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2. MATERIAIS E MÉTODOS

4.3. Morfologia funcional da dentição e paleoecologia em Mariliasuchus amarali Mariliasuchus amarali é reconhecido por possuir uma heterodontia bastante

4.3.1. Dentição maxilar e pré-maxilar

A dentição da arcada superior sobrepõe a dentição da arcada inferior, com os elementos da maxila e da pré-maxila cobrindo externamente a maioria dos elementos do dentário quando o animal mantém a boca fechada (Figura 97 B, D e H), com exceção dos primeiros dentes da mandíbula, que se projetam anteriormente e se expõe externamente, passando entre os primeiros dentes da pré-maxila. Os dois primeiros elementos dentários da arcada superior são os incisiformes (Figura 84), que possuem um formato cônico e o ápice recurvado ventralmente. O primeiro incisiforme se direciona anteroventralmente do alvéolo, posicionando-se muito próximo ao primeiro incisiforme da outra pré-maxila. Em espécimes que encontram-se articulados com a mandíbula, como UFRJ DG 50-R, UFRG DG 105-R e URC R-67, é possível observar que a proximidade entre os primeiros alvéolos da arcada superior ocorre para que os primeiros dentes da mandíbula possam se posicionar entre o primeiro e o segundo incisiformes da pré-maxila (Figura 102B) quando o animal encontra-se com a boca fechada. Estrias longitudinais ornamentam toda a coroa dentária. O macrodesgaste da camada de esmalte dentário é apical neste elemento, com frequente ampliação anterobasal da face de desgaste. O segundo dente da pré-maxila também possui morfologia incisiforme, com um formato cônico e o ápice recurvado ventralmente. Tanto o

118 alvéolo quanto a coroa dentária deste elemento são posicionados e orientados mais lateralmente do que o primeiro incisiforme, permitindo que o incisiforme procumbente da mandíbula se encaixe entre os dois incisiformes da pré-maxila. O macrodesgaste apresentado pelo segundo incisiforme é mais apical do que o observado no primeiro.

O terceiro elemento dentário da arcada superior é o caniniforme hipertrofiado, que constitui o maior dente presente em Mariliasuchus amarali, ocorrendo somente na pré-maxila e ausente na mandíbula. Sua coroa é formada por uma base circular bastante robusta e por um corpo que vai se afunilando no sentido apical, terminando num ápice levemente recurvado posteroventralmente (Figura 102). Este elemento possui as estrias longitudinais mais conspícuas de toda a dentição em M. amarali. Sua superfície labial fica totalmente exposta externamente, enquanto que sua superfície lingual sobrepõe o 3º elemento da arcada inferior e parte do próprio dentário. Seu macrodesgaste é principalmente apical, sendo bastante comum encontrar o ápice deste elemento quebrado nos diferentes espécimes, mas é possível observar uma continuação anterobasal deste desgaste, partindo do ápice e seguindo sentido a base do dente. Este é o elemento dentário que mais se modifica ao longo do desenvolvimento ontogenético em Mariliasuchus, se tornando cada vez maior proporcionalmente ao resto da dentição e adquirindo uma camada de esmalte cada vez mais espessa e ornamentada, embora a forma geral de sua coroa dentária se mantenha essencialmente a mesma (Figura 102; ver item 3.2.7.). O microdesgaste observado neste elemento é constituído por ranhuras e entalhes alongados, frequentemente passando de 200µm de extensão, e por buracos e depressões presentes irregularmente ao longo de toda a coroa dentária. Não há um alinhamento preferencial do microdesgaste neste elemento, e tanto as ranhuras quanto os pequenos buracos estão aleatoriamente distribuídos pela camada externa de esmalte.

Após o caniniforme hipertrofiado surgem dois elementos com características intermediárias entre um caniniforme e um molariforme. Estes elementos são reconhecidos pela primeira vez no presente trabalho, e são aqui nomeados como pré-molariformes. Características que diferenciam este dente do morfótipo caniniforme são: base mais circular, tamanho expressivamente menor (sem hipertrofia), estrias longitudinais menos conspícuas e ápice relativamente mais recurvado posteroventralmente. Ao mesmo tempo, este morfótipo também não pode ser classificado como um molariforme por possuir um formato muito mais cônico que os últimos elementos dentários, por possuir um ápice recurvado, pela relativa menor presença de tubérculos de esmalte recobrindo as faces labial e lingual e por apresentar um macrodesgaste apical ao invés da característica face de desgaste apicolateral orientada

119 anteroposteriormente dos molariformes (Figura 103). Por não se encaixar em nenhuma pré- definição existente na literatura (e por provavelmente possuir uma função diferente de um caniniforme e de um molariforme), optou-se pela designação de um novo morfótipo dentário para estes elementos e por uma nomenclatura adequada dos mesmos. O primeiro pré- molariforme está situado na pré-maxila e é maior e mais alongado que o segundo pré- molariforme, possuindo também um ápice mais recurvado. Este elemento possui uma carena sutilmente serrilhada apenas em sua face distal (Figuras 129A e 133 I). O segundo pré- molariforme, situado no primeiro alvéolo da maxila, é menor e mais robusto do que o primeiro pré-molariforme, mas ainda assim é morfologicamente distinguível dos molariformes subsequentes. Este segundo pré-molariforme apresenta uma carena com quilha, formada por dentículos circulares e robustos, semelhantes aos dentículos observados nos molariformes, presente nas faces mesial e distal. Esta carena, entretanto, distingue-se da carena observada nos molariformes por possuir dentículos apenas pobremente delimitáveis, ao contrário dos dentículos bem evidentes presentes nos últimos elementos maxilares. Ao contrário do caniniforme, o pré-molariforme já apresenta uma orientação preferencial de seu microdesgaste, com as ranhuras e entalhes orientados principalmente ao longo do eixo apicobasal da coroa dentária (Figura 129), e bem menores proporcionalmente do que os observados ao longo do caniniforme. Pequenos buracos e depressões da camada de esmalte também estão presentes neste elemento, porém em tamanho e quantidade relativamente menores do que no caniniforme hipertrofiado.

Os molariformes são os quatro últimos elementos da série dentária, e estão presentes apenas em alvéolos maxilares. Possuem uma coroa de base arredondada e bastante robusta (Figura 102), sendo claramente os elementos capazes de suportar um maior estresse durante a mastigação em M. amarali. Estrias longitudinais, presentes no eixo apicobasal, estão presentes na ornamentação dos molariformes, mas não de maneira tão conspícua como nos elementos anteriores. Diversos tubérculos arredondados de esmalte, fora do eixo da carena, ornamentam toda a cora dentária (principalmente a base da coroa), e estão presentes tanto na face labial como na face lingual (Figura 102). A face labial (não-oclusiva) dos molariformes é convexa, enquanto que a face lingual (oclusiva) é achatada e apresenta amplas faces de desgaste. Carenas serrilhadas estão presentes nas porções mesial e distal destes elementos, e sua natureza de formação é motivo de discussão na literatura e no presente trabalho (ver item 3.5.2.4.). Os molariformes maxilares apresentam uma ampla face de desgaste do esmalte dentário, com estrias orientadas anteroposteriormente, situadas na porção apicolateral da face

120 labial da coroa. Este padrão de desgaste, juntamente com a morfologia da articulação da mandíbula com o crânio, permite inferir que M. amarali realizava movimentos anteroposteriores durante seu processamento alimentar (Zaher et al., 2006; Nobre et al., 2007b). A ocorrência de movimentos complexos de mastigação, embora rara nos répteis como um todo, é relativamente comum em clados extintos de Crocodyliformes (Osi, 2013). O microdesgaste do esmalte dentário também suporta a hipótese de complexos movimentos mandibulares durante a mastigação, com as micro ranhuras orientadas anteroposteriormente. Entretanto, é importante notar que no primeiro molariforme da maxila as ranhuras estão orientadas diagonalmente, provavelmente devido à diferente participação deste elemento no processamento alimentar, ao invés de estarem horizontalizadas como nos molariformes subsequentes. O último molariforme é um elemento de proporções bastante reduzidas, e certamente foi o molariforme que menos participava do processamento alimentar durante a mastigação. É comum que este último molariforme apresente pouca ou nenhuma face de macrodesgaste aparente, embora em UFRJ-DG 106-R ele seja um elemento de maior tamanho (provavelmente em estágio mais próximo à substituição) e apresente uma face de desgaste relativamente bem desenvolvida, principalmente em suas porções apicais (Figura 35).