333

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prevista no § 823. I: Quem dolosa ou culposamente lesiona de forma antijurídica a vida, o

corpo, a saúde, a liberdade, a propriedade ou quaisquer outros direitos da pessoa, está obrigado para com ela à indenização do dano causado.

Além da proteção à vida, ao corpo, à saúde, à liberdade, à propriedade, disse a norma do § 823.I que, quaisquer outros direitos da pessoa estão alcançados pelo dispositivo. Entretanto, para a doutrina majoritária, à época, esta regra (quaisquer outros direitos da pessoa) dizia respeito apenas aos direitos subjetivos ligados à propriedade.

Assim, em Larenz334:

Proteção de outros direitos da personalidade – A doutrina até há pouco absolutamente predominante considerava como exaustiva a enumeração dos quatro „bens vitais‟: os demais direitos da personalidade eram considerados protegidos somente por meio de § 823. II, quando haviam sido reconhecidos por normas legais especiais – como o direito ao nome no § 12.

A responsabilidade civil aquiliana335 por atentado „doloso‟ aos „bons costumes‟ está regrada no § 826: Quem dolosamente causa a outro um dano de forma que atente contra os

bons costumes, está obrigado para com este à indenização do dano.

Por tudo isto, a jurisprudência e a doutrina negavam a existência de um direito geral de personalidade, admitindo, apenas, “direitos subjetivos de personalidade ao nome, à própria imagem e à autoria moral”336

. Sendo, deste modo, a tutela civil da personalidade humana moldada pelo uso moderno da actio iniuriarum romana.

Já o Código Civil suíço, de 1907, contemplou a cláusula geral337 protetora da personalidade humana, “outorgando direito de ação a todo aquele que sofrer um atentado ilícito à sua personalidade” e definindo “atentado ilícito como sendo a agressão não justificada pelo consentimento da vítima, por um interesse público ou privado preponderante” (art. 28)338. Mas, como relata Ascensão339, o nº 2 do art. 28 “estabelecia que a reparação moral

334

LARENZ, Karl. Derecho de obligaciones, t. II, § 66, p. 580, apud GARCIA, Enéas Costa. Direito Geral da Personalidade no Sistema Jurídico Brasileiro, 2007, p. 78. Cfr. MOTA PINTO, Paulo. O direito à reserva sobre a intimidade da vida privada. BFD 69 (1993), p. 492, nota 38: “Diga-se, contudo, que mesmo os direitos especiais de personalidade não se deixam enquadrar bem no sistema do código germânico, o qual, apesar da crítica personalista de Otto Von Gierke, só reconheceu expressamente o direito ao nome (nesse sentido, K. Larenz, ob. cit., pp. 124 e 128 e s, n., 14).

335 MOTA PINTO, Paulo. O direito à reserva sobre a intimidade da vida privada. BFD 69 (1993), p. 492,

nota 38: “A aceitação do direito geral de personalidade destinou-se, pois, a colmatar uma lacuna no sistema de responsabilidade aquiliana do BGB, tendo-se registrado uma evolução comparável quanto ao chamado „direito à empresa instituída e exercida‟”.

336 CAPELO DE SOUSA, Rabindranath V.A. O Direito Geral de Personalidade, 1995, p. 133. 337 MOTA PINTO, Paulo. op cit, p. 493

338

SZANIAWSKI, Elimar. Direitos de Personalidade e sua Tutela, p. 48: “O art. 28, do Código Civil suíço, de acordo com a redação dada pela Lei Federal de 16 de dezembro de 1983, dispõe: „Celui qui subit une atteinte illicite à sa personnalité peut agir en justice pour sa protection contre toute personne qui y participe – Une atteinte est illicite, à moins qu‟elle ne soit justifiée par le consentment de la victime, par un intérêt preponderant privé ou public, ou par la loi”.

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por perdas e danos só seria admitida nos casos estabelecidos em lei”.

Mas o Código Civil italiano, de 1942, não fugindo à regra dos códigos civis voltados a normatizar as atividades econômicas, institui como centro de imputação jurídica, as pessoas físicas (arts. 1º a 10) e as pessoas jurídicas340 (arts. 11 a 42). E, apesar de sua origem fascista, inovou ao disciplinar direitos de personalidade341, como: os atos de disposição do próprio corpo (art. 5º), o direito ao nome (arts. 6º ao 9º) e o direito à imagem (art. 10).

Em Portugal, ensina Pais de Vasconcelos342 que, o que hoje se entende por Direito de Personalidade, ou direitos de personalidade surgiu após o iluminismo e as reformas pombalinas343.

Embora a tutela da personalidade restasse adstrita ao aspecto criminal (calúnia, injúria, difamação), o Código Civil de Seabra, de 1867, que vigorou até 31 de maio de 1967, ao reconhecer o direito de existência, como categoria autônoma (além da vida e da integridade pessoal do homem, também o seu bom nome e reputação, em que consiste a sua dignidade moral), já se mostrava um avanço para a recepção dos direitos de personalidade344.

Quanto ao Código Civil de 1966, diz Pais de Vasconcelos345 que este “inovou francamente, em matéria de direitos de personalidade, em relação ao anterior”. Por influência do artigo 1º da Lei Fundamental de Bonn, o novo Código cortou o cordão umbilical que ligava os direitos de personalidade aos direitos originários, próprio do jusnaturalismo racionalista, dando-lhes, por isso, maior autonomia e vigor.

A aceitação pela doutrina portuguesa de um “direito geral de personalidade” não é pacífica. Ascensão346, que é avesso ao “direito geral de personalidade”, ensina: “Não há

339

ASCENSÃO, José de Oliveira. Direito Civil. Teoria Geral. Vol. I. Introdução. As pessoas. Os bens, 2000, p. 86.

340 A pessoa jurídica adquire personalidade com a inscrição no „registro das pessoas jurídicas‟. D.p.r.

10/02/2000, nº 361.

341

MOTA PINTO, Paulo. O direito à reserva sobre a intimidade da vida privada. BFD 69 (1993), p. 493: “[...] a posição jurisprudencial e doutrinal maioritária foi primeiro no sentido de um numerus clausus de direitos de personalidade incidentes sobre diversos bens ou modos de ser da pessoa”. Idem, nota 41: “Para a jurisprudência, basta recordar as decisões que a partir de 1956 negaram o diritto ala riservatezza, não tipificado e também não desentranhável de qualquer direito geral de personalidade, pois só existiriam especiais direitos subjectivos da pessoa”.

342 VASCONCELOS, Pedro Pais de. Direito de Personalidade, 2006, p. 11-14.

343 CAPELO DE SOUSA, Rabindranath V.A. O Direito Geral de Personalidade, 1995, p. 67: “Em Portugal,

triunfantes que foram o racionalismo e o iluminismo no plano das ideias e da prática política, também as suas expressões jurídicas, ou sejam, o jusnturalismo racionalista e o usus modernus pandectarum viriam a ter, respectivamente, a sua consagração na lei pombalina da Boa razão, de 18 de Agosto de 1769, e nos Estatutos da Universidade de Coimbra de 1772

344

MOTA PINTO, Paulo. op cit, p.482.

345 VASCONCELOS, Pedro Pais de. op cit, p. 32.

346 ASCENSÃO, José de Oliveira. op cit, p. 75. O autor rejeita um direito geral de personalidade, mas reconhece

que em Portugal esta tese é aceita na Universidade de Direito de Coimbra e rejeitada na Faculdade de Direito de Lisboa. Ibidem, p. 86.

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equivalência entre direitos fundamentais e direitos da personalidade”; “os direitos de personalidade atendem às emanações da personalidade humana em si, prévias valorativamente a preocupações de estruturação política”.

O Autor desborda do artigo 70º do CC português o preciso princípio da generalidade de “tutela” da personalidade, afirmando: “Para que um direito de personalidade seja reconhecido não é necessária específica previsão legal: basta que decorra da personalidade ontológica”347

. Mas reconhece os direitos especiais de personalidade em regime de numerus

apertus, advindos, tanto de leis ordinárias, de princípios ou textos de Direito Internacional,

em virtude do art. 16.º, nº 2 da CRP.

O Código atribui uma tutela geral à personalidade348, no artigo 70.º e especifica os direitos civis de personalidade nos artigos: 72.º - Direito ao nome; 74.º - Proteção ao pseudónimo; 75.º - Cartas missivas confidenciais; 76.º - Publicação de cartas confidencias; 77.º - Memórias familiares e outros escritos confidenciais; 78º - Cartas missivas não confidenciais; 79.º - Direito à imagem; 80.º - Direito à reserva sobre a intimidade da vida privada.

Imagem é definida como sendo o “retrato” de uma pessoa, o qual não pode ser exposto, reproduzido ou lançado no comércio, sem o consentimento dela; depois da morte da pessoa retratada, a autorização compete, nesta ordem, ao cônjuge sobrevivo ou qualquer descendente, ascendente, irmão, sobrinho ou herdeiro do falecido (art. 79º.1 c/c 71º.2).

Entretanto, “Não é necessário o consentimento da pessoa retratada quando assim o justifiquem a sua notoriedade, o cargo que desempenhe, exigências de polícia ou de justiça, finalidades científicas, didáticas ou culturais, ou quando a reprodução da imagem vier enquadrada na de lugares públicos, ou na de fatos de interesse público ou que hajam decorrido publicamente” (art. 89.º, nº 2).

Toda limitação voluntária ao exercício dos direitos de personalidade que seja contrária aos princípios da ordem pública é considerada nula (art. 81.º, nº 1). E, mesmo sendo legal, a limitação voluntária é sempre revogável, ainda que com obrigação de indenizar os prejuízos causados às legítimas expectativas da outra parte (art. 81.º, nº 2)349.

347 ASCENSÃO, José de Oliveira. Direito Civil. Teoria Geral. Vol. I. Introdução. As pessoas. Os bens, 2000, p.

80.

348

MOTA PINTO, Paulo. O direito à reserva sobre a intimidade da vida privada. BFD 69 (1993), p.496: “Ao consagrar o direito geral de personalidade, o nosso legislador revelou, além de atenção ao sentido de desenvolvimento dogmáticos noutras ordens jurídicas, uma preocupação personalista que é de louvar”.

349 ASCENSÃO, José de Oliveira. op cit, p. 94, nota nº 100. O autor aponta o paralelismo com o consentimento

133

No Brasil, a Lei 5.988 de 1973 (Copyright)350 foi a primeira a reconhecer o direito à privacidade, no que foi seguida em 1988, pela Constituição. Por força de dispositivos