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As classificações, pode-se dizer, são arbitrárias, uma vez que não existem classificações certas ou erradas, mas úteis ou inúteis, com respectivas gradações de utilidade ou inutilidade. Dessa forma, as classificações têm como parâmetro critérios e interesses adotados por aqueles que as estabelecem.

Neste trabalho serão adotadas as classificações de Lino43 e do IV Curso de Espeleologia e Licenciamento Ambiental, promovido pelo ICMBio, pelo MMA e pelo governo federal, organizado pelo Centro Nacional de Pesquisas e Conservação de Cavernas (Cecav) e pelo Instituto Terra Brasilis, com apoio do Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram).

41 INSTITUTO TERRA BRASILIS. Ecoteca digital. IV Curso de Espeleologia e Licenciamento

Ambiental, p. 196.

42 INSTITUTO TERRA BRASILIS. Ecoteca digital. IV Curso de Espeleologia e Licenciamento

Ambiental, p. 196.

43 LINO, Clayton Ferreira. Cavernas: o fascinante Brasil subterrâneo, p. 94-99. Adotou-se a

classificação desse livro, pois ele “reúne o resultado de pesquisas, observações e leituras ao longo de aproximadamente três décadas dedicadas à Espeleologia”. LINO, Clayton. Cavernas: o fascinante Brasil subterrâneo, p. 5. O autor se destaca como um dos principais militantes na luta pelo conhecimento, conservação e uso sustentável da natureza, tem vasto trabalho na área espeleológica e, por duas vezes, foi presidente da Sociedade Brasileira de Espeleologia. Além de ocupar vários cargos em instituições governamentais nacionais e internacionais, foi diretor-geral do Instituto Florestal de São Paulo, superintendente científico e vice-presidente da Fundação SOS Mata Atlântica.

Com base nesse material, as cavernas se classificam em duas linhas distintas, embora articuladas: morfológica e genética. A concepção morfológica, que alude a formas, configurações, estruturas e aparências externas das cavidades, permite que as cavernas sejam classificadas como abrigos sob rochas, tocas, grutas, abismos, fossos. A vertente genética, por seu lado, busca classificar as cavernas segundo a sua origem e evolução.

Ambos os modelos de classificação têm sua importância e significação espeleológica, sendo utilizados isolada ou conjuntamente, a depender da forma e do objetivo do estudo que se faça sobre a caverna em análise.

A classificação morfológica das cavernas no Brasil, proposta por Lino em 1975 e oficializada pela Sociedade Brasileira de Espeleologia, é assim resumida.

Caverna: Trata-se de termo geral que define as cavidades subterrâneas penetráveis pelo homem, formadas por processos naturais, independentemente do tipo de rocha encaixante ou de suas dimensões, incluindo seu ambiente, seu conteúdo mineral e hídrico, a fauna e a flora ali abrigadas bem como o corpo rochoso onde se inserem. O termo provém do latim cavus, que significa “buraco”.

Grutas: são as cavernas com desenvolvimento predominantemente horizontal. Para fins de cadastro espeleológico, devem possuir um mínimo de vinte metros de desenvolvimento em planta. Tal restrição segue uma tendência internacional de padronização dos cadastros espeleológicos. O termo vem do grego cruptein, reduzido a crypté, significando “subterrâneo”, de onde se originou crypta, em latim, e cropte ou croute, em francês antigo. Embora exista a noção de que uma gruta, em oposição a abismos, seja uma caverna predominantemente horizontal, o termo é frequentemente utilizado como sinônimo de caverna em seu sentido mais genérico.

Abismos: são as cavernas predominantemente verticais, com desnível igual ou superior a dez metros e diâmetro de entrada menor que seu desnível. Caso o desnível mínimo não seja atingido, denomina-se a cavidade de fosso.

Abrigos sob rocha: são as cavidades pouco profundas, abertas largamente em paredes rochosas, que sirvam de abrigo contra intempéries.

Tocas: são as cavidades intermediárias entre os abrigos sob rochas e grutas, cujo desenvolvimento não atinja os vinte metros necessários para sua classificação como tal.

Dolinas: são depressões fechadas, suaves ou abruptas, circulares ou elípticas, em geral mais largas do que profundas, formadas por dissolução em superfícies rochosas ou por abatimento gerados por dissolução de rochas em profundidade, levando ao rebaixamento da superfície da rocha ou ao desmoronamento de uma caverna. Suas dimensões variam de poucas a centenas de metros de diâmetro. O termo é internacional, com versões adaptadas a cada língua.

Sumidouros: representam o local onde um rio superficial desaparece na rocha.

Ressurgências: representam o local onde o rio reaparece, sob a forma de nascente.

No Brasil, existem outros termos de uso local ou regional para cavidades subterrâneas, entre os quais se destacam: lapa – caverna, gruta, abrigo sob rocha – utilizado nas regiões central e nordeste do Brasil; furna – abismo, dolina –, restrito ao sul e sudeste brasileiros; buraco soturno – caverna, no Mato Grosso do Sul; broia – nascente, ressurgência –, em Goiás; grunha – gruta, sumidouro –, em Goiás e na Bahia.

É também a morfologia o parâmetro de classificação das cavernas no que tange à organização de seus espaços internos. Considerando-se a “planta” de uma cavidade, ela pode apresentar-se como gruta linear, ou gruta meândrica, gruta reticulada ou gruta dentrítica, sendo estas os casos mais frequentes.

Em perfil longitudinal, as grutas podem ser plano-horizontais, inclinadas, escalonadas ou em múltiplos pavimentos. Os abismos, por sua vez, podem apresentar-se em forma de cilindro, funil, sino, fenda, em forma de “y” ou em trama vertical. A partir desses tipos básicos, múltiplas composições são possíveis, gerando formas mais complexas.

Os espaços das cavernas, interno e periférico, são igualmente classificados. Tais componentes espaciais podem ser subdivididos em compartimentos internos e pontos, e zonas de comunicação com o exterior. Os compartimentos internos englobam basicamente as galerias, as salas ou salões e os acidentes verticais. As galerias são condutos subterrâneos, de dimensões razoavelmente amplas, abertos por dissolução e erosão mecânica sob a ação de cursos de água ao longo de fissuras, planos de estratificação, diáclases e falhas na massa rochosa.

As galerias se apresentam de diversas formas: quando retilíneas e regulares são conhecidas como corredores; quando se ramificam de galerias maiores e apresentam pequeno desenvolvimento são denominadas divertículos; se têm pouca altura, são consideradas galerias em teto baixo; quando muito estreitas, galerias em fenda ou diáclases. Em todas as situações, podem ser galerias secas ou galerias molhadas, se ocupadas por lagos ou percorridas por curso de água. As galerias molhadas, onde o nível da água atinge o teto em toda a sua extensão, são denominadas galerias freáticas; se esta situação ocorre apenas em pontos localizados da galeria, tal segmento recebe o nome de sifão.

Considerando-se as suas seções transversais, as galerias se subdividem em galerias de seção circular e elíptica, bilobulada, angulosa, sendo tais morfologias indicativas da gênese desses condutos. Nesse sentido, existem galerias em conduto forçado, quando abertas por água sob pressão, moldando, em consequência, seções elípticas ou subcirculares; galerias gravitacionais ou em curso livre, quando a água que a percorre flui livremente solapando a sua base e rebaixando o seu leito. As galerias, neste estágio, apresentam-se com seções bastante diversificadas, predominantemente verticalizadas. Galerias com seção composta, quando apresentam combinações das anteriores ou alterações delas, caracterizam-se pelo abatimento de blocos rochosos de paredes e tetos, gerando conformações retilíneas e angulosas.

As salas ou salões, por sua vez, são os espaços de maior dimensão no corpo da caverna, formados por alargamento de galerias, cruzamento entre elas ou desabamento de grandes massas de blocos rochosos dos tetos e paredes da cavidade. Sua gênese se assemelha à das galerias, destacando-se, no entanto, por suas dimensões relativas ou absolutas.

Os acidentes verticais englobam os desníveis abruptos que ocorrem em galerias escalonadas, podendo corresponder a cachoeiras e a condutos verticais que interligam galerias desenvolvidas em diferentes cotas. Em ambos os casos, tais acidentes topográficos são conhecidos genericamente por abismos internos. As fendas e os condutos verticais também se incluem nesse bloco; desenvolvem-se nos tetos da cavidade, cuja exploração é possível com o uso de técnica de oposição, ou seja, o espeleólogo se “encaixa” na fenda, podendo escalá-la com o apoio de pés, mãos e costas, em ambas as paredes. Esse tipo de conduto é denominado chaminé.

Além desses compartimentos, que compõem o espaço da caverna, existem outros que funcionam como pontos ou zonas de contato entre o ambiente subterrâneo – domínio hipógeo – e a superfície externa – domínio epígeo –, o que, em áreas cársticas, ocorre em grande interdependência.

Os primeiros componentes a ressaltar nesse sistema de comunicação interno- externo são as inúmeras fissuras – falhas, juntas e fraturas – que, embora de dimensões reduzidas, permitem a circulação de ar, águas, material detrítico e mesmo animais entre estes dois ambientes.

Os abismos e as entradas horizontais, se percorridos por cursos de água, recebem denominações específicas. Se as entradas funcionam como coletores de água de superfície, enviando-a ao subterrâneo, são chamadas sumidouros ou voragens. No caso de a água “desaparecer” entre blocos ou pisos arenosos e não por uma “boca”, são identificadas como sumidouros de infiltração ou perdas filtrantes ou difusas.

A classificação das bocas pode ser assim resumida: surgência, quando funcionam como saída de água subterrânea; ressurgência, quando reaparece ao ar livre de um curso coletado por um sumidouro; exsurgência, quando o curso de água chamado endógeno foi formado por infiltrações diversas no interior da caverna. Neste caso, pode ser denominada fonte ou nascente, restringindo-se o uso destes termos, contudo, às surgências de pequeno diâmetro, que permitem o escape da água mas não a penetração humana. Tais surgências podem ser permanentes, temporárias ou intermitentes, dependendo da regularidade de sua vazão.

O termo “ressurgência” tem sua origem no latim ressurgere (renascer) e foi utilizado com sentido hidroespeleológico por A. Martel, em 1887. O termo “exsurgência”, por sua vez, foi criado por E. Fournier, diferenciando-o da situação de ressurgência.

Existem, ainda, cavidades que funcionam alternadamente como sumidouros ou surgências, devido a complexos processos hidrológicos em regiões cársticas ou conforme a estação do ano. Essas cavidades são denominadas “ponor”, termo de origem eslava.

Conforme o entendimento de Lino, é a partir da morfologia subterrânea que se estudam os processos físico-químicos e biológicos que interagem na origem e na

evolução das cavernas. Em outras palavras, a morfologia é produto e, neste sentido, sintoma dos processos que cabem à espeleogênese estudar.44

A segunda maneira de classificar as cavernas é realizada a partir de sua gênese, como mencionado linhas atrás.

Segundo as teorias mais modernas sobre a gênese das cavernas, há que se dividir o conjunto de cavidades em dois grandes grupos: cavernas primárias e cavernas secundárias.

As cavernas consideradas primárias são contemporâneas à formação da rocha, vale dizer, foram formadas em momento simultâneo à rocha que as contém, como os tubos de lava, comuns em regiões com vulcão, ou as cavernas em talús, que são desmoronamentos de grandes proporções, comuns na base de algumas montanhas.45 Nesse bloco – cavernas primárias –, reúnem-se cavidades em regra pequenas, como as formadas pelos espaços não preenchidos durante a deposição de tufos calcários ou durante a construção de volumosos recifes de corais, naturalmente cruzados por canais de circulação da água do mar. As grutas são resultantes do resfriamento diferencial de magmas, particularmente lavas viscosas, basálticas, expelidas por vulcões em suas erupções. A consolidação mais rápida da parte superficial dos derrames pode permitir, no interior do lençol efusivo, a permanência de lava fluida que se escoa lentamente, formando cavidades tubulares. Esses “tubos de lava” são frequentes no Havaí e especialmente no Quênia, no Japão e nas Ilhas Canárias.

As cavernas secundárias, como denota a própria nomenclatura, são geradas após a formação da rocha.46 Nesse bloco, reúnem-se cavernas originadas de

diversos processos, mecânicos ou físico-químicos, geralmente relacionados a fenômenos de carstificação, ou seja, ação da água sobre rochas carbonáticas, e também pela ação do vento. No primeiro caso – processos mecânicos – estão as grutas e os abismos originados do macrofraturamento da rocha, com a abertura de fendas e diáclases penetráveis pelo homem. Aí também se inserem as grutas formadas pelo embate das ondas do mar, onde predomina o processo físico de abrasão – erosão provocada pelo poder desagregador das ondas carregadas de areias e seixos. Neste caso, não se pode desprezar a ação corrosiva de agentes

44 LINO, Clayton Ferreira. Cavernas: o fascinante Brasil subterrâneo, p. 103. 45 AULER, Augusto. Espeleologia: noções básicas, p. 17.

bioquímicos como algas, moluscos e outros organismos marinhos que secretam ácidos com a capacidade de diluir as rochas sobre as quais se desenvolvem. As grutas do Arquipélago de Fernando de Noronha, no extremo nordeste do Brasil, e da Ilha da Trindade, no Espírito Santo, são exemplos pontuais deste tipo de caverna, formada por ação marinha em rochas magmáticas. O litoral brasileiro conta com várias destas grutas. Em São Paulo, é conhecida a “Gruta que Chora”, em Utatuba; no Paraná, o exemplo clássico é a Gruta da Ilha do Mel; na Ilha do Cabo Frio (RJ), a Gruta Azul é muito visitada por barcos turísticos.

Outra maneira de classificar as cavernas diz respeito à forma de atuação do agente espeleogenético. Duas grandes categorias podem ser diferenciadas. Cavernas exógenas são criadas por meio de agentes que atuam no exterior do maciço rochoso, de fora para dentro. Cavernas endógenas são formadas primordialmente por agentes atuantes no interior da rocha. A maioria das cavernas existentes no planeta é deste segundo tipo.47

Há também as cavernas epigênicas, aquelas geradas pelo fluxo de água a partir de zonas de recarga na superfície, oriundas de águas meteóricas (de chuva ou de rios superficiais). Compreendem a maioria das cavernas existentes. Muitas cavernas, incluindo a maior do Brasil e algumas consideradas as maiores do mundo, formam-se pela ação química da água, ascendendo em profundidade ou acidificadas no interior do maciço rochoso. Esta categoria recebe o nome de caverna hipogênica.48