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Análises de Cultura Material e Espaços Edificados

No documento Dissertação Rodrigo MN 2013 (páginas 59-61)

3. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA E A RELEVÂNCIA DAS OBRAS

3.1. Análises de Cultura Material e Espaços Edificados

Esta seção destaca as pesquisas de Zarankin (2001) e a de Stanchi (2008) como estudos em que o espaço edificado foi privilegiado de modo a entender processos mentais e econômicos expressos pelos indivíduos na arquitetura.

Stanchi (2008) procurou demonstrar as formas de dominação e de controle social impressas na organização e na ordenação de vilas operárias do Rio de Janeiro entre o final do século XIX e início do XX, em especial no caso da Fábrica Confiança no bairro de Vila Isabel (RJ) e os conjuntos de moradias proletárias edificadas no seu entorno.

O autor promoveu o estudo de nove vilas, tendo sido possível constatar na construção desses espaços o processo de modernização e de implantação do modelo burguês na capital fluminense, ao mesmo tempo em que se foi percebido um claro anacronismo expresso na perduração de uma mentalidade senhorial por parte dos dirigentes da fábrica ao implantarem um modelo patriarcal na construção das vilas . Também foi possível perceber a perpetuação desse modelo patriarcal na distribuição do espaço no interior das casas, que se expressava no controle do trânsito interno e no domínio visual de quem entrava e saía delas.

Conforme Stanchi (2008, p. 188),

Acreditamos que no caso da Fábrica Confiança a arquitetura residencial foi o meio pelo qual patronato induziu o operariado a acreditar em um esperado sentimento de família fabril, onde todos se encontravam supostamente em igualdade de condições, além de contarem com a proteção paternalista de seu empregador

Contudo, a mesma arquitetura que poderia permitir uma visão de "família fabril" (STANCHI, 2008) foi utilizada como forma de mascarar as diferenças sociais e econômicas entre patrões e empregados e mesmo entre empregados de diferentes

setores. A homogeneidade das construções e a indistinção material e simbólica para a construção desses espaços seria uma forma de diminuir a indisciplina e os movimentos sociais entre os funcionários da Fábrica Confiança.

Juntamente com esse aspecto ideológico na construção das vilas a pesquisa de Stanchi (2008, p. 187), ao aplicar o "Modelo Gama" (HILLIER & HANSON, 1984), conseguiu identificar que:

Em quase todos os tipos analisados não existem meios alternativos de circulação, sendo quase sempre obrigatório atravessar todos os cômodos para se chegar ao final da casa, ou sair dela. Isto significa a inexistência de um espaço de distribuição nessas moradias que, quando existente, corresponde invariavelmente a uma sala posicionada logo à frente do quarto de procriação. Cabia aos ocupantes desse quarto o controle da casa, e dele era possível exercer uma vigilância sobre quem entrava e saía da residência, bem como o que se passava na rua.

Tal assertiva indicava a perpetuação de um modelo patriarcal para as então modernas vilas operárias analisadas, o que poderia ser entendido como uma continuidade ou uma reapropriação de um velho padrão multissecular no contexto urbano do Rio de Janeiro, mas envolto em práticas capitalistas de trabalho e renda.

Já a pesquisa de Zarankin (2001) teve como objetivo analisar, a partir de uma visão arqueológica, as transformações na arquitetura das escolas primárias públicas de Buenos Aires (Argentina), entre meados do século XIX e final do XX. Para tanto, o autor analisou prédios escolares vinculados aos processos de socialização neles ocorridos.

A hipótese levantada pelo pesquisador indicava como tais espaços são elementos ativos que interagem de forma dinâmica com os indivíduos, tendo como finalidade compreender os processos históricos vinculados à formação do mundo moderno. Assim, Zarankin (2001) desenvolveu uma abordagem interpretativa do passado e presente e, em especial, entre o plano material e o discurso utilizado.

Para ele lugar poder ser entendido como uma série de fixações no espaços ou mesmo como uma domesticação dele. Logo, ele pode ser percebido, mas nem sempre é sentido como uma fixação humana de conceitos e elaborações mentais. Tais fixações criam discursos não verbais ou mesmo formas de comunicação da mesma espécie.

Os prédios escolares seriam, a partir de tal perspectiva, objetos sociais carregados de valores e sentidos próprios de cada sociedade, se caracterizando por formas não verbais de comunicação. Tal fato permitiu a ele compreender os espaços de

ensino como um texto, logo, podendo ser lidos. Assim, de forma conclusiva, o autor defende que:

"Torna-se evidente que uma escola pós-industrial está surgindo ( e transpõe a fronteira do público e do privado). Seu objetivo é formar indivíduos ativos, dinâmicos e flexíveis, capacitados, mas ao mesmo tempo disciplinados por meio de uma crença no sistema. Pessoas sem limites para a sua ambição, mas que só se movem dentro das regras impostas. É fundamental, para o êxito do projeto, que a materialidade da escola acompanhe esse projeto de mudança radical em sua estrutura" (ZARANKIN, 2001, p. 226)

Para os dois autores fica clara a ligação que o espaço tem com o plano ideológico e como ideologias se expressam na materialidade das coisas. Esta constatação nos tem sido de grande valia quando procuramos analisar se o discurso do candomblé está expresso na materialidade de seus espaços edificados e rituais e se existem determinadas continuidades do modelo que adotamos como método de análise para os terreiros.

Os referidos autores se tornam relevantes ao analisarem o papel de determinadas formas de construção, ao mesmo tempo em que nem sempre é fácil perceber o que está subjacente a elas. Essa perspectiva é útil para observarmos se o discurso relativo ao modelo de implantação dos axés é seguido ou se sofre interferências de fatores econômicos, de disponibilidade de espaço ou ainda de caráter religioso ou mesmo ideológico.

No documento Dissertação Rodrigo MN 2013 (páginas 59-61)