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2.2 DECRETO FEDERAL n 99.556/1990 E DECRETO FEDERAL n 6.640/2008:

2.2.2 Decreto Federal n 6.640/2008

O Decreto Federal n. 99.556/1990, como visto linhas atrás, considerou todas as cavidades naturais subterrâneas existentes no território nacional como patrimônio cultural. Essa característica, por si só, determinou que essas cavidades devessem ser protegidas, preservadas e conservadas, não sendo permitida a sua destruição, somado o fato de que referido diploma não estabelecia categorização segundo os graus de relevância entre elas; ou seja, todas eram consideradas relevantes. A proteção se devia ao só fato da existência da cavidade natural subterrânea, notadamente em observância aos princípios da precaução, da prevenção, da solidariedade intergeracional, do direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e do desenvolvimento sustentável, sendo compatível com o ordenamento jurídico pátrio, inclusive constitucional. Assim, passou-se de proteção nenhuma à proteção máxima, quer dizer: anteriormente não havia norma jurídica de proteção específica das cavidades naturais subterrâneas, doravante, adota-se uma proteção proibitiva de qualquer utilização que pudesse comprometer a sua integridade física, não havendo possibilidade de destruição destes ambientes para fins econômicos em especial.

Com o advento do Decreto n. 6.640/2008, que deu nova redação ao Decreto n. 99.556/1990, subverteu-se a lógica jurídica e científica, com intensa redução do nível de proteção do patrimônio espeleológico. De fato, a partir do Decreto n. 6.640/2008, somente aquelas cavidades naturais classificadas como de grau de relevância máxima merecem proteção, não sendo demais lembrar que para o Decreto n. 6.640/2008 existem apenas dois tipos de cavidades naturais subterrâneas, as de relevância máxima e as de não relevância máxima, as quais podem ser destruídas, apesar de serem relevantes.

Assim, passou-se a permitir que atividades econômicas minerárias em áreas de ocorrência de cavidades naturais subterrâneas possam ser instaladas e

operacionalizadas.245 Com esse objetivo, o Decreto Federal n. 6.640/2008 alterou

significativamente o regime jurídico das cavernas brasileiras, reduzindo ou mesmo suprimindo drasticamente a proteção até então existente. As cavernas deixaram de ser definidas como patrimônio cultural brasileiro. Estabeleceu-se uma metodologia de classificação de análise de relevância das cavernas brasileiras, a cargo das mineradoras, determinando quais são merecedoras de conservação por meio de quatro graus de relevância: máximo, alto, médio e baixo. A determinação das cavernas de relevância máxima, que não poderão sofrer impactos ambientais, foi realizada por meio de parâmetros definidos no próprio decreto. Os demais graus de relevância foram detalhados na Instrução Normativa n. 2 do MMA, publicada em 20 de agosto de 2009. As cavernas classificadas como de relevância alta, média e baixa poderão sofrer impactos irreversíveis (rectius destruição), mas a atividade será submetida a processo de licenciamento ambiental. Impactos irreversíveis em cavidades de relevância alta deverão ser compensados pelo empreendedor por meio da preservação de duas cavernas com o mesmo grau de relevância, de mesma litologia e com atributos similares à que sofreu o impacto, que serão consideradas cavidades-testemunho. A preservação dessas cavidades naturais subterrâneas deverá, sempre que possível, ser efetivada em área contínua e no mesmo grupo geológico da cavidade que sofreu o impacto. Não havendo na área do empreendimento outras cavidades representativas que possam ser preservadas sob a forma de cavidades-testemunho, o ICMBio poderá definir, de comum acordo com o empreendedor, outras formas de compensação. Em relação às cavernas de relevância média que sofrerem impactos irreversíveis, o empreendedor deverá adotar medidas e financiar ações, nos termos definidos pelo órgão ambiental competente, que contribuam para a conservação e o uso adequado do patrimônio espeleológico brasileiro, especialmente das cavidades naturais subterrâneas com graus de relevância máximo e alto. No que tange a impactos irreversíveis em cavernas classificadas como de relevância baixa, o empreendedor não estará obrigado a adotar medidas e ações para assegurar a preservação de outras cavidades naturais subterrâneas.

245 “No quadro de um Estado industrial, onde as elites políticas ou as elites econômicas se

interpenetram, e reforçam mutuamente os seus interesses respectivos, o direito regulamentar [por meio do direito administrativo], embora concedendo aos cidadãos uma ilusão de proteção, pode, em alguns casos, acentuar mais do que travar as atividades poluentes.” OST, François. A natureza à

Nota-se, portanto, a evidente dificuldade de preservar, compensar, cumprir as medidas e as ações propostas na seara das cavidades naturais subterrâneas.

Nesse contexto, muitos pontos polêmicos do Decreto n. 6.640/2008246 podem ser destacados.

(i) Cavernas de relevância alta admitem impactos de qualquer magnitude, mesmo irreversíveis, condicionados a medidas que preservem outras duas similares na região do empreendimento, ou mesmo em outra região. Essa solução será frequentemente inviável porque os atributos raros, acentuadamente importantes ou fortemente influentes, que qualificam a alta relevância, dificilmente estarão replicados.247

(ii) Segundo o Decreto n. 6.640/2008, o grau de relevância não é fixo. Diante de fatos novos, comprovados por estudos técnico-científicos, o ICMBio poderá rever a classificação do grau de relevância de cavidade natural subterrânea, tanto para um nível superior como para um inferior (art. 2º, § 9º). Assim, uma cavidade classificada como de relevância alta, média ou baixa, em momento posterior pode ser classificada como de relevância máxima, a qual, pelo Decreto n. 6.640/2008, não poderá ser suprimida. Contudo, se a caverna já tiver sido suprimida (ou em fase de supressão), nada mais (ou muito pouco) se poderá fazer para preservá-la, em que pese a vedação de supressão. Não há sentido nessa norma.248

Roseli Senna Ganem, consultora legislativa da área de meio ambiente e direito ambiental da Câmara dos Deputados, observa que os estudos desenvolvidos para nortear a classificação de uma caverna talvez não ofereçam dados definitivos para tal, uma vez que as cavernas poderão ser reclassificadas mediante fatos novos comprovados por estudos técnico-científicos, tanto para nível superior como para nível inferior (art. 2º, § 9º). Algumas indagações, a propósito, são apresentadas pela consultora: qual seria a segurança efetiva do processo de licenciamento ambiental,

246 Parte deles retirados de: INSTITUTO TERRA BRASILIS. Ecoteca digital. IV Curso de Espeleologia

e Licenciamento Ambiental, p. 158.

247 BERBERT-BORN, Mylène. Instrução Normativa MMA 2/09 - método de classificação do grau

relevância de cavernas aplicado ao licenciamento ambiental: uma prática possível? Espeleo-Tema. Revista Brasileira dedicada ao estudo de cavernas e carste. Campinas, SP, Sociedade Brasileira de Espeleologia, v. 21, n. 1, 2010. p. 67. Disponível em: <http://www.cavernas.org.br/espeleo- tema/espeleo-tema_v21_n1.pdf>. Acesso em: 14 jul. 2014.

248 Ademais, como lembra François Ost: “[...] será necessário conformar-se com um saber

iminentemente revisável: o grande número de variantes introduzidas, bem como a multiplicidade dos elos recursivos operando entre si, frustram qualquer previsão intangível. É a uma actualização constante dos dados e a uma revisão periódica dos modelos explicativos que obriga o saber ecológico actual”. (A natureza à margem da lei: a ecologia à prova do direito, p. 110).

se a classificação da caverna pode ser revista? No caso de estudos que venham a comprovar a relevância máxima de uma caverna que tenha sido inicialmente considerada de relevância alta, média ou baixa, qual a utilidade de rever essa classificação se após o licenciamento ambiental o processo de destruição entra em curso? Haverá possibilidade de impedir a construção de uma hidrelétrica e o alagamento da área, por exemplo? Ou, terá importância sustar a exploração de uma caverna que já tenha sido parcialmente destruída pela exploração mineral? E, no caso de reclassificação de uma caverna de relevância baixa para média ou alta e de média para alta, haverá a possibilidade de se obrigar o empreendedor a comprometer-se com novas medidas compensatórias depois que o órgão ambiental já licenciou sua atividade?249 Haveria direito adquirido de suprimir bem ambiental constitucionalmente protegido?

O Decreto n. 6.640/2008, como visto, não regulamenta essas importantes hipóteses, que podem amiúde ocorrer. Por isso, é necessária lei específica (em sentido formal) para a regulação jurídica das cavidades naturais subterrâneas, pois pontos fundamentais concernentes a direitos fundamentais ficaram ao alvedrio do Poder Executivo e das mineradoras.

(iii) Não há como se realizar a gradação da relevância das cavidades em um período de tempo exíguo.250

De fato, como assevera Gambarini:

[...] Apesar dos esforços de alguns pesquisadores em aumentar o conhecimento sobre a fauna subterrânea, os estudos requerem um

249 GANEM, Roseli Senna. As cavidades naturais subterrâneas e o Decreto nº 6.640/2008. Brasília,

DF. Biblioteca Digital da Câmara dos Deputados, 2009. p. 14.

Disponível em: <http://bd.camara.gov.br/bd/handle/bdcamara/2522>. Acesso em: 17 jun. 2015.

250 Conforme aponta Eleonora Trajano, no artigo intitulado “Relevância de sistemas subterrâneos:

método é essencial”: “A sazonalidade dos sistemas subterrâneos, frequentemente mais acentuada que no meio epígeo, é fato amplamente conhecido. Estudos biológicos abrangendo anos consecutivos frequentemente apontam para diferenças importantes entre anos. Outro fato. A cronobiologia que estuda os ritmos biológicos, já estabeleceu que, para se definir padrões cíclicos, são necessários estudos cobrindo pelo menos três vezes o período do ciclo que se pretende definir, ou seja, para a definição de padrões sazonais são necessários pelo menos três anos de estudo. Na prática, estudos ecológicos e de biodiversidade mostram que frequentemente nem sequer esses três anos são suficientes, apontando para quatro ou cinco anos como o mínimo necessário para uma compreensão consistente do funcionamento dos ecossistemas.” (Relevância de sistemas subterrâneos: método é essencial. Conexão Subterrânea, Redespeleo Brasil, p. 3 - 4, 3 abr. 2009). Os resultados efetivos de monitoramentos bioespeleológicos não são alcançados em poucos meses, de forma que o acompanhamento das comunidades e/ou populações em longo prazo é de fundamental importância para o conhecimento de sua dinâmica natural em relação às variações numéricas temporais e espaciais. Em geral, tal tempo é provavelmente longo, mas variável, de caverna para caverna. INSTITUTO TERRA BRASILIS. Ecoteca digital. IV Curso de Espeleologia e

tempo relativamente grande, dada a especificidade conferida às cavernas e suas condições limitantes para a existência de vida.251

Em relação, por exemplo, aos peixes troglomórficos, muitas espécies esperam por identificação e descrição formal, tarefa que demanda vários anos.252

(iv) O Decreto n. 6.640/2008 contém elevado grau de dificuldade no que tange à definição da relevância das cavidades. Se não há consenso de que seja possível classificá-las de acordo com o seu grau de relevância253, devem todas elas, em princípio, ser consideradas de relevância máxima, pois os ecossistemas subterrâneos são únicos, singulares254, irrepetíveis e dinâmicos255. Ademais, dois dos pontos mais polêmicos do decreto se referem justamente ao grau de subjetividade e às dificuldades para definir e aplicar os critérios de relevância das cavidades naturais subterrâneas.256

(v) Segundo o mesmo decreto, os estudos para definição do grau de relevância das cavidades naturais subterrâneas impactadas deverão ocorrer às expensas do responsável pelo empreendimento ou atividade (art. 5º-A, § 2º); quer

251 GAMBARINI, Adriano. Cavernas no Brasil: beleza e humanidade, p. 237. 252 GAMBARINI, Adriano. Cavernas no Brasil: beleza e humanidade, p. 266. 253

“Não há consenso de que seja sequer possível classificar cavernas de acordo com seu grau de relevância. Apenas começamos a conhecer o patrimônio espeleológico brasileiro, além disso, muitos dos aspectos envolvidos não são quantificáveis numericamente, ou são subjetivos e mudam de acordo com a evolução da sociedade e o avanço da ciência.” SOCIEDADE BRASILEIRA DE ESPELEOLOGIA. Salve nossas cavernas. Diga não ao Decreto 6.640/08. Disponível em: <http://www.sbe.com.br/manifesto.asp>. Acesso em: 11 nov. 2008.

254 TRAJANO, Eleonora. Relevância de cavernas: porque estudos ambientais espeleobiológicos não

funcionam. Espeleo-Tema. Revista Brasileira dedicada ao estudo de cavernas e carste. Campinas, SP, Sociedade Brasileira de Espeleologia, v. 21, n. 1, 2010. p. 105. Disponível em: <http://www.cavernas.org.br/espeleo-tema/espeleo-tema_v21_n1.pdf>. Acesso em: 14 jul. 2014.

255 “Pelos complexos caminhos que a espeleologia percorre, fica evidente a ineficácia de certas

padronizações e critérios definindo as cavernas com maior ou menor grau de importância. Isso porque o estudo biológico é dinâmico assim como os processos de formação dos vazios subterrâneos. Períodos de inundação e sedimentação, secas sazonais externas alterando temperaturas internas das cavidades, movimentação dos animais em busca de alimentos e dificuldades inerentes àquele ambiente escuro são apenas algumas variáveis com que os pesquisadores têm que conviver. Dessa forma é perfeitamente plausível que novas descobertas estejam sempre prontas a ocorrer, não importa quão estudada tenha sido uma caverna. Uma nova espécie de opilião, da família dos Gonyleptidae, foi recentemente encontrada na Caverna de Santana, uma das mais conhecidas e visitadas do Vale do Ribeira, com centenas de explorações e mapeamentos já realizados há mais de setenta anos em praticamente toda a extensão. E, mesmo assim, o pequeno aracnídeo se manteve anônimo até agora. Isso só comprova a enorme quantidade de labirintos que os pesquisadores têm a percorrer, quer em termos físicos neste fantástico mundo subterrâneo, quer nos desconhecidos campos intelectuais da ciência espeleológica.” GAMBARINI, Adriano. Cavernas no Brasil: beleza e humanidade, p. 270, 275.

256 FIGUEIREDO, Luiz Afonso Vaz de; RASTEIRO, Marcelo Augusto; RODRIGUES, Pavel Carrijo.

Legislação para a proteção do patrimônio espeleológico brasileiro: mudanças, conflitos e o papel da sociedade civil. Espeleo-Tema. Revista Brasileira dedicada ao estudo de cavernas e carste. Campinas, SP, Sociedade Brasileira de Espeleologia, v. 21, n. 1, 2010. Disponível em: <http://www.cavernas.org.br/espeleo-tema/espeleo-tema_v21_n1.pdf>. Acesso em: 14 jul. 2014. p. 55.

dizer: cabe ao próprio empreendedor interessado na liberação de seu projeto contratar diretamente os profissionais, arcar com os custos e providenciar os estudos para fins de classificação das cavernas. Nessa previsão, percebe-se logo o conflito de interesses, uma vez que cabe ao interessado na destruição da caverna para a exploração minerária determinar se ela pode ou não ser destruída.

(vi) Houve violação do princípio da precaução257 e do princípio in dubio pro

natura.258

Ainda não existem estudos suficientemente precisos, conforme se verá adiante, para permitir a destruição de cavidades naturais subterrâneas relevantes, o que acarretaria prejuízos irreparáveis, uma vez que elas exercem função ecológica e são irrepetíveis.

Conforme ensinamento de Sarlet e Fensterseifer:

[...] até que um domínio controlável e seguro da técnica seja assegurado no campo científico, o princípio da precaução cumpre a missão jurídica de proteger o ambiente e o ser humano contra os danos potenciais acobertados pelo uso disseminado da técnica potencialmente lesiva ao ambiente (e na maioria dos casos, também à saúde pública).259

Na situação de incerteza científica quanto às consequências da supressão de cavidades naturais subterrâneas, há que se contar com a respectiva proteção por parte do Estado no sentido de não autorizar a supressão daquelas relevantes, caracterizando, assim, uma atuação estatal lastreada no princípio da precaução. Este postulado se orienta pela:

[...] lógica do in dubio pro natura, ou seja, diante da incerteza quanto os possíveis danos ao ambiente e à proteção ambiental, deve prevalecer e ser proibida ou retardada (até um domínio da técnica) determinada prática potencialmente degradadora dos recursos naturais.260

257 Estrutura indispensável ao Estado de justiça ambiental. LEITE, José Rubens Morato; AYALA,

Patrick de Araújo. Dano ambiental: do individual ao coletivo extrapatrimonial. Teoria e prática. 6. ed. revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014. p. 59.

258 Em relação ao qual a hermenêutica jurídico-ambiental é regida. Cf. BRASIL. Superior Tribunal de

Justiça. REsp 1198727/MG, 2ª Turma. Relator Min. Herman Benjamin. Brasília, DF. Julgamento

14.8.2012. Publicação DJe 09/05/2013. Disponível em:

<http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?livre=1198727+&&b=ACOR&p=false&l=10&i=5>. Acesso em: 12 ago. 2015.

259 SARLET, Ingo Wolfgang; FENSTERSEIFER, Tiago. Princípios do direito ambiental. São Paulo:

Saraiva, 2014. p. 167.

A atuação estatal se justifica porque as cavidades naturais subterrâneas são bens ambientais não renováveis, singulares, únicos, irrepetíveis, cumpridoras de função ecológica e da manutenção do equilíbrio ambiental e, uma vez suprimidas, não há possibilidade de se retornar ao status quo ante.261

Sobre o princípio da precaução, prelecionam Leite e Ayala:

[...] busca verificar a necessidade de uma atividade de desenvolvimento e os potenciais de risco ou perigo desta. Parte-se dos pressupostos que os recursos ambientais são finitos e os desejos e a criatividade do homem infinitos, exigindo uma reflexão através da precaução, se a atividade pretendida, ou em execução, tem como escopo a manutenção dos processos ecológicos e de qualidade de vida. Os caminhos para uma efetiva implementação deste princípio passam por conflituosos dilemas que exigem respostas adequadas e atitudes decididamente mais direcionadas à proteção ambiental, como sinal de equidade ambiental com relação ao futuro.

[...]

O Princípio da Precaução deve ser acionado nos casos onde a atividade pode resultar em degradação irreversível, ou por longo período, do meio ambiente, assim como nos casos onde os benefícios derivados das atividades particulares são desproporcionais ao impacto negativo ao meio ambiente.262

No que tange à efetividade do princípio da precaução, Machado muito bem analisa:

O princípio da precaução, para ser aplicado efetivamente, tem que suplantar a pressa, a rapidez insensata e a vontade de resultado imediato [...] O princípio da precaução não significa a prostração diante do medo, não elimina a audácia saudável, mas equivale à busca de segurança do meio ambiente, indispensável para dar continuidade à vida.263

O Decreto n. 6.640/2008 sequer cogitou sopesar os riscos da destruição de cavidades naturais subterrâneas relevantes com os benefícios da atividade

261 Nesse sentido é o entendimento de José Rubens Morato Leite e Patrick de Araújo Ayala: “As

agressões ao ambiente, uma vez consumadas, são normalmente de reparação difícil, incerta e custosa, e pressupõem uma conduta genérica in dubio pro ambiente. Isso significa que o ambiente prevalece sobre uma atividade de perigo ou risco e as emissões poluentes devem ser reduzidas, mesmo que não haja uma certeza da prova científica sobre liame de causalidade e os seus efeitos. [...] O meio ambiente lesado é, na maioria das vezes, impossível de ser recuperado ou recomposto, insuscetível de retorno ao status quo ante e, assim, há uma premente necessidade de conservação e manutenção deste.”. (Dano ambiental: do individual ao coletivo extrapatrimonial. Teoria e prática, p. 57, 214).

262 LEITE, José Rubens Morato; AYALA, Patrick de Araújo. Dano ambiental: do individual ao coletivo

extrapatrimonial. Teoria e prática, p. 59, 60.

263 Apud LEITE, José Rubens Morato; AYALA, Patrick de Araújo. Dano ambiental: do individual ao

minerária a ser ali explorada ou os próprios riscos da supressão de cavernas relevantes.

(vii) O Decreto n. 6.640/2008 desobrigou a elaboração dos importantes documentos EIA-RIMA, que antes eram exigidos pela redação original do art. 3º do Decreto n. 99.556/1990.

(viii) O Decreto n. 6.640/2008 permite a destruição de cavidades com base em critérios não corroborados por cientistas e especialistas na área e pelo próprio Centro Nacional de Estudo, Proteção e Manejo de Cavernas (que se manifestou veementemente contra a proposta por meio da Nota Técnica n. 65/2008/Cecav), sem qualquer discussão com a sociedade.264 Com efeito, não foram consultados os cientistas especializados nem a comunidade espeleológica brasileira e, além disso, o projeto não foi apresentado de forma aberta e participativa. Somente no mês anterior à publicação do Decreto n. 6.640/2008 é que a comunidade espeleológica tomou conhecimento do conteúdo do projeto, e não por meio de comunicação oficial governamental mas pela imprensa.265 Também não houve diálogo com a sociedade

civil.266

Esses pontos levantados são relevantes, em especial porque o conhecimento científico e o posicionamento das Organizações não Governamentais (ONGs) voltadas à proteção ambiental são considerados fontes complementares do direito ambiental. O conhecimento científico, a toda evidência, é importante no enfrentamento da crise ecológica porque ele está intimamente ligado ao direito ambiental, também dependente da ciência. Bem por isso, Sarlet e Fensterseifer entendem que “não se pode subestimar o papel dos cientistas nos rumos da proteção jurídica do ambiente, devendo o conhecimento científico de interesse ecológico ser considerado fonte complementar do Direito Ambiental”.267

264 MIRANDA, Marcos Paulo de Souza. Decreto 6.640/2008 Patrimônio espeleológico brasileiro sob

ameaça. Conexão Subterrânea. Boletim Redespeleo. Brasília, Cecav, n. 73, p. 1, 3 abril 2009. (ISSN 1981-1594).

265 FIGUEIREDO, Luiz Afonso Vaz de; RASTEIRO, Marcelo Augusto; RODRIGUES, Pavel Carrijo.

Legislação para a proteção do patrimônio espeleológico brasileiro: mudanças, conflitos e o papel da sociedade civil. Espeleo-Tema. Revista Brasileira dedicada ao estudo de cavernas e carste. Campinas, SP, Sociedade Brasileira de Espeleologia, v. 21, n. 1, 2010. p. 57. Disponível em: <http://www.cavernas.org.br/espeleo-tema/espeleo-tema_v21_n1.pdf>. Acesso em: 14 jul. 2014.

266 LINO, Clayton Ferreira. Patrimônio espeleológico brasileiro – Legislação e políticas de