• Nenhum resultado encontrado

2. Gestão do risco de LMEMSLT (perspectiva abrangente)

2.1. Modelos de gestão do risco de LMEMSLT

A existência de regulamentos, normas, leis e/ou linhas de orientação no âmbito da ergonomia, tem-se tornado parte fundamental e vital no esforço de redução da carga de trabalho e de prevenção e controlo das LMELT (Fallentin et al., 2001b). A relação entre a exposição a factores de risco no trabalho e o desenvolvimento de LMELT é conhecida há séculos. No entanto, só nos últimos 30 a 40 anos se verificou um interesse substantivo nestas áreas,

particularmente no âmbito da sua prevenção, com consequente produção de diversos trabalhos científicos.

Alertados por uma elevada magnitude do problema e óbvias consequências, quer a nível da saúde dos trabalhadores, quer económicas e sociais, verificou- se um súbito interesse e necessidade de prevenção e controlo do risco destas patologias por parte dos principais organismos internacionais da saúde, das quais se destacam a World Health Organization (WHO), a National Institute

Occupational Safety and Health (NIOSH), a International Commission Occupational Health (ICOH), a Occupational Safety and Health Administration

(OSHA) e a European Agency Safety and Health at Work (EASHW).

Observaram-se esforços, primeiramente nos países Nórdicos e nos Estados Unidos que, posteriormente, se alargaram à Europa e a todo o mundo, no sentido da prevenção. A OSHA estimou, conservadoramente, que a intervenção ergonómica traria uma redução na ordem dos 65% de prevalência das LMELT, isto é, a aplicação de medidas que eliminem ou reduzam a exposição aos factores de risco destas lesões determinará proveitos económicos e de saúde na ordem dos milhões de dólares (Silverstein, 1995). Dessa forma, o desenvolvimento de normas de controlo e prevenção das LMELT aumentou consideravelmente desde o aparecimento do Comité Técnico de Ergonomia da ISO em 1975. Actualmente existem diversas normas no âmbito da ergonomia a nível mundial, 28 das quais emanadas do referido Comité Técnico da ISO (Dul; Vlaming; Munnik, 1996) e destacam-se internacionalmente a este nível e em particular com direccionalidade ao membro superior:

1) ANSI Z365 (1989) – Controlo de LMELT: 1ª parte – Em 1989 o Conselho de Segurança Nacional dos Estados Unidos da América iniciou esforços no sentido de desenvolver um “documento de consenso” para o controlo das LMELT através do Instituto Americano de Normalização (“American

National Standards Institute” – ANSI). As orientações sustentadas no

conhecimento da ergonomia dirigiam-se às posturas de trabalho, às exigências de aplicação de força, à exposição às vibrações, às ferramentas, à organização e à versatilidade do posto de trabalho. A 4ª versão do documento (1996) é dirigida à prevenção das lesões a nível dos membros superiores. O documento descreve as componentes dum programa de prevenção e controlo das LMEMSLT, onde se incluem os procedimentos de análise ergonómica de postos de trabalho, passando pela avaliação do risco e instrumentos a utilizar nesse processo, pela vigilância do estado de saúde dos trabalhadores, indo até mecanismos de gestão do risco destas lesões.

2) OSHA (1995) – Fundamentada em estudos epidemiológicos e em outra revisão bibliográfica, a “Occupational Safety and Health Administration” – OSHA, apresentou em 1995 a sua primeira norma no âmbito da prevenção das LMEMSLT. A presença de determinados factores de risco, identificados com recurso a métodos observacionais, determinava o enquadramento do posto de trabalho na norma, designadamente: (1)

realização de movimentos ou gestos idênticos com intervalos de poucos segundos continuamente durante 2 horas ou mais de 4 horas no total do tempo de trabalho; (2) postura extrema, sem apoios, estática durante

pelo menos uma hora em cada quatro horas; (3) utilização de ferramentas vibratórias mais de uma hora seguida ou mais de duas horas diárias; (4) aplicação de força com os membros superiores e/ou

mãos durante mais de duas horas por dia; (5) levantamento frequente de

cargas sem apoio mecânico. Após a verificação da presença destes factores de risco passa a existir a obrigatoriedade para os empregadores de seguir os procedimentos da norma, nomeadamente de formação e informação dos trabalhadores sobre as LMELT e de avaliação do risco destas patologias. Os postos de trabalho são, desta forma, hierarquizados e existe a obrigatoriedade de proceder a uma avaliação do risco com maior detalhe e a consequentes intervenções no sentido da redução da probabilidade de ocorrência de lesões em todas as situações de risco considerado elevado. É importante referir que esta norma teve uma forte oposição do Congresso Norte-Americano, que, inclusive, votou contra qualquer nova tentativa de elaboração de normas reguladoras neste âmbito, dificultando a identificação da dimensão e registo deste problema de saúde e impedindo uma intervenção centrada na melhoria das condições de trabalho.

3) ISO/CD 11226: Ergonomia (1995) – Avaliação das posturas de trabalho – Trata-se de uma norma internacional, publicada em 1995 pela “International Organization for Standardization” – ISO, que aborda critérios de aceitabilidade para as posturas assumidas durante o trabalho. Dirigida a todos os intervenientes na situação de trabalho, desde a concepção até aos que desempenham a sua actividade, especifica valores limite recomendados para posturas onde não se verifiquem aplicações significativas de força e linhas de orientação para a avaliação dos riscos para a saúde dos trabalhadores. Uma metodologia com dois momentos, permite determinar os critérios de aceitabilidade das posturas assumidas no trabalho designadamente (1) a

avaliação específica da postura assumida pelos segmentos corporais ou ângulos intersegmentares – aceitável ou não aceitável, (2) a duração do

tempo de manutenção da postura e determinação da aceitabilidade ou não através da aplicação de instrumentos suportados em diagramas elucidativos das várias posturas segmentares (cabeça, tronco, membros superiores e inferiores) que classificam a aceitabilidade com base nos ângulos descritos com os segmentos adjacentes. Existem, igualmente, tabelas de ponderação de tempos para a classificação da aceitabilidade postural e algoritmos de cálculo para os tempos de recuperação necessários em tarefas com exigências físicas significativas.

4) CEN prEN1005 (1996, 2001, 2002) – A Directiva Máquinas da UE (“European Committee for Standardization” – CEN) pretende fornecer informação essencial sobre os procedimentos de segurança no design (concepção) de equipamentos, permitindo que produtos classificados por esta norma circulem livremente na UE. Esta Directiva encontra-se em fase de implementação através de um conjunto harmonioso de

normas – prEN 1005 partes 1 a 5 (harmonioso e pr significam que as normas, depois de aprovadas, são automaticamente transpostas em cada um dos Países da UE, e que se trata de um documento em elaboração, respectivamente). Para se compreender a abrangência do carácter normativo Europeu, no geral as normas estão divididas em três tipos: (1) normas tipo A, que abrangem a generalidade das

características dos equipamentos, (2) normas tipo B, que se dirigem aos

aspectos da segurança e saúde de um grupo de equipamentos e (3)

normas tipo C, destinadas a um tipo particular de equipamentos/máquinas. Uma secção das normas do tipo B dirige-se em particular à performance humana (prEN1005 1-5: a 1ª parte apresenta a terminologia e definições utilizadas; a 2ª parte abrange aspectos relacionados com o levantamento e transporte de cargas; a 3ª parte aborda os limites de força recomendados para operar com equipamentos ou máquinas; a 4ª parte dirige-se às posturas de trabalho; a 5ª parte apresenta o processo de avaliação do risco do membro superior em tarefas repetitivas). Contrariamente à generalidade das normas existentes, o projecto de norma prEN1005 destina-se à fase de concepção dos equipamentos, não existindo direccionalidade para os trabalhadores ou empregadores nem para situações de trabalho existentes. Todas as partes integrantes da prEN 1005, excepto a primeira, têm uma base quantitativa para os seus procedimentos apoiada em instrumentos de aplicação observacional. Na segunda parte são referidos valores máximos de força, admissíveis para manipular equipamentos ou levantar cargas, assim como, procedimentos gradativos de avaliação do risco em situações de risco potencial no levantamento e manipulação de cargas: (i) listas de verificação – rastreio de situações de risco; (ii) presença de factores de risco adicional e tabelas de auxílio ao cálculo dos limites de massa do objecto a manipular; (iii) introdução de uma equação para o cálculo da força aplicada cumulativamente com factores de risco não presentes até ao momento. Esta metodologia passa pela (1) definição de uma constante

de massa relativa a uma população específica (ex.: os trabalhadores de uma fábrica), (2) avaliação do risco através da utilização dos instrumentos já referidos e (3) classificação do tipo de acção necessária

ou hierarquização da necessidade de intervenção (aceitável; reconcepção; utilização de metodologia de avaliação do risco com maior detalhe). A terceira parte da norma (prEn 1005-3) aborda o cálculo dos valores de força admissíveis para operar equipamentos profissionais e domésticos. É apresentada uma tabela com os valores aceitáveis, incluindo-se o procedimento de avaliação do risco: (1) determinação da força máxima voluntária, (através de contracção máxima isométrica) – os valores de capacidade de força isométrica são pré-calculados com base no percentil 15 de força da população, para as mais vulgares utilizações profissionais e domésticas (ex.: força com a mão, força com o braço sentado e em pé, força a empurrar ou puxar); (2) introdução de

multiplicadores no sentido da redução da força máxima aplicada em função de características específicas como a intensidade, frequência, duração, velocidade e/ou aceleração; (3) introdução de novo

considerando a tolerabilidade e o risco de desenvolvimento de LME. Na quarta parte são abordadas as posturas de trabalho assumidas durante o desempenho da actividade com os equipamentos ou máquinas. A norma refere recomendações para as posturas e gestos aceitáveis durante a operação de máquinas, sem aplicações de força consideráveis. A avaliação do risco assenta num modelo em “U” que refere um aumento do risco à medida que a exposição se aproxima dos limites superiores da curva. São fornecidos instrumentos (métodos observacionais) suportados em esquemas corporais elucidativos da região cervical, tronco e membros superiores, onde se representam classificações dos ângulos intersegmentares e da frequência do movimento. Os critérios de aceitabilidade são organizados em função de cada zona corporal, ângulos intersegmentares (postura) e movimentos realizados em: (1) aceitável; (2) aceitável com condições; (3) inaceitável. A quinta parte (prEN1005-5) trata da avaliação do risco a nível do membro superior em tarefas repetitivas, objecto de análise neste estudo e encontra-se descrita mais à frente nesta tese.

5) ACGIH (1999) – Valor limite de exposição para a actividade manual – Em Dezembro de 1999, a “American Conference of Governmental

Hygienists” - ACGIH, publicou uma norma de base quantitativa

direccionada à prevenção e controlo das LMEMSLT, particularmente a nível do antebraço, punho, mão e dedos, em actividades repetitivas com duração superior a 4 horas diárias. O método de avaliação do risco que emana desta norma (método HAL) encontra-se descrito nesta tese. 6) OSHA (2000) - Em finais de 1999 a OSHA propôs uma reformulação da

norma no sentido da prevenção e controlo das LMELT. Desta vez foi publicada sob a forma de Lei mas, apenas uns meses mais tarde, foi novamente rejeitada pelo Congresso. A norma era, à partida, restritiva à indústria em geral. O seu objectivo visava, mais uma vez, reduzir o número e a severidade de casos de LMEMSLT causados pela exposição a factores de risco no local de trabalho. A sua aplicação estava condicionada a situações de trabalho onde se verificasse a existência de: (1) casos ou sintomas e sinais de LMELT e (2) postos de trabalho que

implicassem a exposição a factores de risco com intensidade, repetição ou duração suficiente para ser susceptível o aparecimento de patologia músculo-esquelética. Os critérios decisionais da presença/ausência de risco assentavam, mais uma vez, num filtro de identificação de factores de risco de LMELT. As medidas subsequentes a aplicar nos postos onde se identificasse a presença de factores de risco, passavam pela aplicação de métodos de avaliação integrada do risco, apresentados em apêndice à norma, dos quais se destacam o método NIOSH (1993), o método RULA (1993) e o método REBA (2000).