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2. MATERIAIS E MÉTODOS

3.5. Aspectos microscópicos da dentição em Mariliasuchus amaral

3.5.1. Análise do desgaste da camada externa de esmalte

Diversas cópias de dentes, provenientes de diferentes espécimes, foram realizadas ao longo do presente estudo, seguindo o protocolo apresentado no item 2.3.1. Notou-se que os contramoldes dos dentes feitos a partir de resina epóxi obtiveram um grau de resolução micrométrica muito melhor do que os feitos a partir de resina de poliuretano.

Osi (2013) realizou um extenso estudo comparativo entre aspectos morfofuncionais da dentição em diferentes grupos de Crocodyliformes heterodontes, incluindo Mariliasuchus amarali, e o microdesgaste dentário foi extensivamente comparado entre diversos táxons. Portanto, a presente análise restringir-se-á principalmente à variação do desgaste de esmalte entre os diferentes morfótipos dentários presentes na dentição de M. amarali. Informações

91 sobre a diferença entre o desgaste dentário de Mariliasuchus e outros Crocodyliformes podem ser vistas em Osi (2013). Infelizmente, nenhuma das cópias do morfótipo incisiforme ficou criteriosamente adequada para uma boa análise do microdesgaste (por problemas no molde e/ou no contramolde), ficando sua análise no presente trabalho restrita apenas ao padrão de macrodesgaste observado. Abaixo encontram-se descritos os padrões de desgaste observados nos diferentes morfótipos dentários de Mariliasuchus amarali.

3.5.1.1. Macrodesgaste do incisiforme

Na arcada superior, os incisiformes apresentam pequenas faces de macrodesgaste apicais, com frequentes extensões anterobasais (Figuras 84, 102B) principalmente no elemento mais anterior da pré-maxila. As faces de desgaste dos primeiros incisiformes mandibulares, por outro lado, apresentam as mais extensas faces de desgaste de toda a dentição em M. amarali, frequentemente ocupando mais de 60% da superfície ventral da coroa e expondo amplamente a camada interna de dentina. Esses elementos, possivelmente ligados a hábitos de forrageio, mostram um intenso contato entre a coroa dentária e o ambiente que ocorria durante a vida de Mariliasuchus. O segundo incisiforme do dentário tem uma face de desgaste bem menor e menos evidente do que o primeiro, e esta face tem uma orientação basicamente apical.

3.5.1.2. Microdesgaste do caniniforme

O caniniforme é o maior elemento dentário presente em M. amarali, e seu desgaste está mais ligado ao contato entre o dente e a comida do que entre o dente pré-maxilar e outro(s) dente(s) mandibular(es). As ranhuras e entalhes (enamel scratches and grooves) provenientes de desgaste não apresentam um padrão de orientação definido, estando todas um pouco emaranhadas e presentes em todas as orientações possíveis (apicobasal, mesiodistal, em diagonal, etc) (Figura 128). Por possuir uma coroa dentária muito longa, alguns dentes fossilizados deste morfótipo apresentam longas linhas de rachaduras longitudinalmente orientadas (Figura 128A), não por processos de oclusão dentária mas sim por processos tafonômicos posteriores à sua morte. Diversos buracos e pequenas depressões (enamel pits) podem ser observados neste morfótipo, de variados tamanhos e aleatória distribuição ao longo da coroa dentária (Figura 128B-D). As ranhuras e entalhes são frequentemente alongadas, facilmente passando de 200µm de comprimento total (Figura 128C). Uma face de

92 macrodesgaste essencialmente apical (frequentemente prolongada anterobasalmente) está presente em diversos caniniformes observados (Figura 102).

3.5.1.3. Microdesgaste do pré-molariforme

O pré-molariforme apresenta um padrão de desgaste do esmalte bastante diferenciado daquele observado no caniniforme hipertrofiado. O macrodesgaste da coroa costuma ser essencialmente apical (Figura 129A), ao invés de apical e prolongado anterobasalmente como no caniniforme (Figura 102). Em relação ao microdesgaste, é possível observar que este possui uma orientação preferencial, com as ranhuras e os entalhes verticalizados e frequentemente alinhados no eixo apicobasal (Figura 129), ao contrário do padrão aleatório observado no caniniforme (mas com diferente angulação daquela observada em molariformes – ver próximo item). Essas “linhas” de desgaste também possuem um comprimento bem menor do que nos caniniformes, com uma média de aproximadamente 30µm a 80µm em seu comprimento total. Enamel pits estão presentes no pré-molariforme, mas em extensão bem menor do que no caniniforme (Figura 129C). Grandes fraturas na camada de esmalte já não costumam ocorrer neste elemento dentário, que é mais robusto e reforçado que seus antecessores na dentição.

3.5.1.4. Microdesgaste do molariforme

Extensas faces de macrodesgaste dentário, anteroposteriormente orientadas, já são amplamente conhecidas na literatura para os molariformes de M. amarali (Vasconcellos & Carvalho, 2005; Zaher et al., 2006; Nobre et al., 2007b; Andrade & Bertini, 2008b; Osi, 2013). Como são os elementos dentários mais robustos de toda a dentição, responsáveis pelo processamento direto do alimento através de uma oclusão dentária precisa (Osi, 2013), é esperado que estes morfótipos apresentem as maiores faces de macrodesgaste. Devido à posição de contato dos dentes durante a oclusão, os molariformes da arcada superior apresentam sua face de desgaste na porção lingual da coroa, enquanto que os molariformes da arcada inferior apresentam a face de desgaste na porção labial da coroa.

Entalhes e ranhuras são sutilmente mais alongados nos molariformes do que nos pré- molariformes, com comprimento total frequentemente passando dos 100µm. Ainda assim, eles são bem menores do que os observados nos caniniformes. Buracos e depressões na camada de esmalte são bem menos frequentes do que nos outros elementos dentários, mesmo considerando que os molariformes possivelmente são os dentes que sofrem o maior stress

93 durante a mastigação no táxon. Tal observação pode estar ligada à diferente natureza de formação entre ranhuras e buracos no esmalte dentário (Lucas, 2004).

Um detalhe interessante observado no presente trabalho é a sutil mudança na angulação do microdesgaste observado nos molariformes. Enquanto os molariformes mais posteriores apresentam um microdesgaste com ranhuras essencialmente alinhados no eixo anteroposterior (Figura 130B-D), o primeiro molariforme (segundo dente maxilar) apresenta um desgaste intermediário entre os pré-molariformes e os molariformes: suas ranhuras e entalhes estão orientadas diagonalmente, nem tanto verticais como nos pré-molariformes nem horizontais como nos molariformes (Figura 130A). Esse padrão observado é condizente com as diferentes fases de processamento alimentar reconhecidas por Osi (2013), com os dentes mais anteriores da maxila participando de uma fase de maior “pinçamento” ao invés de maior “processamento” como os molariformes mais posteriores.

3.5.1.5. Variação ontogenética do microdesgaste

Não foram observadas mudanças significativas no padrão de desgaste do esmalte dentário ao longo do desenvolvimento ontogenético em Mariliasuchus amarali que embasassem uma hipótese de mudança de hábitos alimentares ao longo de seu desenvolvimento. Entretanto, é possível observar externamente um aumento gradativo na espessura do esmalte recobrindo a coroa dentária (como visto no item 3.2.7. e na Figura 102), que pode estar relacionado a um aumento relativo da capacidade de processamento alimentar intraoral durante o desenvolvimento do táxon.