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2. MATERIAIS E MÉTODOS

4.2. Diferenças entre o desenvolvimento ontogenético de Mariliasuchus e Caiman

4.2.2. Diferenças nas trajetórias morfométricas

A morfometria geométrica foi muito mais eficiente na distinção das trajetórias ontogenéticas e mudanças de forma entre Mariliasuchus e Caiman do que foram as análises em morfometria linear/tradicional e descrição qualiativa. Embora as medições lineares forneceram importantes dados sobre a anatomia geral do crânio, apenas a morfometria geométrica pôde distinguir até mesmo as variações mais sutis de forma entre os táxons, além de ter sido a única análise capaz de demonstrar as diferenças ontogenéticas entre as espécies de Caiman, sendo capaz até mesmo de separar morfometricamente a variação morfológica entre C. crocodilus e C. yacare, que são duas espécies muito semelhantes entre si. Alguns autores, inclusive, defendem que C. crocodilus e C. yacare são a mesma espécie (King & Burke, 1989). Os resultados coletados no presente trabalho apontam para diferenças entre os dois grupos que, embora sutis, fornecem uma importante evidência para a hipótese de que estes dois táxons realmente formam duas espécies distintas, algo que Monteiro et al. (1997) já havia notado.

A baixa amostragem (devido à falta de espécimes disponíveis para estudo) de Mariliasuchus afetou negativamente a análise morfométrica de alguns conjuntos de dados. Embora 14 espécimes totais tenham sido analisados no presente trabalho, muitos apresentavam problemas como deformação tafonômica, quebra de região anatômica e preparação parcial do material. Entretanto, M. amarali constitui um importante táxon para o estudo ontogenético dos Crocodyliformes, uma vez que mesmo com os problemas encontrados ele ainda possui uma quantidade de espécimes disponíveis para estudo muito maior do que a maioria dos outros crocodilomorfos fósseis existentes.

O desenvolvimento ontogenético de alguns elementos ósseos possui implicações morfológicas para outras estruturas no crânio dos crocodilomorfos. Por exemplo, a maxila é o elemento que mais se desenvolve durante o crescimento do rostro em Caiman crocodilus

112 (Figura 109), e isso se reflete também na presença de uma fenestra suborbital relativamente maior neste táxon do que em Mariliasuchus (Figura 105D), uma vez que a maxila tem uma participação na fenestra suborbital muito mais significativa em Caiman do que em Mariliasuchus.

Tanto a morfometria linear como a morfometria geométrica mostraram uma tendência de aumento relativo do comprimento do rostro ao longo da ontogenia, tanto em Mariliasuchus como em Caiman, embora em C. crocodilus e C. yacare este aumento relativo é muito mais conspícuo. Este alometria positiva do rostro é comum não só para os Crocodyliformes, mas também para os outros arcossauros, embora as aves possivelmente tenham sofrido um processo de pedomorfose para a manutenção de uma proporção rostral semelhante à de um arcossauro juvenil (Bullar et al., 2012). Em menor escala, C. latirostris (Monteiro et al., 1997) e Mariliasuchus também mantêm um rostro menor e mais semelhante a indivíduos juvenis durante sua ontogenia, ao contrário dos outros táxons de Caiman. Esta observação mostra que processos pedomórficos podem ter desempenhado uma função importante na evolução não só das aves, mas de diversos grupos de arcossauros. Já a diminuição da região pós-rostral foi notada principalmente pela morfometria geométrica (Figuras 111, 115 e 119).

Algumas diferenças nas trajetórias ontogenéticas das fenestras supratemporal, infratemporal e mandibular entre os espécimes fósseis e atuais foram notadas. As fenestras infratemporal e mandibular apresentaram alometria positiva durante seu desenvolvimento em Mariliasuchus, enquanto que em Caiman elas apresentaram alometria negativa (fenestra infratemporal) e isometria (fenestra mandibular). A fenestra supratemporal apresentou alometria negativa em ambos táxons fóssil e atual, mas em Mariliasuchus ela mantém uma forma de grandes proporções durante toda sua vida. Estas diferenças parecem indicar um maior uso e/ou controle da musculatura adutora da mandíbula ao longo do desenvolvimento ontogenético em Mariliasuchus do que em Caiman. Tal fato está de acordo com as evidências de um eficiente processamento alimentar no táxon, uma vez que estas fenestras fornecem passagens e pontos de fixação musculares. Já a fenestra suborbital, que não participa da musculatura adutora da mandíbula, apresenta um comportamento ontogenético oposto, sendo proporcionalmente maior ao longo da ontogenia de Caiman do que em M. amarali.

De uma maneira geral, Mariliasuchus apresenta um rostro que se assemelha mais com o de C. latirostris do que com o de C. crocodilus e C. yacare (Figuras 108, 109 e 116). Tal fato se deve possivelmente à convergência morfológica que estes táxons apresentam nesta região, possuindo um rostro mais curto, largo e robusto do que outros crocodilomorfos. Pierce

113 et al. (2008), ao correlacionar aspectos morfométricos e biomecânicos do crânio em crocodilomorfos atuais (relacionados principalmente ao stress mecânico da alimentação) notou que, de uma maneira geral, a longirostrinidade de alguns crocodilos está relacionada a uma alimentação que inclui presas menores e mais rápidas, permitindo um aumento do número total de elementos dentários e uma maior velocidade em movimentos laterais do crânio, enquanto que a brevirostrinidade está relacionada a uma maior variabilidade alimentar, permitindo que o crânio suporte uma maior quantidade de stress durante a captura e o processamento alimentar. C. latirostris possui uma alimentação que inclui itens durofágicos (Diefenbach, 1979), e uma associação ecomorfológica entre esta espécie e M. amarali pode indicar algum tipo de proximidade entre a alimentação nos dois táxons, fornecendo mais uma evidência de que Mariliasuchus possuía uma alimentação com a inclusão de itens durofágicos durante sua vida. Em Mariliasuchus podem ser notadas algumas mudanças morfométricas na ontogenia relacionadas à capacidade de processamento alimentar no táxon, como a expansão da área do côndilo mandibular do quadrado e a ampliação anterior da superfície articular da mandíbula. Estas evidências reforçam a hipótese de que M. amarali adquiria gradativamente uma maior e mais eficiente capacidade de processamento alimentar durante sua vida.

O rostro apresenta um rápido desenvolvimento de forma, atingindo certa estabilidade morfológica em indivíduos adultos (Figuras 108 e 116). Já o pós-rostro apresenta um desenvolvimento menos brusco e mais contínuo durante a ontogenia dos crocodilomorfos (Figuras 110 e 118). O rápido desenvolvimento do rostro pode estar ligado à rápida modificação ecomorfológica necessária para cada táxon ocupar um nicho ecológico distinto, mesmo em estágios ontogenéticos iniciais. Essa mesma tendência foi observada no desenvolvimento ontogenético de Sotalia guianensis, um Delphinidae sul-americano atual (Sydney et al., 2012), e os autores deste trabalho também relacionaram o rápido desenvolvimento do rostro com a necessidade de adaptações ecomorfológicas em estágios mais juvenis.

O comportamento morfométrico do espécime MZSP-PV 760 variou bastante ao longo das análises. Tanto na morfometria linear como na morfometria geométrica foi possível observar que ora este espécime se aloca mais próximo à trajetória ontogenética de Mariliasuchus (Figuras 106F, 107B e 126) e ora se aloca mais próximo à trajetória ontogenética de Caiman (Figuras 106D, E, 107D, E e 116). Embora sua morfologia claramente mostre que o espécime é um Notosuchia, o comportamento ontogenético distinto

114 de M. amarali em algumas análises reforça a hipótese de que este pequeno crocodilomorfo não pertence ao gênero Mariliasuchus.

A análise morfométrica mostrou que a ontogenia da caixa craniana tende a ser mais conservativa nos dois táxons, apresentando trajetórias ontogenéticas bastante similares entre si, e esta tendência parece ser comum aos crocodilomorfos. Piras et al. (2010), ao comparar as trajetórias ontogenéticas entre o rostro e o pós-rostro de diversos crocodilos atuais, também notaram que o pós-rostro muda muito pouco ontogeneticamente entre os diferentes táxons atuais, exceto em Gavialis que é um táxon alocado basalmente nas filogenias morfológicas dos Eusuchia. As principais mudanças ontogenéticas entre Mariliasuchus e Caiman ocorrem no rostro, mostrando que essa região é a principal responsável pela variação morfológica observada nos dois táxons e possivelmente é a região responsável por abrigar a maior parte da variação morfológica dentre todos os Crocodyliformes. O desenvolvimento ontogenético da região rostral parece ter desempenhado uma função essencial na geração de variação morfológica que permitiu com que os crocodilomorfos ocupassem um grande número de nichos ecológicos distintos durante o Cretáceo do Gondwana.

4.2.3. Considerações filogenéticas preliminares sobre a ontogenia dos