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Histórico sobre a metodologia adotada inicialmente para a dissertação

No documento Dissertação Rodrigo MN 2013 (páginas 44-49)

2. METODOLOGIA

2.1. Histórico sobre a metodologia adotada inicialmente para a dissertação

A presente dissertação apresentou, durante o seu desenvolvimento, uma modificação em sua metodologia original e em parte de seus elementos analisados. Os motivos para tal fato estão relacionados às especificidades do campo (os terreiros de candomblé), e ao tempo disponível para o desenvolvimento da dissertação. Adotada nova metodologia, a pesquisa se desenvolveu de forma satisfatória quanto ao que se propôs examinar.

Inicialmente o universo pesquisado consistia em três terreiros de candomblé: O Ilê Imô Opô Afonjá em Coelho da Rocha, município de São João de Meriti, o Ilê Omô Oyá e o Ilê Axé Obadey, ambos em Vista Alegre, município de São Gonçalo. Todas as casas7 são da raiz do Kêtu e estão ligadas entre si pelo fato de que os dirigentes do Ilê Omô Oyá e o Ilê Axé Obadey terem realizado suas iniciações realizadas no Opô Afonjá. Assim, as casas de São Gonçalo se constituem como "casas filhas" ou da "descendência" da tradicional casa de Coelho da Rocha. O mapa 4 identifica os municípios onde os terreiros estão localizados no contexto da Região Metropolitana do Rio de Janeiro.

Nessas três casas se objetivava a análise dos espaços edificados e rituais (jardins, plantas sagradas, fontes e assentamentos) onde seriam descritos e analisados seus usos e suas significações no conjunto erigido do terreiro. Foi adotado o modelo de ocupação dos terreiros desenvolvido Rocha (2000), onde existem os espaços públicos, os privados e o espaço mata. Somada a este modelo, que porventura poderia sofrer críticas ou adequações, a dissertação gerou a hipótese de que os espaços construídos seriam o resultado da interseção de três fatores: o espaço disponível, o dirigente do terreiro e a entidade que o governa (que poderia influenciar, no plano espiritual, quanto à disposição dos cômodos do terreiro).

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Para esta dissertação o termo "casa", "terreiro" e axé, são sinônimos e denotam o espaço religioso edificado que compõe os terreiros de candomblé.

Mapa 4. A Região Metropolitana do Rio de Janeiro. Os círculos vermelhos identificam os municípios onde estão localizados os terreiros inicialmente selecionados para a dissertação.

A análise do espaço edificado e da cultura material pelo viés arqueológico em casas de candomblé permite uma leitura da interlocução entre o que é pensado, o que é realizado no plano material e o que é expresso em documentos, entrevistas e imagens sobre aquele local. Permite ainda a análise de significados destes lugares sagrados, construídos pelos grupos ao longo dos processos de manutenção da casa, de sua organização espacial, mítico-religiosa e, sobretudo, de como este espaço é negociado entre os membros desses terreiros, no intuito de que expressem mais que uma ideia geral ou modelo de terreiro (como o proposto por Rocha, 2000), mas também uma apropriação e intencionalidade não prevista em modelos ideais pelos que ali transitam enquanto membros. Permite entender os mecanismos de agência, bem como as expressões de sensorialidade na construção da paisagem física e cultural. Assim, a pesquisa adotava a perspectiva de analisar continuidades ou descontinuidades observáveis numa lógica do espaço social (HILLIER & HANSON, 1984).

Rocha (2000) e Conduru (2010) desenvolvem um "Modelo Nagô de Terreiros" para a descrição dos espaços edificados. Conforme Rocha (2000) as casas de candomblé são compostas por dois espaços bem definidos: a área construída e o terreiro. Sobre estas divisões é que se organizam as suas ocupações e as suas destinações. Rocha (2000) ainda destaca a existência do espaço mata/vegetação que não se enquadra na

divisão acima descrita, pois se constitui de uma área vegetal ligada simbolicamente à África e que contém as plantas rituais da casa8.

Normalmente esta mata pode ser uma pequena área com plantas (como um jardim), uma capoeira ou vegetação antropizada pelo/a dirigente, ou ainda um vaso com uma ou duas plantas. Não importa o tamanho, mas sim o símbolo ali expresso. Para esta pesquisa adapta-se este modelo reconhecendo nas casas de candomblé três compartimentos: a área construída (que de divide em espaços públicos e privados quanto à circulação de pessoas), o terreiro/barracão, onde se realizam as festas, como um "microcosmo da África" (BASTIDE, 2001), e a mata9.

Desta forma, tanto a descrição do espaço como as análises empreendidas podem ser melhor qualificadas e quantificadas na compreensão da lógica da concepção de ambiente e da cultura material nestes locais. É nesse sentido que Conduru (2010, p. 191) afirma que "[...] Essa estruturação por setores está associada às dinâmicas de suas atividades cotidianas, religiosas, festivas e artísticas, com suas características mais privadas ou públicas [...]", o que permite à dissertação, portanto, adotar tal modelo básico, a ser verificado e debatido, como base de análise para a cultura material e locais edificados analisados.

Os espaços edificados dos terreiros, portanto, são analisados nesta dissertação tendo as seguintes clivagens como focos analíticos de significação e de suporte para a cultura material (vide figura 2):

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Para a presente dissertação, optamos por manter as terminologias de Rocha (2000), em especial a de "espaço mata" para a designação da área de vegetação presente nos terreiros de candomblé.

9 A mata é entendida como edificada no sentido de ser desenvolvida pela ação humana e não como um espaço construído como um cômodo. Ela significa a ação humana intencional, por isso constituinte de representações ou valores para o candomblé.

Figura 2. Espaços edificados em terreiros de candomblé analisados pela dissertação. Fonte: Adaptado de Rocha (2000).

Destaca-se, do modelo de Rocha (2000), a clivagem dos espaços entre públicos e privados, inferindo-se a valoração de uso, ou seja, os ambientes públicos tendem a ser aqueles em que todas as pessoas, membros ou não da casa, podem transitar sem interdições de cunho religiosos. Ao contrário, os ambientes privados se caracterizam pelo uso exclusivo dos membros do culto, sendo proibido ou mesmo restringido a não membros do terreiro. Além do uso ritualístico em quartos de santos, casas de santo ou assentamentos, os ambientes privados contam ainda com um quarto das malas, local onde os filhos de santo têm, cada um, uma mala ou baú onde são acondicionadas roupas, paramentos, objetos de cultos, e mesmo pessoais, ou ainda suas roupas utilizadas durante os rituais, obrigatoriamente brancas devido aos preceitos da religião. Tal quarto serve ainda como local de descanso e como dormitório durante as festas e rituais nos terreiros.

Aliado a essa descrição, a dissertação pretendia apresentar um conjunto de objetos - os moluscos e as plantas - compondo um estudo de cultura material sobre tais locais de culto. Por cultura material, a dissertação adotou a perspectiva de Deetz (1977, apud LIMA, 2011), segundo a qual o termo corresponde a "qualquer segmento do meio físico modificado por comportamentos culturalmente determinados" (LIMA, 2011, p. 13). O recorte dos artefatos analisados está relacionado à sua alta porcentagem de uso, ou seja, sua representatividade, mas também uma escolha quanto à importância de tais itens para o candomblé. É importante ressaltar que outros elementos estão presentes, entre eles as roupas e os assentamentos dos orixás, por exemplo. Mas, devido ao tempo e a disponibilidade de tais itens não permitiram sua inclusão na presente dissertação, o

que é indicativo que se realizem futuramente estudos também sobre esses elementos da cultura material nos terreiros de candomblé.

Na análise dos moluscos, a pesquisa visitou um centro de venda desses invertebrados, o Mercadão de Madureira, com o objetivo de registrar quais espécies estão disponíveis para a comercialização e, consequentemente, utilização nos terreiros de candomblé. Entendemos assim, que muitos materiais encontram-se disponíveis no mercado10 para aquisição e utilização nos axés. Assim, a descrição de tais espécies indica as que são utilizadas nas casas de candomblé. A análise in situ nos terreiros comprovaria a utilização, e consequentemente a presença de tais materiais, bem como a forma de emprego ritual, ou como adereço em roupas, objetos de culto e assentamentos.

Foram adquiridas unidades destes objetos que, em momento subsequente, seriam enviadas a especialistas para as identificações taxonômicas11. Atrelado a essa aquisição seria iniciado um levantamento in situ nos terreiros selecionados verificando quais moluscos estavam presentes nas casas, conferindo-se sua presença ou ausência na listagem produzida, o que complementaria o levantamento malacológico proposto.

Para as plantas, entendidas como cultura material (onde valores ideias e distinções sociais são reproduzidas, legitimadas ou transformadas), se pretendia a realização de um estudo etnobotânico nos terreiros. Assim, as plantas seriam recolhidas e acondicionadas em prensas após envoltas em papel, de preferência de jornal, enviadas ao Setor de Botânica do Museu Nacional da Quinta da Boa Vista (UFRJ), onde, subsequentemente, se procederia a sua identificação. Desta maneira, o objetivo era mapear e listar as plantas utilizadas no candomblé, correlacionando-as com o espaço mata (ROCHA, 2000).

A etnobotânica se apresenta como uma ferramenta privilegiada para a compreensão dos vegetais e seus usos no candomblé. Assim, um estudo nesta área deverá primar não apenas pela identificação das plantas via utilização de informantes nativos, coleta sistemática das espécies e posterior trato e identificação, mas deve também buscar as correlações entre as formas de categorização e as implicações sociais deste uso, caracterizando o que Marques (2002) denomina de uma etnociência.

10

Por mercado é compreendida a relação de compra e venda de produtos e serviços intermediados por um preço pago em moeda corrente, conforme Mankiw (2009).

11

Respectivamente a Profª Drª Rosa Cristina Côrrea Luz de Souza (UFF) e o Prof. Dr. Alexandre Dias Pimenta, do Setor de Malacologia do Museu Nacional da Quinta da Boa Vista (UFRJ)

No documento Dissertação Rodrigo MN 2013 (páginas 44-49)