• Nenhum resultado encontrado

Análise do Inventário Botânico realizado

No documento Dissertação Rodrigo MN 2013 (páginas 130-142)

5. CULTURA MATERIAL ANALISADA

5.1. Levantamento Botânico

5.1.2. Análise do Inventário Botânico realizado

Após o cruzamento das obras utilizadas, listamos um total de 1.174 plantas nos terreiros de candomblé (ver Anexo B), o que, pelo número de espécies, já demonstra a importância que os vegetais têm nesta religião. Verificando as famílias, obtivemos os seguintes valores, conforme o gráfico XX, abaixo.

Como contabilizamos um total de 152 famílias optamos por somar as espécies com menos de 2% de representatividade e criar a categoria "outras". O gráfico se tornou menor e de mais fácil compreensão ao aglutinarmos os valores de menor expressão (ver Anexo C onde listamos todos os táxons botânicos identificados). Desta forma, encontram-se arroladas no gráfico 11 apenas as famílias com valores maiores que a porcentagem acima adotada, o que não descarta a importância qualitativa de determinados táxons, identificados como "outras".

Para as farbáceas (leguminosas), encontramos o valor de 15%, para as euforbiáceas 5,4%, poáceas com 4,8%, rubiáceas , asteráceas 4,3%, apocináceas com 3,1%, lamináceas e malváceas com 2,6%, cucurbitáceas com 2,1% e a convolvuláceas e solanáceas com 2% cada. Com 51,5% temos as demais famílias identificadas.

No caso das farbáceas, uma das maiores famílias da botânica (JUDD et alii, 2009) e a maior de nossa sistematização, temos a ocorrência do fruto do tipo legume, também conhecido como vagem, exclusivo desse grupo. Conforme Wojciechowski et alii (2004), a preponderância deste táxon não pode ser resumida apenas à sua importância econômica ou ao grande número e distribuição de suas espécies. Economicamente, seu aproveitamento é bastante destacado incluindo, além do consumo alimentar, variedades empregadas na medicina, na produção de madeira, ornamentação, produção de fibras e óleos, além de contribuir com a agricultura, fixando com suas raízes o nitrogênio no solo.

No candomblé temos a presença do Èwà dúndún (Feijão preto, Phaseolus vulgaris L.), o Erèé ahun (Feijão fradinho, Vigna ungiculata (L.) Walp.) e o Èwà funfun (Feijão branco, Lablab vulgaris var. Albiflorus) como representantes dessa família e ligados à alimentação ritual e cotidiana nos axés. Com a primeira espécie se produz o wadudu, feijão preto cozido e temperado com dendê e que constitui uma das comidas de Ogum. Com a segunda, o acarajé, alimento predileto de Oyá/Iansã. As figuras 16 e 17 apresentam o wadudu e o acarajé.

Figura 16. Wadudu. Fonte: Pereira (2013).

Figura 17. Acarajés. Fonte: Pereira (2013).

Gráfico 11. Principais famílias botânicas identificadas a partir da revisão bibliográfica. 610 171 62 57 54 50 35 31 31 25 24 24 51,5% 15,0% 5,4% 4,8% 4,6% 4,3% 3,1% 2,6% 2,6% 2,1% 2,0% 2,0%

Famílias botânicas identificadas na bibliografia

Quantidade Porcentagem

As euforbiáceas, de constituição arbórea ou arbustiva, constituem uma importante fonte de alimento de óleo. Nos terreiros temos o Ègé (Mandioca, Manihot esculenta Crantz.), o Ewé lárà funfun (Mamona, Ricinus communis L.) e o Ikikigún (Coroa de Cristo, Euphorbia tirucalli L). A primeira é usada para consumo alimentar e oferendas para Exu, a segunda em ritos de Omolu, em especial o olubajé, e a terceira como ornamentação e em banhos rituais.

As poáceas se constituem como a família em que vários cereais se encontram, daí sua importância alimentar para o homem. Tal característica também é visível nos terreiros, onde se utiliza o Ìresì (Arroz, Oryza sativa L.) e o Àgbádó (Milho, Zea mays L.) como alimentação humana e para os orixás. Também pertence a essa família o Àpako (bambu, Oxytenanthera abyssinica (A. Rich.) Munro), planta dedicada à Oyá/Iansã, Éguns e caboclos. Também é utilizada ritualmente associada a banhos.

Destacamos o Àgbádó (Milho, Zea mays L.) como um dos pilares da alimentação ritual do candomblé. Todos os orixás se alimentam deste vegetal, seja ele em sua forma vermelha - quando se mantém o pericarpo laranja-avermelhado - ou branca - quando ele é retirado ficando apenas o centro da semente. O milho pode ser cozido e servido com óleo de dendê, ofertado apenas cozido ou ainda triturado para produzir o acaçá, semelhante a um cuscuz, mas sem açúcar ou tempero.

O Ìresì (Arroz, Oryza sativa L.) é muito utilizado como oferenda às entidades ciganas, pois é símbolo de fartura, mas se constitui também como alimento de Oxalá. Conforme Cacciatore (1988, p. 53), há o registro histórico do "Arroz de Hauçá", "arroz cozido apenas com água, podendo-se colocar sobre ele picadinho de carne seca, frita, com molho de pimenta. Prato trazido pelos negros maometanos hauçá para a Bahia [...]".

Para o bambu (Oxytenanthera abyssinica (A. Rich.) Munro) destacamos que ele é identificado apenas na obra de Verger (1995b) e não na de Barros & Napoleão (2013), o que causa estranheza, pois o uso do vegetal é muito difundido entre os terreiros e presente na amostra de casas analisadas.

As rubiáceas se apresentam na forma de lianas, árvores, arbustos, ervas, epífitas e raramente exemplares aquáticos. Seus usos se relacionam à alimentação e ornamentação. Nos axés estão representadas pelo Owó ide (Café, Coffea spp.) utilizado na alimentação e em oferendas aos pretos velhos e no Bujè (Jenipapo, Genipa americana L.), com o qual se produz licores e é utilizado nas iniciações dos filhos de

Omolu. Temos ainda o Odò omodé (sem nome popular, Mussaenda elegans Schumach. & Thonn.), utilizado como ornamentação dos espaços.

As asteráceas, presentes nas regiões tropicais, subtropicais e temperadas, se apresentam na forma de ervas, arbustos, ou, com menor frequência, de árvores ou lianas. Seu uso está ligado à ornamentação, à alimentação e como remédio. Nos terreiros temos o Òdòdó iyéyé (Girassol, Helianthus annus L.) que é utilizado como ornamentação e como oferenda à Oxum (devido à sua coloração amarelada, cor desta orixá) e o Agemo kogun (Capiçoba, Conyza sumatrensis (Retz.) E. Walker) utilizada nos ritos de iniciação.

As apocináceas se caracterizam pela presença de látex, estípulas geralmente ausentes e folhas geralmente opostas e inteiras, sendo os climas tropicais e subtropicais suas áreas de ocorrência. Seu uso está associado ao paisagismo, a produção de fibras e de feixes, além da oferta de madeira para móveis e construção civil. No candomblé a família é representada, por exemplo, pelo Ako iré (Pau cadeira, Funtumia africana (Benth.) Stapf) e pelo Dagba owu (sem denominação popular, Motandra guineensis (Thonn.) aug. DC.); as duas plantas são indicadas para trabalhos ou banhos rituais, conforme Verger (1995b).

As lamináceas, originárias de regiões subtropicais, mediterrânicas e do Oriente Médio, se caracterizam por serem ervas, arbustos ou árvores que possuem folhas simples, opostas ou verticiladas, com limbo inteiro, denteado, lobado ou partido, revestidas de pelos glandulares. Normalmente, secretam essências aromáticas. O uso da família se relaciona à extração de óleos, essências, cosméticos, aromáticos e condimentos.

O uso aromático das lamináceas é amplamente difundido nos terreiros, sendo destacável a presença do Ikiriwí (Sálvia, Salvia officinalis L.), muito utilizada nas limpezas cotidianas, em defumadores e em ebós. Também podemos citar o Ewéré (Alecrim, Rosmarinus officinalis L.) e o Eré tuntún (Levante miúda, Mentha citrata L.) usados com a mesma finalidade.

As malváceas se constituem de lianas e árvores com folhas alternas, simples (normalmente lobada e palminérvea) ou composta palmada, inteira ou serreada. Suas utilizações estão relacionadas à ornamentação e alimentação. Podemos citar o uso do Ilá (Quiabo, Hibiscus eculentus L.) na culinária dedicada aos homens e orixás, em especial o amalá (dedicado a Xangô, Oyá, Obá e Ibejis) que se prepara com mel e quiabo cozido. Landes (2002) indica que era uma prática comum ofertar tal alimento para os Ibejis em

busca de fartura e dinheiro em Salvador na década de 1930. A figura 18 apresenta um amalá.

Figura 18. Amalá de Xangô Oyá, Obá e Ibejis. Fonte: Pereira (2013).

Constam ainda o Èsá pupa (Graxa de Estudante ou Hibisco da China, Hibiscus rosa sinensis L.) e o Ewè ifin (Malva preta, Sida rhombifolia L.) usados na ornamentação dos axés, bem como o Ìsápá ìsekú (Cânhamo brasileiro, Hibiscus cannabinus L.) utilizado para a obtenção de fibras para adornos.

As cucurbitáceas são plantas com haste rastejante, frequentemente com gavinhas de sustentação, mas também há lianas, arbustos espinhosos e árvores. São plantas de regiões tropicais e subtropicais. Esta família é utilizada no consumo alimentar, estando presente na dieta do Velho e do Novo Mundo (JUDD et alii, 2009).

Está família é representada nos terreiros pelo Elégédé (Abóbora, Cucurbita maxima Duch.) e pelo Apálá (Pepino, Cucumis sativus L.). O primeiro consiste em quizila para os filhos de Oyá/Iansã, sendo-lhes proibido o consumo. Também se relaciona a Exu em ebós e trabalhos. Barros e Napoleão (2013, p. 131) apresentam os seguintes usos da planta:

A variedade conhecida como abóbora-moranga é a mais utilizada como alimento consagrado nos diversos cultos afro-brasileiros. É oferecida ao Odu Obará, "para melhorar a situação financeira", pois, segundo um mito de Ifá, Obará, que era pobre, ficou rico graças às abóboras. Nas casas [da nação] Angola é colocada sob uma árvore como presente a Katendê ou Ossaim, ao se "pedir permissão para entrar na mata e coletar folhas". Nos candomblés de

caboclos se constitui uma das principais oferendas dedicadas a esta divindade.

Para além deste uso ritual, as casas de candomblé também consomem esse vegetal (à exceção dos filhos de Oyá, como já descrevemos), sendo sua ingestão muito difundida, em especial no Nordeste. O pepino (Cucumis sativus L.) está relacionado à alimentação, mas pode compor o "ebó tudo que a boca come" (BARROS & NAPOLEÃO, 2013, p. 89). Este ebó é a somatória de couve, repolho, abóbora, batata doce, cenoura e chuchu que, quando ingeridos, têm a função de limpeza em pessoas doentes e fortalecimento de sua saúde.

As convolvuláceas são plantas reconhecidas pelas suas flores em forma de cone e por se apresentarem como trepadeiras sem gavinhas, como ervas ou subarbustos, sendo encontradas nas regiões tropicais e subtropicais, mas sendo pouco diversas nas regiões temperadas e frias. Sua importância reside na medicina, na ornamentação e alimentação humana.

Nos axés encontramos a família representada pelo Ewé kúkúndùnkú (Batata doce, Ipomoea batatas (L.) Poir. & Lam.), utilizada na alimentação, na preparação de banhos, iniciações e como alimento para Xangô Airá e Oxumarê. Seu emprego fitoterápico se dá com o uso das folhas cozidas e aplicadas em tumores e furúnculos ou em gargarejos para inflamações na boca.

Podemos citar ainda o Kurukuru (Batatinha, Ipomoea salzmanii Choizy.), utilizado em ritos ligados a Nanã, Omolu e Oxumarê. O Gbòrò ayaba (Salsa da praia, Ipomoea pes-caprae (L.) R. br.), utilizado como ornamentação e a Àlúkerésé (Dama da noite, Ipomoea alba L.), utilizada nas iniciações dos filhos de Oxalá, em "banhos para prosperidade" (BARROS & NAPOLEÃO, 2013) e como ornamentação das casas de candomblé.

As solanáceas são plantas arbóreas, arbustivas e raramente lianas, com a presença de frutos do tipo baga, drupa ou cápsula. Se concentram em regiões tropicais em todo o globo, sendo muito presentes no Brasil. São muito importantes na alimentação, sendo utilizadas também para fins ornamentais.

Dentro dos terreiros encontramos: o Ikàn pupa (Batata Inglesa, Solanum sp.) e o Sekúnwin (Tomate, Lycopersicon sculentum Mill.) como alimentos. O Etába (Fumo ou Tabaco, Nicotiana tabacum L.) indicado por Barros & Napoleão (2013, p. 141) com os seguintes usos:

Nos candomblés, a folha do fumo entra nos rituais de iniciação e no àgbo dos filhos de santo de Oxaguian (tipo de Oxalá novo e guerreiro). O fumo de rolo é utilizado em diversas oferendas para Odu, Ossaim, Exu, Caboclos, Pretos Velhos e Voduns. Os charutos são muito apreciados por Exus e Caboclos. Os cigarros e cigarrilhas são oferecidos aos Exus e Pombas giras nos centros de umbanda. [grifos do autor]

Podemos citar ainda o Igbá àjà (Jurubeba, Solanum paniculatum L.), utilizado como bebida em garrafadas ou misturado à cachaça e em banhos de iniciação. Além destes usos, a planta pode ser empregada em ritos para fazer com que grandes períodos de chuvas cessem (BARROS & NAPOLEÃO, 2013). Destacamos também o Èsó Feleje (Trombeta roxa, Datura metel L.) descrita por Verger (1995b) como componente de trabalhos maléficos, razão desta planta estar relacionada a Exu.

Outra planta de grande destaque nesta família é o Ata (Pimenta malagueta, Capsicum frutescens L.) ligada a Exu, ao calor e a trabalhos para causar brigas e confusões. Também é utilizada como condimento na cozinha baiana para acarajé, vatapás e moquecas, onde o termo quente denota sabor apimentado. Na umbanda as comidas dedicadas aos Exus também são preparadas com a planta, pois se entende que as entidades se atiçam com o tempero e se tornam mais propensas para a realização de pedidos.

Dentro da categoria "outras" temos ainda muitas plantas de grande importância para o candomblé. O fato de termos adotado a fórmula em que as famílias com valor inferior a dois porcento seriam contabilizadas nesta categoria, não significa irrelevância das espécies. Apenas frisamos que foi uma opção metodológica com a finalidade de construir o gráfico. Os dados de uso de muitas plantas presentes nesta categoria já foram explanados no Capítulo 4 e nos restringiremos a informar as famílias de cada espécie.

O Ìrókò (Iroco, Gameleira, Gameleira Branca, Ficus doliaria M.) pertence à família das moráceas, sendo identificado apenas na obra de Barros & Napoleão (2013). Apesar de Verger (1995b) indicar que seu estudo botânico se deu na África, o autor não cita tal espécie, mesmo sendo possível relacioná-la à Clorophora excelsa, espécie amplamente encontrada nas florestas do Continente Negro (CACCIATORE, 1998;

TABUTI, et alii, 2003).

O Igi òpè (Dendê, Elaeis guineensis Jacq.) pertence à família das arecáceas (Palmae) e também não consta na obra de Verger (1995b), o que nos permite, sutilmente, observar que esse autor talvez não tenha produzido um estudo tão completo das plantas na "sociedade iorubá" (VERGER, 1995b).

Ambas as fontes utilizadas descrevem o Akóko (Acocô, Newbouldia laevis Seem.), que pertence à família das bignoniáceas. Assim como o Obì (Obi, Noz de Cola ou Cola Africana, Cola acuminata (P.Beauv.) Sch. & Endl.), pertencente à família das sterculiáceas e as várias espécies de Ògèdè ou Àgbagbà (Bananeira, Musa sp.) da família das musáceas.

As pimentas aparecem em várias famílias, sendo possível destacar: o Ata dudu (Pimenta do reino, Piper nigrum) e o Ewé boyí (Pimenta de macaco, Piper amalago L.) ambos da família das piperáceas. A Ataare (Pimenta da Costa, Aframomum melegueta (Roscoe) K. Schum.) da família das zingiberáceas e o Èèrù (Malagueta preta, Xylopia aethiopica (Dunal) A. Rich.) pertencente à família das annonáceas.

O Àgbon (Coco, Coqueiro da Bahia, Cocos nucifera L.) pertence à família das arecáceas (palmae), sendo seu uso ligado à culinária, em especial à baiana, em doces que podem conter o fruto ralado ou seu leite (extraído com uso de prensa). Ele também é utilizado na produção de alimentos rituais para Oxossi e Iemanjá. Para o primeiro se prepara o axoxó - milho vermelho cozido e feijão fradinho torrado, enfeitado com pedaços de coco. Para a segunda, o Ègbo-iyá (ou Ebôya), que consiste em milho branco cozido, refogado no azeite de dendê, cebola ralada, camarão seco e coco ralado.

O Ewé idà òrìsà (Espada de São Jorge, Sansevieria sp.) pertence à família das agaváceas, sendo ligado ao orixá Ogum com a finalidade de proteção, em rituais de sacudimento e contra maus-olhados. Também possui relação com Oxossi, Ossaim e Iemanjá. Em casas da nação Angola, é utilizado para os ritos de lavagem de cabeça e de guias.

Na família das anacardiáceas temos dois representantes: O Àjóbi (Aroeira, Schinus terebinthifolius Raddi) e o Igí ìyeyè (Cajá, Spondias lutea L.). O primeiro é descrito por Barros e Napoleão (2013, p. 71) como sendo empregado "[...] nos sacrifícios de animais quadrúpedes. Acredita-se que, pela manhã, ele seja atribuído a Ogum, à tarde pertença a Exu e sirva, ainda, para enfeitar e vestir Ossaim. Seus galhos são utilizados em ebós e sacudimentos".

Já o Igí ìyeyè (Cajá, Spondias lutea L.), de origem africana, se relaciona ao orixá Ogum e às florestas, sendo possível assentar o orixá sob esta árvore. Outro uso se relaciona às folhas que são maceradas para a realização de banhos de iniciação e de purificação dentro dos terreiros.

Da família das mirtáceas temos o Igi èso pupa (Jambo, Syzygium jambolanum D.C.), originário da Índia (o que reforça a nossa ideia de dispersão vegetal) e utilizado

para a produção de efun: um pó que tem a finalidade de repelir energias negativas de morte ou doença. Das moráceas temos o Apáòká (Jaqueira, Artocarpus integrifolia L. f.), orixá fitomorfo e mãe de Oxossi. Suas folhas são utilizadas nos assentamentos de Exu e em banhos nos filhos de Xangô.

No culto às Yamins Oxorongas se acredita que elas residam no Orógbó (Orobô, Garcinia kola Heckel.) pertencente à família das clusiáceas (PRANDI, 2001). Apesar da importância e da presença do culto no Terreiro Rwe Sinfá (Casa das Águas de Ifá), tal árvore não foi identificada na amostra.

Por fim, destacamos o Atopá kun (Arruda, Ruta graveolens L.) pertencente à família das rutáceas. Tão simbólica quanto o dendezeiro, esta planta tem uma ligação histórica com os negros, seja pelo viés religioso ou pelo econômico. O pintor francês Jean Baptiste Debret, em sua obra “Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil (1834- 1839)" pintou uma aquarela onde apresenta o "Vendedor de arruda" nas ruas do Rio de Janeiro (vide figura 19).

Esta aquarela demonstra a importância que a planta tinha como meio de ganho ou ainda como proteção dos negros contra os perigos da rua, maus-tratos de seus senhores e doenças. Calainho (2008) afirma que em Portugal, durante os séculos XVII e XVIII, era comum se encontrarem escravos africanos com patuás para a proteção pessoal. A mesma situação é descrita por Rodrigues (1977) nos negros de Salvador (Bahia).

Similarmente, o uso da arruda é descrita por Barros & Napoleão (2013, p. 103) com as seguintes características:

Popularmente, é utilizada para "cortar mau-olhado" em rezas e benzeduras, como também é comum encontrar-se plantada em vasos, em portas de casas de comércio, com a finalidade de proteger o ambiente. Atrás da orelha se constitui em um amuleto para afastar o azar. Na umbanda e nos candomblés de Angola, é utilizada em banhos e sacudimentos para afastar a má sorte. Com os galhos secos, confeccionam-se figas que são usadas com a finalidade de proteger contra mau-olhado e feitiços. todavia, nos terreiros Jêje-Nagôs da Bahia e do Rio de Janeiro, ela tem seu uso proibido, pois "é um ewó da nação" (interdito).

Figura 19. O vendedor de arruda, Jean Batiste Debret (1939). Fonte: Debret, 1989.

Do exposto, fica claro que a arruda tem um uso histórico ligado à proteção do corpo e da alma contra malefícios, perpassando tanto os cultos afro-brasileiros como as práticas religiosas populares (pensemos, por exemplo, nas benzeduras). Isso nos apresenta uma continuidade histórica da planta, sendo atualizado e mantido seu uso ao longo da história dos africanos em diáspora.

Para além da descrição das famílias botânicas mais expressivas, dos usos rituais, alimentícios e fitoterápicos, o Inventário proporcionou a revisão das espécies. Tal fato nos permitiu identificar que, para o Àràbà (Mafumeira), a espécie Eriophorus javanica Rumph. não existe. Há uma cyperacea do gênero Eriophorum, mas não existe a espécie javanica.

De forma semelhante, o Ògàn dúró, descrito por Verger (1995b) como sendo a Gaertenera paniculata Benth não existe, não tendo sido seu gênero identificado durante a revisão. Novamente salientamos que os autores consultados podem ter cometidos algumas omissões, mas a revisão realizada conseguiu indicar tais situações. Longe de desejarmos criticar o trabalho de grande vulto realizado pelo autor, temos o intuito de aperfeiçoá-lo informando tais ocorrências.

Também identificamos que mais de uma espécie se relaciona a uma mesma denominação em iorubá, fato já explanado anteriormente. Contudo, é interessante ressaltar que, nestes casos, quando foi detectada mais de uma família, ela foi indicada no arrolamento, sendo computada para a quantificação realizada.

A partir dos dados obtidos, entendemos que a revisão das obras e autores utilizados representa mais que uma listagem de plantas. Pudemos observar pequenas distorções nas informações, em especial às relacionadas a plantas inexistentes ou de gêneros também ausentes, o que torna a ação de revisão de extrema importância para a correção de tais dados e o aprimoramento dos estudos botânicos em terreiros de candomblé.

5.1.3. Correlações entre o Inventário Botânico e os dados obtidos na amostra de

No documento Dissertação Rodrigo MN 2013 (páginas 130-142)