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CAPÍTULO IV – DIREITOS DE PERSONALIDADE COMO DIREITOS FUNDAMENTAIS

4.6 Direitos fundamentais de personalidade de pessoas jurídicas

Questão que tem merecido destaque na doutrina é quanto à atribuição de direito fundamental de personalidade (honra, intimidade/ privacidade e imagem) às pessoas jurídicas. Como os direitos fundamentais, originariamente, foram concebidos para salvaguardar a pessoa humana, põe-se a dificuldade da aplicação dessas espécies (honra, intimidade/privacidade, imagem), às pessoas jurídicas.

A Constituição alemã não deixa margem a dúvidas, tendo disposto no art. 19.3. Os

direitos fundamentais são ainda aplicáveis às pessoas jurídicas do país, sempre que a natureza de tais direitos permitir.

A Constituição portuguesa que atribui universalidade aos direitos fundamentais, regra no art. 12º.2 As pessoas colectivas gozam dos direitos e estão sujeitas aos deveres

compatíveis com a sua natureza.

À primeira vista, a interpretação semântica do conteúdo do enunciado parece indicar que as pessoas coletivas, de forma generalizada, gozam dos direitos fundamentais, sujeitando- se aos deveres que sejam compatíveis com a sua natureza.

Mas, como já referido, em virtude de sua natureza, nem todos os direitos fundamentais podem ser atribuídos a todas as pessoas coletivas, bem como, nem todas as pessoas coletivas podem ser titulares de todos os direitos fundamentais.

Canotilho461, após destacar o relevo jurídico do enunciado: pessoas colectivas, direitos

fundamentais, compatibilidade com a sua natureza, propõe, com pertinência: “O conceito de natureza de pessoas colectivas pretende responder a duas questões: que direitos (que

categoria) e que pessoas colectivas estão incluídas entre os „candidatos positivos‟ insinuados pelo artigo 12º/2”.

Basta lembrar que, via de regra, as pessoas coletivas são primariamente separadas em “de direito público” e “de direito privado”.

E, ainda, com respaldo em Canotilho462:

Por pessoas colectivas entendem-se aqui diferentes „unidades organizatórias‟: pessoas colectivas nacionais e estrangeiras e pessoas colectivas de direito privado e de direito público (associações, fundações). A extensão de direitos e deveres fundamentais às pessoas colectivas (pessoas jurídicas) significa que alguns direitos não são „direitos do homem‟, podendo haver titularidade de direitos fundamentais e capacidade de exercício por parte de pessoas não identificadas com cidadaos de

„carne e osso‟.

461 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 2003, p. 420. 462

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[...].Os direitos postulados de uma referência humana, não podem, em virtude da sua natureza, ser extensivo a pessoas colectivas: direito à vida (artigo 24º), direito de constituir família e de celebrar casamento (artigo 36º), a liberdade de consciência (artigo 41º). Em fórmula sintética e aproximada: as pessoas colectivas gozam de direitos fundamentais que não pressuponham características intrínsecas ou naturais do homem como sejam o corpo ou bens espirituais.

Se é certo que o legislador constituinte disse mais do que pretendia, certo é que as pessoas jurídicas de direito privado são titulares de alguns direitos fundamentais compatíveis com a sua natureza, como o direito ao nome, à imagem, à liberdade de imprensa, a liberdade de reunião.

Segundo Brito463, “[...] as pessoas coletivas podem ser titulares do direito à honra – assim como do direito à liberdade de expressão – pelo que podem ser vítimas de ofensas à honra – tal como gozam, em certas circunstâncias, de uma maior margem de tolerância no exercício da sua própria liberdade de expressão”.

No que respeita à titularidade de direitos fundamentais às pessoas jurídicas de direito público, como realça Canotilho464, mesmo sendo muitos os doutrinadores que não acolhem a tese, o caso concreto deve ser analisado com parcimônia, dependendo, portanto, tal como para as pessoas coletivas de direito privado, da compatibilidade entre o direito violado e a natureza jurídica da pessoa coletiva.

A Constituição espanhola não dá uma resposta expressa. Ao tratar dos “direitos fundamentais e das liberdades públicas”, inscreve no art. 15. Todos tienen derecho a la vida y

a la integridad física y moral […]. E no art. 18. 1. Se garantiza el derecho al honor, a la intimidad personal y familiar y a la propia imagen.

Observa-se que o objetivo primordial da Constituição é a proteção aos direitos e liberdades da pessoa humana, em sua generalidade “todos”, ou seja, sem distinção ou discriminação de quaisquer espécies.

Entretanto, na atualidade, a jurisprudência465 constitucional espanhola tem assentado que as pessoas jurídicas de natureza privada são titulares do direito à honra (art. 18.1 CE): “el significado del derecho al honor ni puede ni debe excluir de su ámbito de protección a las personas jurídicas”.

463 BRITO, Iolanda A.S. Rodrigues de. Liberdade de Expressão e Honra das Figuras Públicas, 2010, p. 44,

nota 52: “Na jurisprudência constitucional portuguesa, pode convocar-se o Acordão nº 459/07 (in: DR, série II, de 32-07-2008 (sic)) que qualificou uma pessoa colectiva (Sporting Clube de Portugal) como figura pública”.

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CANOTILHO, José Joaquim Gomes. op. Cit, p. 422.

465 SSTC 139/1995, de 26 de septiembre, y 183/1995, de 11 de diciembre. Segundo DIEZ-PICAZO, Luís María.

Sistema de Derechos Fundamentales, 2008, p. 143: “Como curiosidad, vale la pena mencionar que en una ocasión el Tribunal Constitucional ha reconocido que las personas jurídicas pueden ser titulares del derecho al honor; pero ello es poco convincente, habida cuenta del sentido profundamente humano de este derecho”.

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Quanto à atribuição de titularidade ao direito à intimidade, o Tribunal Constitucional466 parece deixar a questão em aberto, quando assenta que o direito à intimidade reconhecido pelo artigo 18.1 CE, “por seu próprio conteúdo e natureza se refere à vida privada das pessoas individuais”, contudo, “em princípio” as pessoas jurídicas podem ser protegidas pelas mesmas garantias constitucionais, em virtude da proteção legal às atividades empresariais.

Como lembra Diez-Picazo467 o artigo 34 da CEDH assegura o acesso ao Tribunal Europeu de Direitos Humanos, de “qualquer pessoa física, organização não governamental ou grupo de particulares” que se considere vítima de uma violação por qualquer das Altas Partes Contratantes. Assim, em princípio, as pessoas jurídicas podem ser titulares dos direitos reconhecidos pelo Convênio Europeu, afastadas, porém, aquelas de natureza pública, em virtude de sua exclusão, no próprio artigo citado.

No Brasil a questão já está pacificada pelo Superior Tribunal de Justiça com a edição da Sumula 227. Pessoa Jurídica. Dano Moral. “A pessoa jurídica pode sofrer dano moral” (DJ 20.10.1999).

466 ATC 257/1985, de 17 de abril. Apud SERVERA, Pedro Grimalt. La protección civil de los derechos al

honor, a la intimidad y a la propia imagen, 2007, p. 46.

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CAPÍTULO V – A LIBERDADE DE INFORMAÇÃO JORNALÍSTICA FRENTE À