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Sistematização da avaliação do risco de LMEMSLT

3. Identificação e avaliação do risco de LMEMSLT

3.6. Sistematização da avaliação do risco de LMEMSLT

Para Drury, não existe substituto para o conhecimento do perito na análise da situação real de trabalho (Drury, 1992). A elaboração, selecção e aplicação dos métodos de avaliação do risco de LMELT só por si pode ser espúria se não forem considerados os elementos da situação de trabalho, da actividade efectivamente realizada, as exigências físicas, organizacionais e até psicossociais. Mesmo considerando que os métodos possam estar bem elaborados, nem sempre abrangem todos os elementos presentes na situação de trabalho.

A observação e os registos observacionais constituem uma etapa fundamental na identificação, classificação e hierarquização do risco nos postos de trabalho (Kemmlert; Kilbon, 1987). Os registos observacionais podem ser efectuados em filtros e em grelhas de observação que reúnem a maioria dos factores de risco, os mais pertinentes, e permitem uma obter uma classificação (Keyserling

et al., 1993).

Os métodos que recorrem à observação e consequente relação com listas de verificação ou grelhas, como é o caso dos métodos observacionais de avaliação do risco de LMEMSLT, apresentam particularidades e especificidades na sua génese que, com frequência, condicionam a sua aplicação a situações de trabalho específicas.

Nesse sentido, é possível verificar que os métodos observacionais apresentam claras diferenças entre si, por um lado devido aos diferentes objectivos que estiveram na sua génese, por outro face às diferentes áreas de estudo dos seus autores.

A necessidade de um instrumento ou método prático e universal na avaliação do risco de LMELT e das condições de trabalho tem sido largamente discutida (Mattila; Karwowski; Vilkki, 1985; Punnet; Keyserling, 1987; Winkel; Westgaard, 1992; Spielholz et al., 2001; Jul-Kristensen et al., 2001; Balogh et al., 2004). Nesse sentido, na avaliação destes métodos é necessário responder a algumas questões (Carmines; Zeler, 1979) que pretendem suportar aspectos da validade e da fiabilidade em instrumentos de avaliação do risco com base observacional:

1- Os constructos e conteúdos do método (questões, itens) são consistentes, de acordo com os critérios científicos e com o conhecimento actual?

2- A identificação dos factores de risco e a sua classificação com o método utilizado podem ser obtidas (validadas) através da utilização de outro método?

3- Os resultados obtidos na aplicação do método por diferentes utilizadores são consistentes ou semelhantes, na mesma situação de trabalho? 4- Quais os locais (tipologia de postos de trabalho e de actividade) onde o

método já foi aplicado? Quais os estudos que existem sobre a sua aplicação, validade e fiabilidade?

As primeiras duas questões pretendem analisar a validade do instrumento, designadamente (primeira questão) a validade do constructo (estrutura conceptual), isto é, a validade da estrutura teórica reproduzida através da utilização de um conjunto de questões em escalas que fornecem uma medida e que podem ser avaliadas, quer pela convergência, quer pela diferenciação de resultados (Fortin, 1999), e (segunda questão) a validade ligada a critérios avaliada, por exemplo, através de coeficientes de correlação. A terceira questão aprecia a fiabilidade do método, analisando os resultados obtidos na mesma situação em distintas aplicações. Por último a quarta questão avalia a aplicabilidade do método através da análise da sua concepção, desenvolvimento e aplicação em diversos estudos e tipologias de postos de trabalho.

Um método observacional fiável na avaliação do risco de LMELT deve ser testado e validado, no entanto estes processos são de difícil execução (Kemmlert, 1995). Keyserling refere que os métodos têm os seus objectivos e dificilmente são comparáveis (Keyserling et al., 1993), no entanto alguns testes de validade têm sido efectuados, nomeadamente observações sistemáticas (fiabilidade) e observações por diferentes utilizadores do método em diferentes ambientes laborais (Keyserling, 1986; Keyserling et al., 1993; Wiktorin; Karlqvist; Winkel, 1993). Fundamentalmente têm sido realizados testes comparativos entre as observações, as avaliações em determinados detalhes (ex.: a percentagem de tempo numa determinada postura) e os níveis de risco obtidos. É essencial que os dados colhidos através de análise observacional sejam comparados com informação “objectiva”. Esta avaliação pode ser baseada em registos observacionais suportados por análise em vídeo ou através de utilização de avaliações instrumentais (Balogh et al., 2004). Outro aspecto de relevo é apresentado por Wiktorin ao referir a importância da componente de ponderação no desenho ou concepção das escalas e grelhas e no processo da sua validação (Wiktorin; Karlqvist; Winkel, 1993; Wiktorin et al., 1996).

No essencial, os mecanismos de concepção, validação e selecção dos diversos métodos de avaliação do risco de LMEMSLT ainda se encontram em desenvolvimento. Apesar disso as LMEMSLT evoluem rapidamente para situações incapacitantes, quer no plano profissional, quer no plano pessoal, atingem frequentemente jovens adultos na fase activa da vida e merecem uma maior atenção por parte dos diversos agentes envolvidos no seu estudo e prevenção.

O diagnóstico das situações de risco em Saúde e Segurança do Trabalho é realizado sempre na perspectiva da intervenção preventiva (evicção ou redução do risco). Nesse contexto verifica-se, como foi referido, a necessidade de um diagnóstico efectivo que permita perspectivar a necessidade de uma

intervenção correctiva, frequentemente de natureza integradora, a nível por exemplo: (1) das ferramentas; (2) de outros utensílios de trabalho; (3) dos

equipamentos; (4) dos postos de trabalho; (5) dos modos operatórios ou (6) de

outras componentes da situação de trabalho. Tal intervenção pode passar ainda por alterações de aspectos organizacionais, designadamente a redução do tempo de trabalho, o aumento das pausas, a rotação entre as tarefas ou a indicação para a utilização de equipamentos de protecção individual.

A única forma eficaz de reduzir o número de casos de LMEMSLT passa inevitavelmente pela prevenção, que só se torna efectiva se for participativa e abrangente. Assim, o principal objectivo na luta contra as lesões músculo- esqueléticas passa por tentar minimizar as potenciais fontes de traumatismo fisiológico e biomecânico do trabalhador (Putz-Anderson, 1988), isto é, as elevadas exigências presentes nas situações de trabalho (factores de risco) ainda que, para tal, seja necessário um “esforço” coordenado no processo de avaliação do risco (estratégia gradativa de avaliação do risco) e na decorrente gestão do risco das LMEMSLT.

Em síntese, as lesões músculo-esqueléticas do membro superior ligadas ao trabalho (LMEMSLT) são, actualmente, um “peso” para a sociedade e para os trabalhadores (NIOSH, 1997; NRC/IOM, 2001). Autores como (Borg; Burr, 1997; Jones et al., 1998; Blatter; Bongers, 1999; Buckle; Devereux, 2002) indicam estimativas de valores de prevalência de sintomas de LMELT entre 30 a 40% dos trabalhadores inquiridos, localizados a nível da região cervical e membros superiores.

A incidência das LMELT na União Europeia tem aumentado significativamente nos últimos anos, em particular na última década, sendo considerada a categoria dominante das doenças profissionais em diversos países Europeus (Buckle; Devereux, 1999). Vários estudos demonstram a existência de relações entre as LMEMSLT e a exposição a factores de risco da actividade de trabalho como a repetitividade elevada, em particular quando se verifica simultaneamente a aplicação de força (Silverstein; Fine; Armstrong, 1987; Chiang et al., 1993; Moore; Garg, 1994). Por outro lado, alguns estudos, de que se destacam os de Natan, consideram que os factores individuais como por exemplo a idade, o sexo, a condição física e determinadas características antropométricas (ex.: diâmetro canalicular a nível do punho) são preponderantes em relação aos factores profissionais (Natan; Meadow; Doyle, 1988; Natan et al., 1992). Por último, outros estudos apontam para os factores de risco organizacionais/psicossociais (ex.: insatisfação profissional) como grandes contribuintes para o desenvolvimento de lesões a nível dos membros superiores (Weiman, 1977; Neimcryk et al., 1987; Johnson, 1993), assinalando que a monotonia ou o baixo nível de interesse ou estímulo profissional podem originar alterações das respostas fisiológicas, assim como modificações do comportamento dos trabalhadores que induzem o desenvolvimento de LMEMSLT.

Observando as diferentes perspectivas e resultados de diversos estudos é possível constatar que a maioria dos investigadores concorda que estas três grandes categorias de factores de risco provavelmente contribuem para a substantiva dimensão deste problema. A discordância assenta no contributo e no peso de cada factor de risco que integra as referidas categorias.

Assim, o primeiro objectivo da avaliação do risco é estimar a probabilidade e a gravidade do efeito para a saúde como resultado da exposição a um factor de risco (Cohrasen; Covello, 1989). Existem várias metodologias de avaliação do risco que passam por: (1) identificação dos factores de risco e avaliação da

exposição, (2) avaliação da dose-efeito (resposta) e (3) caracterização do risco, onde os resultados, provenientes dos passos anteriores, são integrados num documento que inclui uma ou mais estimativas quantitativas do risco.

Neste contexto, a confrontação com a avaliação da dose-resposta envolve a determinação dessa resposta tecidular a nível da população e a estimação da relação entre distintas doses com a magnitude do efeito adverso provocado. Por outras palavras, as avaliações dose-efeito e dose-resposta representam, devido à multifactorialidade e à complexa relação entre os vários elementos intervenientes, o conhecimento actual que é insuficiente para determinar com efectividade a resposta tecidular a uma determinada exposição. Apesar disso, foram elaboradas várias normas nesta área que, no essencial, agrupam o conhecimento disponível e permitem orientações sobre o processo de avaliação do risco.

A análise ergonómica do trabalho contribui, pela sua perspectiva holística e integradora, para a avaliação do risco de LMEMSLT através da utilização, entre outros, de instrumentos que vão desde simples listas de verificação ou filtros de identificação de factores de risco, até técnicas instrumentais de elevada complexidade (Malchaire, 1999). Cada situação de trabalho determinará uma necessidade de integração dos diversos elementos que a constituem e, consequentemente, o nível de detalhe requerido. Dessa forma, o processo de avaliação do risco deve iniciar-se com a identificação dos factores de risco presentes num posto de trabalho para, seguidamente, aplicar métodos de maior detalhe, designadamente métodos observacionais de avaliação integrada do risco de LMEMSLT (nesta fase é necessário relembrar um dos elementos justificativos do presente estudo, designadamente a ausência de linhas de orientação no processo de selecção dos instrumentos mais adequados ou em alternativa contra-indicados para situações concretas de trabalho).

Em situações de risco elevado e quando não é possível reunir a informação necessária na identificação dos elementos determinantes para a existência de risco, utilizam-se métodos observacionais de análise da actividade de trabalho aplicados em registo vídeo. Finalmente, em caso de situações de risco elevado e devido à complexidade da situação objecto de estudo, utilizam-se avaliações da situação de trabalho com suporte instrumental (ex.: electrogoniometria, electromiografia).

No essencial e no âmbito do problema em estudo foram concebidos múltiplos métodos observacionais de avaliação integrada do risco de LMEMSLT que,

com frequência, privilegiam aspectos que estiveram na base da sua elaboração e que permitiram obter uma resposta concreta numa situação particular. Os métodos são por certo úteis no sentido de contribuir para a avaliação do risco destas lesões, todavia a informação sobre a sua aplicação concreta é renegada em detrimento de informação que sobrevaloriza a sua aplicação em qualquer situação de trabalho.

Actualmente, é possível afirmar que não existem métodos universalmente validados e aceites para a descrição e avaliação do risco de LMELT (Capodaglio; Facioli; Bazzini, 2001). Os métodos observacionais, em comparação com os métodos instrumentais, combinam custos reduzidos com uma grande capacidade, versatilidade, generalidade e aceitável precisão (Winkel; Mathianssen, 1994; van der Beek; Frings-Dresen, 1998).

A utilização de métodos observacionais na avaliação do risco de LMELT, depende substantivamente da sua fiabilidade e validade (Juul-Kristensen, 2001) e se partirmos do pressuposto que a fiabilidade existe então são particularmente os aspectos relacionados, por um lado com a validade interna (capacidade de medir o que é suposto medir) e por outro com a validade externa (capacidade de medir com efectividade em distintas aplicações e situações), as suas características mais pretendidas.

Apesar disso, os resultados obtidos com cada um dos diferentes métodos são divergentes dependendo da situação de trabalho em análise (Brodie; Wells, 1997; Serranheira, 1999; Spielholz et al., 2001a). Surge pois a necessidade de questionar a razão das diferenças de resultados e, se possível, encontrar orientações para o método observacional mais indicado em cada situação ou em oposição o método contra-indicado.

O presente estudo aborda exactamente esta linha de investigação, tentando contribuir para que a selecção e a utilização dos métodos de avaliação do risco de LMEMSLT seja fundamentada em critérios objectivos e que permitam uma maior validade interna.