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2. Gestão do risco de LMEMSLT (perspectiva abrangente)

2.2. Análise do trabalho

A análise (ergonómica) do trabalho tem a sua origem com Ombredane e Faverge em 1955 na obra intitulada “L’Analyse du Travail” (Ombredane; Faverge, 1955). Trata-se de uma transformação profunda da análise do trabalho até então centrada na tarefa, para uma abordagem com base na actividade de trabalho, isto é, no que os trabalhadores realmente fazem e no modo como o executam.

A análise ergonómica do trabalho ao procurar dar resposta a questões fundamentais, como "qual o trabalho a executar?" e "como é que o operador executa o trabalho?", afasta-se da análise tradicional do trabalho, dado que esta se limitava a enumerar o que o operador deveria fazer e não o que o operador efectivamente realizada, isto é, considerava apenas o trabalho prescrito e não o trabalho real, podendo esta diferença ser essencial para a transformação de uma determinada situação de trabalho (Barreiros, 1992). A análise do trabalho visa confrontar as exigências da tarefa com as "atitudes e sequências operatórias" pelas quais os indivíduos respondem realmente a estas exigências.

A análise do trabalho confronta uma dupla perspectiva, a do “quê” e a do “como”. Considerando que a evolução da organização do trabalho acompanha o desenvolvimento dos sistemas complexos, convém incluir no “como”, o “modo de fazer", isto é a questão da repartição efectiva do trabalho entre os operadores de uma mesma equipa, ou seja, “quem faz?” e “quem faz o quê”? De forma geral a análise do trabalho é uma metodologia de estudo das situações reais de trabalho. Considerada por Wisner (Scherrer, 1981) como o “elemento central e mais característico da ergonomia” é, acima de tudo, uma análise efectuada em termos sistémicos que evidencia e torna inteligíveis as relações entre as condições de trabalho, a actividade de trabalho e os efeitos ou consequências dessa actividade sobre o trabalhador ou sobre o sistema no seu conjunto. Na verdade, só o correcto diagnóstico da situação de trabalho enquanto um todo permitirá uma adequada intervenção ergonómica a nível das condições de trabalho – “terapêutica” – e tornará possível ajuizar das consequências previsíveis de tal intervenção sobre o operador e sobre o funcionamento global do sistema – “prognóstico” (Faria, 1987).

A análise do trabalho utiliza alguns instrumentos essenciais designadamente, entre outros, a observação directa (descrição da actividade ou dos comportamentos do trabalhador, bem como das condições de trabalho directa ou indirectamente relacionadas com essa actividade) e os questionários e entrevistas (descrição pelos próprios trabalhadores da sua actividade – aspectos observáveis e não observáveis).

As metodologias de análise do trabalho recorrem com frequência a técnicas que decompõem a actividade de trabalho em acontecimentos distintos e sucessivos, permitindo a observação de detalhes, como por exemplo a

frequência dos gestos, a postura adoptada e a avaliação dos ângulos intersegmentares assumidos ao longo do desempenho.

Essa análise pode permitir a estimativa da quantificação da exposição a factores de risco, a identificação dos períodos de repouso, a avaliação dos níveis de aplicação de força e a cadência ou o ritmo de trabalho, nomeadamente a caracterização das proporções, médias e “picos” de intensidade e frequência do trabalho. A relação entre esses factores e a probabilidade de aparecimento de LME, considerando as diversas teorias fisiopatológicas de génese das LMEMSLT, são os elementos de suporte à elaboração da generalidade dos métodos de avaliação do risco de LMEMSLT. Apesar dos aspectos descritos, a ênfase na avaliação do risco só tem sentido se estiver integrada num conjunto de actividades que potenciem o controlo do risco através de medidas preventivas destas patologias (gestão do risco) e que sejam parte integrante de um sistema que se retroalimenta continuamente no sentido da efectiva melhoria do processo.

Assim, a análise ergonómica do trabalho, pela sua metodologia específica, permite a compreensão dos diversos elementos implicados e, fazendo parte do modelo de diagnóstico e gestão do risco de LMEMSLT, pode contribuir para o desenvolvimento de planos e programas de prevenção, eventualmente mais efectivos.

O modelo proposto pela NIOSH (NIOSH, 1997) é um desses exemplos que se inicia pela análise da situação de trabalho, integrando a descrição do local e condições de trabalho, a análise dos modos operatórios, a identificação da presença/utilização de ferramentas e/ou de máquinas e a identificação dos factores organizacionais e psicossociais. Para além destes abrange, inclusive, uma análise de todos os aspectos relevantes do trabalho, nomeadamente os recursos, o ambiente, a organização, as tarefas e as exigências físicas e mentais para os operadores (Rohmert; Landau, 1983).

Um aspecto importante a considerar na análise do trabalho assenta na necessidade desta ser realizada por técnicos especializados e com formação nesses domínios, o que pode conduzir a diagnósticos mais fiáveis das situações de risco. De facto, a análise, por exemplo, de aspectos parcelares da situação de trabalho, relativos às condições ambientais, às ferramentas, aos utensílios e/ou ao trabalho prescrito, constituem abordagens que, para além de poderem ser redutoras, não são representativas da situação de trabalho real. Só a análise ergonómica, integradora, holística, permite compreender o trabalho como um conjunto de elementos mutuamente dependentes e contribuintes para a existência de um determinado efeito.

Nesse sentido, ainda que as dimensões e as características dos postos de trabalho, designadamente as que se relacionam com as medidas de uma cadeira ou de um plano de trabalho (bancada), não sejam por si só factores causais de LMEMSLT, podem forçar o operador a assumir posturas extremas e impor a adopção de métodos de trabalho que o coloquem em risco de contrair

ou agravar lesões músculo-esqueléticas e só é possível identificar estes elementos através de uma análise da situação real de trabalho.

Pelo exposto é esperável que o diagnóstico da situação de trabalho, onde se inclui a identificação dos factores de risco (“hazard identification”) e a avaliação do risco (“risk analysis, risk quantification, risk evaluation”), particularmente com aplicação dos filtros e métodos utilizados no âmbito desta tese, seja considerada fundamental para a compreensão do trabalho e eventual intervenção e que seja efectuada por peritos.

A título de exemplo considera-se que as situações de trabalho onde a repetitividade é o elemento dominante pressupõem a necessidade de selecção dos instrumentos a utilizar no diagnóstico do risco de LMEMSLT que ponderem adequadamente esse factor de risco. Outras situações de trabalho, com distintas exigências, por exemplo, de aplicação de força, posturas extremas ou exposição a vibrações, devem ser avaliadas com recurso a métodos que contemplem de forma clara esses factores de risco. Tais selecções só se consideram possíveis através da utilização de uma estratégia própria de avaliação do risco que se coloca em hipótese nesta tese.

Finalmente, da análise do trabalho resultam, com frequência, as primeiras propostas de soluções correctivas, ou seja de intervenção, que pela integração de um conjunto de elementos que interagem entre si designadamente as condições de trabalho, a actividade e o operador, pretende adaptar o trabalho às características e limitações do trabalhador. Destaca-se a necessidade de uma real interpretação da importância de cada factor de risco de natureza profissional para que a solução resultante da introdução de medidas correctivas seja passível de aplicação e resulte numa efectiva diminuição do risco. Tais soluções devem ainda permitir um acompanhamento da alteração da situação de trabalho pelos trabalhadores, potenciando uma aprovação participada, quer pelo conhecimento do trabalho realizado, quer pela necessidade de investir num aumento de produtividade alicerçado na melhor situação de saúde do trabalhador.