• Nenhum resultado encontrado

2.2 DECRETO FEDERAL n 99.556/1990 E DECRETO FEDERAL n 6.640/2008:

2.2.3 Análise do grau de relevância

Nos termos do art. 5º do Decreto n. 6.640/2008:

A metodologia para a classificação do grau de relevância das cavidades naturais subterrâneas, considerando o disposto no art. 2º, será estabelecida em ato normativo do Ministro de Estado do Meio Ambiente, ouvidos o Instituto Chico Mendes, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis - IBAMA e demais setores governamentais afetos ao tema, no prazo de sessenta dias, contados da data de publicação deste Decreto.

369 BRASIL. Tribunal de Contas da União. TC 016.535/2013-8. Plenário. Relator Min. Marcos

Bemquerer Costa. Brasília, DF. Sessão Ordinária 11.06.2014. Acórdão n. 1.571/2014. p. 35. Disponível em: <www.tcu.gov.br/Consultas/Juris/Docs/judoc/>. Acesso em: 22 out. 2015.

370 François Ost assevera que: “Falta, pois, imaginar um estatuto jurídico do meio, que esteja à altura

do paradigma ecológico marcado pelas ideias de globalidade (‘tudo constitui sistema na natureza’) e de complexidade; um regime jurídico pertinente face ao carácter dialéctico da relação homem- natureza, que não reduza, portanto, o movimento ao domínio unilateral de um sobre o outro. Um estatuto do meio, que confira uma forma jurídica ao conceito econômico de ‘desenvolvimento sustentável’, isto é, que canalize os modos de produção e de consumo para vias que preservem as capacidades de regeneração dos recursos naturais, e, de forma mais geral, os ciclos, processos e equilíbrios, locais e globais que asseguram a reprodução do ser vivo. Um regime jurídico que, finalmente traduza a preocupação ética de assumir a nossa responsabilidade a respeito das gerações futuras, impondo nomeadamente uma moderação, tanto nas subtracções como nas rejeições, a fim de garantir a igualdade das gerações no acesso a recursos naturais de qualidade equiparável”. (A

Como se vê, o decreto em comento adotou como critério para a classificação das cavidades naturais subterrâneas o método do grau de relevância, estabelecido em quatro níveis (máximo, alto, médio ou baixo) e determinado pela análise de atributos ecológicos, biológicos, geológicos, hidrológicos, paleontológicos, cênicos, histórico-culturais e socioeconômicos, avaliados pelos enfoques regional e local.

Somente as cavidades naturais subterrâneas classificadas como grau de relevância máximo mereceram proteção total, não podendo ser destruídas. As demais, em tese, podem ser destruídas, ora com imposição de compensação (grau alto e médio de relevância), ora sem compensação (grau baixo de relevância).

O decreto em comento define ainda os atributos das cavernas em acentuados, significativos ou baixos. O método não é prático na medida em que contém grande quantidade de variáveis, muitas delas com características subjetivas, e segundo Berbert-Born, “diversas fragilidades e falhas no percurso que leva até o reconhecimento e pontuação dos valores dos elementos espeleológicos têm sido levantadas”.371

O grau de relevância serve fundamentalmente ao licenciamento ambiental de obra, empreendimento ou atividade que possa causar impactos às cavidades naturais subterrâneas. Essa classificação pode servir a outras finalidades, como o levantamento das características das cavidades. Contudo, o critério de graus de relevância foi constituído pelo Decreto n. 6.640/2008 para fins de possibilitar a exploração econômica nas áreas das cavidades e não para fins de preservação das cavernas. Destarte, o papel que deveria ser da União, com relação a mapeamento, identificação, catalogação das cavidades, acaba sendo realizado pelos interessados na exploração econômica das respectivas áreas (vale dizer, interessados na sua supressão), já que, para tanto, é necessária a classificação em graus de relevância da cavidade quando ela é afetada pela atividade.

O conjunto da legislação sobre o patrimônio espeleológico (IN MMA n. 2/2009, IN MMA n. 30/2012, Decreto n. 6.640/2008 e Resolução Conama n. 347/2004, Instrução Normativa ICMBio 7/2014), que não contempla lei mas somente atos do Poder Executivo, configura, na essência, uma normatização específica de

371 BERBERT-BORN, Mylène. Instrução Normativa MMA 2/09 – Método de classificação do grau de

relevância de cavernas aplicado ao licenciamento ambiental: uma prática possível? Espeleo-Tema. Revista Brasileira dedicada ao estudo de cavernas e carste. Campinas, SP, Sociedade Brasileira de Espeleologia, v. 21, n. 1, 2010. Disponível em: <http://www.cavernas.org.br/espeleo-tema/espeleo- tema_v21_n1.pdf>. Acesso em: 14 jul. 2014.

condicionantes do licenciamento, precisamente compensação por meio de instrumentos voltados à conservação e ao uso do próprio patrimônio espeleológico.

Esse instrumento compensatório vem figurando como “instrumento de proteção das cavidades naturais subterrâneas existentes no território nacional”, o que representa uma distorção, pois autorizar a destruição de cavidades naturais e condicionar uma atividade à “compensação” ambiental atende ao “princípio da indenização” em face dos danos causados ao meio ambiente impostos ao poluidor e ao predador (art. 4, inc. VII, da Lei 6.938/1981)372, em contraposição ao objetivo geral do direito ambiental, que é, acima de tudo, evitar o dano ambiental (princípios da prevenção e da precaução).

Na opinião de Berbert-Born:

Na perspectiva de dano frente a algum uso ou atividade pretendida, o grau de relevância é simplesmente o fator que orienta as restrições, mitigações, condicionantes e compensações impostas à pretensa atividade, tendo em vista especificamente os valores que estão sob risco. Nesta perspectiva, a classificação do grau de relevância trata de critérios básicos de ‘indenização’.373

A ideia inicial de se tratar distintamente elementos de valor no conjunto do acervo espeleológico e elementos sem nenhum valor para o acervo deu margem ao conceito de “gradação de valores de relevância”, com um sentido de “custo ambiental”, ou seja, visou a orientar o custo da compensação devida pelo empreendedor em razão do valor perdido. Aí está a origem de toda a cadeia de dificuldades, que se consolidou com a publicação do Decreto n. 6.640/2008, conforme exposto. “No cerne da questão, havia uma suposta solução: admitir a perda de valores e “compensá-los” em função de outros ganhos. E no cerne do problema: a mensuração objetiva desses valores para que se possa confrontá-los

372 BERBERT-BORN, Mylène. Instrução Normativa MMA 2/09 – Método de classificação do grau de

relevância de cavernas aplicado ao licenciamento ambiental: uma prática possível? Espeleo-Tema. Revista Brasileira dedicada ao estudo de cavernas e carste. Campinas, SP, Sociedade Brasileira de Espeleologia, v. 21, n. 1, 2010. p. 95. Disponível em: <http://www.cavernas.org.br/espeleo- tema/espeleo-tema_v21_n1.pdf>. Acesso em: 14 jul. 2014.

373 BERBERT-BORN, Mylène. Instrução Normativa MMA 2/09 – Método de classificação do grau de

relevância de cavernas aplicado ao licenciamento ambiental: uma prática possível? Espeleo-Tema. Revista Brasileira dedicada ao estudo de cavernas e carste. Campinas, SP, Sociedade Brasileira de Espeleologia, v. 21, n. 1, 2010. p. 95. Disponível em: <http://www.cavernas.org.br/espeleo- tema/espeleo-tema_v21_n1.pdf>. Acesso em: 14 jul. 2014.

aos ganhos e compensar a sua perda de maneira justa374, o que o Decreto n.

6.640/2008 não solucionou, ao revés, agravou.

As propostas de critérios de relevância se baseiam na presença de determinados atributos, com ou sem pesos. Para o Decreto n. 6.640/2008, cavidades que possuam pelo menos um dos 11 atributos listados no parágrafo 4º do artigo 2º (sem pesos) são de relevância máxima e devem ser protegidas, garantia que o Decreto 99.556/1990, em sua redação original, dava a todas as cavernas do território nacional.375

Dessa forma, o critério de graus de relevância é questionável na medida em que pode significar danos irreversíveis e incalculáveis ao patrimônio espeleológico e deveria ser utilizado, ao revés, para definir a finalidade e o uso da cavidade, a depender da avaliação científica, cultural, econômica e/ou ambiental realizada: nesta equação não entra a possibilidade de sua destruição.

2.2.4 Entendimento da comunidade científica sobre critérios de