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2. MATERIAIS E MÉTODOS

4.4. Considerações taxonômicas sobre Mariliasuchus robustus

O espécime UFRJ DG 56-R apresenta algumas variações morfológicas em relação a outros espécimes de Mariliasuchus amarali que levaram Nobre et al. (2007a) a considerá-lo como um novo táxon. Entretanto, a maior parte dessas diferenças pode ser explicada pelo fato do material corresponder a um indivíduo em avançado estágio de desenvolvimento, a efeitos tafonômicos deformadores durante sua preservação e a equívocos cometidos durante a fase de preparação/reconstrução do espécime. Cada um dos argumentos utilizados por Nobre et al. (2007a) para justificar a criação de Mariliasuchus robustus será discutido em detalhes a seguir.

4.4.1. Robustez do crânio

A anatomia geral do crânio de UFRJ DG 56-R aparenta ser mais robusta que outros espécimes de Mariliasuchus devido a um artefato gerado por uma colagem equivocada da região occipital no crânio deste espécime. Como essa região está localizada numa posição

127 muito mais anterior do que deveria estar (ver item 3.6.), o crânio aparenta ser mais curto e alto do que realmente é, principalmente quando comparado com outros indivíduos (Figura 87). Entretanto, grande parte da robustez geral do crânio em M. robustus é uma falsa impressão causada principalmente por dois motivos: 1) pelo fato da região occipital estar colada numa posição muito mais anterior do que deveria estar em UFRJ DG 56-R; e 2) pelo processo diagenético de compressão anteroposterior sofrido por este espécime (ver item 4.4.5.). Se o crânio de M. robustus estivesse completo (Figura 138), seria possível observar uma proporção entre seus elementos muito mais parecida com M. amarali.

4.4.2. Expansão lateral da região pós-orbital

O espécime UFRJ DG 56-R apresenta uma grande expansão lateral da região pós- orbital, formada pela mandíbula e pelos jugais que se projetam lateralmente após o final do rostro, e esta condição também foi utilizada por Nobre et al. (2007a) para reforçar a justificativa de criação de um novo táxon. Entretanto, ao observar diferentes espécimes de Mariliasuchus amarali em vista dorsal é possível observar que esta expansão é uma condição amplamente presente no táxon, mesmo em indivíduos de estágios ontogenéticos mais juvenis (Figura 81), e que claramente não é uma autapomorfia de Mariliasuchus robustus.

A expansão da região pós-orbital em UFRJ DG 56-R parece ser mais brusca do que em outros espécimes de Mariliasuchus, mas este fato também pode ser explicado pelo fato da região occipital estar artificialmente posicionada de maneira muito anterior no material em questão. Se o crânio estivesse completo, certamente essa expansão pareceria mais suave, assim como ocorre em Mariliasuchus amarali (Figura 138A).

4.4.3. Forte arqueamento da mandíbula

A impressão de um forte arqueamento em sentido dorso-posterior do surangular, na porção anterior da mandíbula, também é causada por um artefato gerado por colagem equivocada do material UFRJ DG 56-R. Diversas quebras e rachaduras são visíveis em vista lateral da mandíbula, e os contatos entre as peças quebradas parecem não se encaixar com perfeição no espécime (Figura 29). Tal montagem equivocada pode ter levado à falsa impressão que o surangular é mais arqueado do que deveria ser. Uma compressão diagenética também pode ter afetado a anatomia deste elemento ósseo (item 4.4.5.). Outro fato que levanta dúvidas sobre a real posição deste elemento ósseo em UFRJ DG 56-R é que o

128 surangular obliteraria o jugal em vista lateral (Figura 29), o que implicaria num acentuado e impossível desgaste entre estes ossos durante os movimentos de processamento alimentar.

A mandíbula de Mariliasuchus robustus está preservada parcialmente e, mesmo assim, atinge quase todo o comprimento do crânio. Isso ocorre por conta da região occipital em UFRJ DG 56-R estar posicionada equivocadamente de maneira muito anterior; caso a mandíbula estivesse completa, ela terminaria muito depois do crânio, impossibilitando uma articulação com o quadrado. Além disso, ela também está localizada muito dorsalmente (no arqueamento do surangular), e não haveria espaço para a musculatura da mastigação se posicionar de maneira plausível. Portanto, um dos principais argumentos de Nobre et al. (2007a) para justificar a criação de Mariliasuchus robustus (a condição autapomórfica da posição da mandíbula) não pode ser utilizado, uma vez que o posicionamento diferenciado de seus elementos é causado por montagem equivocada de fragmentos ósseos, e não por um real posicionamento anatômico diferenciado.

4.4.4. Dentição diferenciada

Nobre et al. (2007a) argumentaram que uma maior robustez dos dentes, com estrias e tubérculos mais evidentes, um caniniforme mais ornamentado, com linhas longitudinais mais evidentes, com raiz mais profunda e com ápice mais inclinado caudamente reforçariam a diferença entre M. amarali e M. robustus, corroborando com a criação de um novo táxon para UFRJ DG 56-R.

A maior robustez dentária, juntamente com uma camada de esmalte mais espessa, densa e ornamentada em UFRJ DG 56-R é aqui atribuída ao fato deste material pertencer a um indivíduo mais velho que os outros espécimes conhecidos de Mariliasuchus. Durante o desenvolvimento ontogenético de Mariliasuchus os dentes ficam cada vez mais fortes, robustos e resistentes. Este padrão pode ser observado ao analisar a dentição de diferentes espécimes alinhados ontogeneticamente (Figura 102).

O caniniforme hipertrofiado de UFRJ DG 56-R não apresenta diferenças estruturais quanto ao padrão de estrias longitudinais e ângulo de inclinação do ápice da coroa quando comparado com outros espécimes adultos de Mariliasuchus, ao contrário do que pontuaram Nobre et al. (2007a). Ao observar dois caniniformes hipertrofiados de indivíduos adultos bem preservados, fica evidente que a morfologia deste elemento dentário é idêntica em ambos indivíduos (Figura 102D e E), com uma leve variação intraespecífica dentro de cada espécime. A presença de uma raiz mais profunda e de um dente de maior tamanho geral em

129 UFRJ DG 56-R se deve ao fato deste espécime ser relativo a um indivíduo em estágio ontogenético mais avançado do que outros materiais de Mariliasuchus conhecidos.

4.4.5. Fator diagenético deformador em UFRJ-DG 56-R

Um rostro mais elevado lateralmente não foi um argumento utilizado por Nobre et al. (2007a) para diagnosticar Mariliasuchus robustus, mas é especialmente visível quando se compara este espécime a outros de Mariliasuchus amarali. Uma explicação possível para essa diferença anatômica é a presença de um efeito diagenético deformador durante a preservação do espécime.

Frequentemente, os espécimes de Mariliasuchus apresentam algum grau de deformação sofrido durante seu processo de preservação. Ao observar o espécime MN-6298 V, por exemplo, é possível notar claramente que este espécime sofreu uma forte compressão lateral durante sua preservação. Tal fato pode ser constatado ao comparar este espécime com outros de M. amarali, principalmente em vista dorsal do crânio (Figura 81) e em vista dorsal da mandíbula (Figura 93). O crânio e a mandíbula de MN-6298 V são muito mais comprimidos lateralmente do que em outros espécimes de Mariliasuchus, e tal característica não pode ser explicada por variação ontogenética, por exemplo. Um severo efeito de uma forte compressão lateral sofrida no espécime em questão pode ser observado ao analisar o crânio em vista posterior (Figura 90A), onde é possível notar uma expansão dorsoventral anormalmente grande em MN-6298 V. Ao sofrer uma forte compressão lateral, os elementos ósseos deste espécime se achataram e deformaram sua anatomia, comprimindo-se lateralmente e expandido-se dorsoventralmente.

Outro espécime bastante deformado de M. amarali é URC-R 67. Neste indivíduo, a compressão não foi lateral e sim dorsoventral, como é possível notar por sua região occipital altamente colapsada (Figura 62). O resultado dessa compressão dorsoventral foi a deformação lateromedial sofrida por alguns elementos, alargando lateromedialmente de maneira artificial algumas estruturas (como a coana, que é bem mais exposta neste espécime em vista ventral do crânio, figura 94).

UFRJ-DG 56-R também mostra evidências de uma forte compressão sofrida durante seu processo de preservação. Entretanto, essa compressão não parece ter sido lateral nem dorsoventral, mas sim anteroposterior (Figura 136). A compressão sobre o eixo sagital do crânio deste espécime pode ter sido um fator fundamental para a anatomia apresentada em M. robustus, uma vez que uma forte pressão anteroposterior pode ter elevado dorsoventralmente

130 algumas estruturas, como o rostro como um todo, e ter gerado a condição observada de uma maxila e pré-maxila mais elevadas. Outra evidência de uma forte compressão anteroposterior no espécime é o fato de todas as quebras presentes no teto craniano do fóssil estarem orientadas no mesmo sentido (transversais ao eixo sagital) (Figura 28A). Além disso, essa compressão pode ter colapsado a região posterior contra a anterior, levando também à quebra da mandíbula e à sua consequente elevação anormal do surangular.

4.4.6. Considerações sobre a validade de M. robustus

As diferenças morfológicas de Mariliasuchus robustus em relação à Mariliasuchus amarali, descritas por Nobre et al. (2007a), são aqui atribuídas principalmente a variação ontogenética (uma vez que UFRJ-DG 56-R é o maior e mais velho espécime de Mariliasuchus conhecido), a artefatos gerados por equívocos durante a preparação e montagem do espécime UFRJ-DG 56-R e também devido a fatores tafonômicos / diagenéticos decorrentes de seu processo de fossilização.

A presença de uma maior robustez geral do crânio e de uma camada de esmalte dentário mais espessa e ornamentada no espécime UFRJ DG 56-R, bem como seu tamanho total muito maior em relação a outros espécimes de Mariliasuchus amarali, são aqui interpretadas como evidências de desenvolvimento ontogenético mais tardio.

Somados os argumentos citados previamente e aliados ao fato de Mariliasuchus robustus ter sido descrito sem uma diagnose filogenética (baseada em apomorfias), interpreta- se que o espécime UFRJ DG 56-R representa um indivíduo de Mariliasuchus amarali em estágio ontogenético mais avançado, e não uma espécie nova. A única característica morfológica observada no material UFRJ-DG 56-R que distoa dos outros materiais cranianos de Mariliasuchus e que pode indicar uma diferença taxonômica entre os fósseis é a altura do rostro que, caso não tenha sido formada por um processo diagenético, pode indicar algum tipo de apomorfia. Entretanto, interpreta-se aqui que somente esta característica morfológica não é consistente o suficiente para justificar a criação de um novo táxon dentro do gênero Mariliasuchus.

4.5. MZSP-PV760: o mais jovem crocodilomorfo (pós-embrionário) do Cretáceo