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JONAS 08 anos masculino 3º ano do Ensino Fundamental B GUSTAVO 09 anos masculino 3º ano do Ensino Fundamental A

5- Análise e Interpretação dos Resultados

5.1- Análise e interpretação dos resultados das crianças com desenvolvimento típico

Ao longo da aplicação da tarefa de dupla estimulação, o pensamento das crianças com desenvolvimento típico transitou do pensamento por complexo do tipo pseudoconceito ou difuso, ao conceito potencial e, posteriormente, ao conceito propriamente dito.

Ao estar diante de uma combinação complexa, as crianças identificavam o objeto por suas semelhanças fenotípicas. O que parecia ser um conceito em função de sua natureza genética, era um complexo, justamente pelos vínculos dinâmico- causais que lhe serviam de base. Em termos externos, tinha-se um conceito, em termos internos, um complexo quando a criança justificava sua escolha. (VIGOTSKI, 2001)

Parece ter havido uma distinção entre o modo de funcionamento das crianças no ato da escolha de um bloco e a justificativa que engendravam sobre a própria escolha. Diante do modelo “círculo, grande, grosso e vermelho”, Joana por exemplo, escolhe outro que, pretensamente seria “BLO”, um “círculo, grande, fino e preto”. A

análise das semelhanças entre os blocos pode levar a crer que se está diante de um conceito potencial: um bloco grande. A justificativa, entretanto, mostra que a forma (vínculo concreto e factual) foi que norteou a escolha da criança.

Os dados evidenciam que todas as justificativas realizadas pelas crianças estão aquém da escolha, a demonstrar possivelmente um nível de desenvolvimento mais elevado. Quando as crianças justificam suas escolhas e que, mostram os aspectos genéticos da escolha feita:

Pesquisadora: “Esse é um BLO” (círculo, grande, grosso e vermelho) “Eu quero que você olhe e pegue outro BLO para mim.”

Joana: (Ela levanta da cadeira e pega um círculo, grande, fino e preto) Pesquisadora: “Por que você escolheu essa?”

Joana: “Porque é igual a essa”. (Aponta para o círculo grande, grosso e vermelho) Pesquisadora: “Eles são iguais em quê?”

Joana: “Na forma” (Faz o movimento na mesa de um círculo)

Pesquisadora: “Esse não é um BLO. Esse é um CAT. Olhe para as peças e pegue um BLO.” Joana: (Pega um círculo, pequeno, grosso e roxo e vira)

Pesquisadora: “Não pode virar. Por que você escolheu essa?” Joana: “Por que... tem a mesma forma também.”

Pesquisadora: “Esse aqui é um BLO” (quadrado grande, grosso e azul e mostra a palavra escrita atrás) “Ele é um BLO, olhe para as peças e pegue para outro BLO.”

Fredy: (Pega um quadrado, grande, grosso e vermelho) Pesquisadora: “Por que você escolheu esse?”

Fredy: “Porque ele é igual a esse.” (aponta para o quadrado, grande, grosso e azul) Pesquisadora: “Por que ele é igual?”

Fredy: “Porque eles são do mesmo jeito.” (passa o dedo indicador envolta das duas peças). Pesquisadora: “Que jeito?”

Fredy: (Sorri)

Pesquisadora: “Você falou que são iguais porque são do mesmo jeito. Que mais? Por que eles são iguais?”

Fredy: “Porque eles são quadrado?” Pesquisadora: “Que mais?”

Fredy: “Porque os dois são BLO?” Pesquisadora: “O que mais?” Fredy: (Sorri)

Pesquisadora: “Olhe para eles.”

Fredy: “Porque os dois são...” (coloca um do lado do outro) “Não sei não.”

Pesquisadora: “Vamos ver ser ele é um BLO? Ele é um BLO (mostra a palavra escrita atrás do quadrado, grande, grosso e vermelho).

Ao serem solicitadas a realizar novas tentativas e atuando na Zona de Desenvolvimento Proximal, observou-se, nas crianças, a transição do pensamento por complexo do tipo pseudoconceito para o conceito potencial. Inicialmente, elas justificaram sua escolha pela semelhança difusa entre as peças e, incitadas a explicitar o termo, revelavam ter utilizado a forma como critério de seleção do bloco. Quando solicitada a analisar a diferença existente entre as peças, centram-se no

nome, na cor para, em seguida chegar à conclusão acerca de um dos atributos criteriais que é a característica permanente dos modelos.

Em outros termos, abstraem um dos atributos criteriais do “BLO”: ser grande, daí um conceito potencial. Ao abstrair um dos atributos, as crianças destroem a situação concreta e o vínculo concreto existente e criam uma nova base de combinações; essa agora, pelos atributos criteriais identificados. A generalização já está presente nesse momento transitório, e resulta do emprego funcional da palavra. A palavra é um signo, que pode ser usado e aplicado de diferentes maneiras, e serve de base para diversas operações mentais. Estas operações mentais, efetivadas pela palavra, indicam a passagem entre o pensamento por complexo para o conceito potencial (VIGOTSKI, 2001).

Pesquisadora: “Esse não é BLO. Esse é TAC. Olhe bem para as peças e pegue um BLO.” Joana: (Pega um círculo, pequeno, grosso e azul.)

Pesquisadora: “Por que esse é um BLO?” “Por que você escolheu essa?”

Joana: “Porque ela é parecidississíssima, com essa.” (círculo, grande, grosso e vermelho)

Pesquisadora: “Por que ela é parecida com essa?” (círculo, grande, grosso e vermelho com o círculo, pequeno, grosso e azul)

Joana: “Porque tem a mesma forma e...”

Pesquisadora: “Porque tem a mesma forma. Mas olha, tem alguma coisa que elas são diferentes.” Joana: “O nome?”

Pesquisadora: “Olha para elas. Veja em que elas são diferentes.” Joana: (Olha para as duas peças por dezenove segundos) Pesquisadora: “Em que elas não são iguais?”

Joana: “Na cor.”

Pesquisadora: “E o que mais?”

Joana: (Abaixa a cabeça, deita sobre o braço direito, olha para as duas peças, levanta) “No tamanho.”

Pesquisadora: “No tamanho. Esse é um BLO.” (Aponta para o círculo grande, grosso e vermelho) “O BLO é?”

Joana: “Grande.” (Fala baixo e faz o gesto de grande com as mãos)

Pesquisadora: “Tem mais BLO?” Hélio: “Tem.” (Sorri.)

Pesquisadora: “Pegue para mim.”

Hélio: “Esse.” (Círculo grande, grosso e vermelho.)

Pesquisadora: “Por que você pegou esse?” (Círculo grande, grosso e vermelho.) Hélio: “Porque é grande.”

Pesquisadora: “Grande e o que mais? Só porque ele é grande?” Hélio: “Não.”

Pesquisadora: “Por que mais?” Hélio: “Porque eles se parecem.” Pesquisadora: “Se parecem em que?”

Hélio: “É... deixa eu ver, tia.” (Olha para o trapézio grande, grosso e roxo; hexágono grande, grosso e preto; quadrado grande, grosso e vermelho; círculo grande, grosso e vermelho; quadrado grande, grosso e azul; e triângulo grande, grosso e vermelho.) “A grandeza.”

Pesquisadora: “Qual grandeza?” Hélio: “Dos cortes.”

Hélio: “De todos.” (Trapézio grande, grosso e roxo; hexágono grande, grosso e preto; quadrado grande, grosso e vermelho; círculo grande, grosso e vermelho; quadrado grande, grosso e azul; e triângulo grande, grosso e vermelho.)

Pesquisadora: “Me explica. Como assim? Qual corte? Qual grandeza?” Hélio: “Grandeza porque todos é.”

Pesquisadora: “Todos são o que?” Hélio: “Grandes.”

Pesquisadora: “Esse é um BLO.” (Mostra a palavra atrás do círculo grande, grosso e vermelho.) “Todas essas peças são BLO: (Trapézio grande, grosso e roxo; hexágono grande, grosso e preto; quadrado grande, grosso e vermelho; círculo grande, grosso e vermelho; quadrado grande, grosso e azul; e triângulo grande, grosso e vermelho.) “Você falou para mim que é ela é BLO. O BLO, ele é...?”

Hélio: “Grande.”

Cabe observar que, mesmo identificando um dos atributos criteriais do BLO, o pensamento das crianças ainda permaneceu concentrado na forma da peça, oscilando entre o pensamento por complexo e o conceito potencial. A transição para o estágio de conceito propriamente dito demandou contraprovas para desequilibrar o pensamento, levando a novas análises dos blocos. Abstraindo as diferenças entre o modelo e o bloco, elas conseguem identificar o outro atributo criterial do BLO, grosso, ainda que não de forma estanque, sem elaborar uma síntese dos dois atributos. Mediante novas intervenções alcançaram abstrair e generalizar os atributos criteriais conjuntamente e operar com conceito propriamente dito. Conforme se pode observar:

Gisele: (Pega quadrado grande, fino e verde.) Pesquisadora: “Esse é um BLO?”

Gisele: “É.”

Pesquisadora: “Por que ele é um BLO?” Gisele: “Eu acho que ele não é.”

Pesquisadora: “Ele não é BLO, por que ele não é BLO? Vamos ver?” Gisele: “Porque ele não é grosso.”

Pesquisadora: “Então o BLO, ele é?”

Gisele: “Grosso e grande.” (Faz os movimentos com as duas mãos.) Pesquisadora: “Tem mais BLO?”

Gisele: “Esse aqui.” (Quadrado grande, grosso e azul.) Pesquisadora: “Por que esse é um BLO.”

Gisele: “Porque ele é grosso e grande.”

Andressa: “Essa aqui.” (Círculo pequeno, grosso e azul.) Pesquisadora: “Por que você pegou essa?”

Andressa: “Porque ele é grosso também, igual esse.” (Coloca o círculo pequeno, grosso e azul ao lado do círculo grande, grosso e vermelho.)

Pesquisadora: “Esse é um TAC. Esse não é um BLO. Tem alguma diferença entre elas?” Andressa: “Tem. Ele é menor.”

Pesquisadora: “Então o BLO, ele é?” Andressa: “Grosso e grande.”

Salienta-se que, ao longo das intervenções houve crianças que utilizaram das palavras “largo”, “gordo”, “menores” e “maiores” para se referir à espessura, recorrendo à Função Normativa que, segundo Luria (1986), são palavras mais fáceis de serem recordadas em seu contexto:

Pesquisadora:: “Olha aqui, você falou para mim. Como é o BLO?” Joana: “Grande.”

Pesquisadora: “Grande e...?”

Joana: “Largo”. (Faz o sinal da espessura com o indicador e o polegar da mão esquerda. Coloca a mão na boca, olha para o lado e para o outro, estrala o dedo) “Grande e gordo. Não, go go grosso.”

Pesquisadora: “Pegue para mim outro BLO. Fredy: (Pega um quadrado grande, fino e verde). Pesquisadora: Por que você escolheu esse?

Fredy: Porque ele tem o mesmo jeito dos dois (mostra o quadrado, grande, grosso e vermelho e o quadrado grande, grosso e azul)

Pesquisadora: “Esse daqui não é BLO. Esse é CAT (mostra a palavra escrita atrás do quadrado grande, fino e verde) “Tá vendo? Olhe para eles e veja qual a diferença entre eles?”

Fredy: (Olha, observa a lateral das peças) “Esses dois.” (quadrado grande, grosso e azul e o quadrado grande, grosso e vermelho) “São maiores que esse.” (quadrado grande, fino e verde). Pesquisadora: “Maiores onde?”

Fredy: “Maiores na altura.”

Hélio: (Olha para as peças, bate o dedo indicador na mesa. Olha para o hexágono grande, grosso e preto.) “Eu achei essa.” (Hexágono pequeno, fino e laranja.)

Pesquisadora: “Por que essa é um BLO?”

Hélio: “Porque parece com essa.” (Aponta o hexágono grande, grosso e preto.)

Pesquisadora: “Esse é um MIR. Esse não é um BLO. Olhe para o BLO.” (Hexágono grande, grosso e preto.) “E olhe para essa que você escolheu.” (Hexágono pequeno, fino e laranja.) “E veja no que eles são diferentes. Tem uma diferença entre eles. Em quê? Qual a diferença?”

Hélio: (Olha para o hexágono grande, grosso e preto. Circula a peça e fala:) “ Nos cortes.” Pesquisadora: “Como assim nos cortes?”

Hélio: “Tipo assim, esse aqui é mais largo.” (Passa o dedo na lateral do hexágono grande, grosso e preto) “Esse aqui é menor.” (Passa o indicador na lateral do hexágono pequeno, fino e laranja.) Pesquisadora: “Esse aqui, ele é...?” (Hexágono pequeno, fino e laranja.)

Hélio: “Menor.”

Pesquisadora: (Aponta com o indicador para o hexágono grande, grosso e preto.) Hélio: “Maior.”

Pesquisadora: “O BLO, ele é...?” Hélio: “Maior.”

É interessante perceber a Função Reguladora que a palavra (signo colado ao bloco) exerce no pensamento da criança. Elas utilizaram suas próprias linguagens para dar ordem a si mesmas, transformando a linguagem externa em linguagem interna (LURIA, 1986). Foram momentos em que ocorreram a desautomatização do desempenho calcado em um pensamento menos desenvolvido e sua flexibilização para que as crianças apreendessem um novo conceito.

Pesquisadora: “Por que esse é BLO?” (quadrado grande, grosso e azul)

Joana: “Porque se esses dois aqui não são redondos” (trapézio grande, grosso e roxo; hexágono grande, grosso e preto) “Mas são BLOs, esse aqui também pode ser BLO.” (Quadrado, grande, grosso e azul) “Ele é grande e grosso.”

Andressa: (Olha para as peças e fala para si mesma: grande e grosso.) “Esse é grande e grosso.” (Pega o quadrado grande, grosso e azul.)

Pesquisadora: “Esse é um BLO.” (Mostra a palavra escrita atrás do quadrado grande, grosso e azul.) “Tem mais? Pode pegar.”

Na seqüência da aplicação da tarefa de dupla estimulação, ao solicitar que escolhessem um novo bloco (CAT) a escolha foi prontamente justificada mediante o uso do conceito propriamente dito, pois as crianças abstraíram e generalizaram os atributos criteriais “grande e fino”. Ainda assim, em outras escolhas, necessitaram de intervenção na regulação da atenção/ percepção, de modo a incitar a análise/síntese de diferenças e semelhanças entre as peças e de regulação de complemento do raciocínio, intervenção esta identificada como “desempenho assistido”, quando mediado por um adulto ou outro mais capaz (GALLIMORE e THARP, 2002).

Fredy: (Pega o quadrado grande, fino e verde) Pesquisadora: “Porque você pegou esse?”

Fredy: (Coça o olho) “Porque é da mesma finura e da mesma altura.” Pesquisadora: “Em que mais ele se parece?”

Fredy: (Olha para as peças)

Pesquisadora: “Cada conjunto se parece. O BLO se parece. O MIR se parece. O TAC se parece. E o CAT? Esse é um CAT” (mostra o quadrado grande, fino e verde) “Em que ele se parece?”

Fredy: “Hum... São grandes.” Pesquisadora: “O CAT ele é?” Fredy: “Grande.”

Pesquisadora: “Grande e ...?” Fredy: “Fino.”

Pesquisadora: “Pega para mim um CAT.”

Hélio: “Esse.” (Pega o triângulo grande, fino e preto.) Pesquisadora: “Por que você pegou esse?”

Hélio: “Porque é parecido na lateral. Igual.” Pesquisadora: “Iguais em quê?”

Hélio: “Na lateral.”

Pesquisadora: “Ele é o que então?” Hélio: “Fino.”

Pesquisadora: “Fino e...?”

Hélio: “Deixa eu ver...” (Abaixa a cabeça olhando para as peças: Trapézio grande, fino e vermelho; Quadrado grande, fino e verde. Trapézio grande, fino e branco. E Triângulo grande, fino e preto.) “Fino e do mesmo tamanho.”

Pesquisadora: “Qual tamanho?”

Hélio: (Sorri e coloca as duas mãos no rosto.) “Tamanho?” Pesquisadora: “É.”

Hélio: “Pequeno.”

Pesquisadora: “Vamos analisar se ele é pequeno? Olha para o CAT.” Hélio: “Não. Porque eles são grandes.”

Hélio: “Grande.”

Pesquisadora: “Grande e...” Hélio: “Pequeno na lateral.”

Pesquisadora: “Quando ele é pequeno na lateral ele é o que?” Hélio: “Ele é grande em cima.”

Pesquisadora: “Ele é grande e...?” Hélio: “Fino.”

Pesquisadora: “Então o CAT é...?” Hélio: “Grande e fino.”

A etapa de transição logo se completou, permitindo não apenas a utilização do pensamento por meio de conceitos, mas sua automatização na resolução das novas atividades propostas pela tarefa.

O conceito propriamente dito emergiu e se consolidou, quando a síntese abstrata se tornou uma forma basilar do pensamento da criança (VIGOTSKI, 2001). Nesse contexto, seria interessante lembrar que a palavra exerceu aqui um papel fundamental na formação do conceito propriamente dito. Foi por meio dela que as crianças analisaram, sintetizaram, simbolizaram e separaram as propriedades e colocando um determinado objeto nas relações com outros objetos, permitindo assim, a introdução do mesmo em uma determinada categoria.

Pesquisadora: “Esse aqui é um CAT. (Trapézio, grande, fino e branco) “Pegue para mim outro CAT.”

Joana: (Pega um trapézio grande, fino e vermelho) Pesquisadora: “Por que você escolheu esse?” Joana: “Porque ele é fino e grande”.

Pesquisadora: “Esse aqui é um MIR. (Hexágono pequeno, fino e laranja.)

Gisele: (Antes de a pesquisadora perguntar, ela responde) “E esse também é MIR. (Triângulo pequeno, fino e rosa; círculo pequeno, fino e vermelho.) “Esse.” (Semicírculo pequeno, fino e verde.) “E esse”. (Semicírculo pequeno, fino e laranja.)

Pesquisadora: “Por que você pegou esses aqui como MIR? (Triângulo pequeno, fino e rosa ; círculo pequeno, fino e vermelho; semicírculo pequeno, fino e verde; semicírculo pequeno, fino e laranja.)

Gisele: “Porque eles são pequenos e finos.” (Bate na mesa e sorri.)

Andressa: “Esse poderia ser.” (Trapézio pequeno, grosso e vermelho.) Pesquisadora: “Por quê?”

Andressa: “Porque, eu acho assim, que todos têm a mesma coisa aqui, oh.” (Passa o dedo indicador em cima do trapézio pequeno, grosso e vermelho.) “Eles não são assim, tipo assim... Ai! Eu não sei explicar direito. Deixa eu ver... Calma aí.”

Pesquisadora: “Esse é um TAC. Agora veja as semelhanças.”

Andressa: “Esse é pequeno e fino” (Coloca a mão no MIR), “Esse é grande e grosso” (Coloca a mão no BLO) “E esse é porque o formato de cima é igual.” (Passa a mão em cima do trapézio pequeno, grosso e vermelho.) “Sei lá. Calma aí. Deixa eu ver.” (Pega na mão esquerda o trapézio pequeno, grosso e vermelho; Na mão direita o hexágono pequeno grosso e verde. Coloca um ao lado do outro.)

Pesquisadora: “Olhe para eles. Olhe para as peças.” (Coloca o trapézio pequeno, grosso e vermelho e o hexágono pequeno grosso e verde em cima da mesa.) “Olhe para os TAC. Olhe para o conjunto do BLO. Existe alguma diferença entre o BLO e o TAC?”

Andressa: “Existe.”

Pesquisadora: “Qual a diferença?”

Andressa: “Porque eles são pequenos.” (Aponta para os TAC.) “E grossos. E eles” (Aponta para os BLO) “são grandes e grossos.”

Pesquisadora: “Então o TAC, ele é...?”

Andressa: (Sorri, coloca a mão na testa e diz:) “Ah não. Pequeno e grosso.”

5.2- Análise e interpretação dos resultados das crianças com deficiência intelectual

O modo de funcionamento mental das crianças com deficiência intelectual durante a aplicação da tarefa de dupla estimulação transitou do pensamento por amontoados, para o complexo associativo, difuso e pseudoconceito, passando pelo conceito potencial até chegar, para alguns ao conceito propriamente dito.

Ao identificar os objetos ao acaso, a lógica da criança é subjetiva e fruto de percepções subjetivas que os reúne, raciocínio próprio do pensamento por amontoados. No complexo associativo as crianças escolhem o objeto por diferentes vínculos associativos com qualquer aspecto percebido por elas como se ele pertencesse a uma “família”. Do ponto de vista desenvolvimental, o complexo associativo encontra-se muito próximo ao pensamento sincrético que caracteriza os amontoados. Já o complexo difuso, ainda que tenha cunho subjetivo, denota laços concretos e factuais quando a criança é solicitada a enunciar o motivo de sua escolha.

O pseudoconceito, também denominado conceito ponte, situa-se no ponto de transição entre operações do raciocínio conduzidas com base em abstrações e generalizações de atributos criteriais do objeto a ser conceituado e as operações calcadas nas evidencias fenotípicas do objeto, como forma e cor, no caso dos blocos.

O uso de amontoados e complexos é característica do pensamento quando busca atribuir significado a um novo conceito e pode estar presente em crianças e adultos com desenvolvimento típico ou não, ou ainda, à semelhança com as crianças com desenvolvimento típico, houve uma diferença entre o modo de funcionamento mental no ato da escolha e no ato da justificativa da escolhas. Ao ser apresentado o modelo “quadrado grande, grosso e vermelho”, a criança escolhe outro que seria um “BLO”, “trapézio grande, fino e branco”. A análise das semelhanças entre os blocos levaria a crer que se estava diante de um conceito potencial, pois ambas são grandes. A justificativa, entretanto, mostra que a forma,

ou seja, os vínculos concretos e factuais orientaram a escolha. Assim, a escolha parece indicar um pensamento por conceito potencial e a justificativa um pseudoconceito:

Pesquisadora: “Pegue para mim outro BLO. Olha aqui se tem mais BLO” (mostra as peças sobre a mesa)

Odair: (pega um trapézio grande, fino e branco) Pesquisadora: “Por que esse é um BLO?”

Odair: “PO, PO, porque esse aqui é um BLO?” (gagueja, mostra o trapézio grande, fino e branco e olha para cima)

Pesquisadora: “É.”

Odair:”Po, po, porque é igual na roupa” (gagueja algumas palavras que não dá para ser identificada, olha para frente e para o lado direito) “e, e, e na”.

Pesquisadora: “Olhe para eles para você falar. Você esta olhando lá para fora, Senta direitinho, olhe para cá. Você tem que olhar para a peça. Esse aqui não é um BLO, esse é um CAT” (mostra a palavra escrita atrás do trapézio grande, fino e branco) “Olhe para o CAT e olhe para o BLO” ( mostra o quadrado grande, grosso e vermelho; trapézio grande, grosso e roxo; círculo grande, grosso e vermelho; quadrado grande, grosso e azul e para o triângulo grande, grosso e vermelho) “E me diga qual a diferença entre eles”

Odair: “Qual a diferença?” Pesquisadora: “É. A diferença.”

Odair: (pega com a mão direita e com o dedo indicador passa em cima dos quatro lados) “Porque tem isso”

Pesquisadora: “Esse é um BLO.” (Quadrado grande, grosso e azul.) “Olhe para a peça e pegue para mim outro BLO.”

Jonas: (Olha para as peças e pega um quadrado grande, grosso e vermelho.) Pesquisadora: “Por que esse é um BLO?” (Quadrado grande, grosso e vermelho.) Jonas: “Porque é igual esse aqui.” (Coloca o dedo no quadrado grande, grosso e azul.) Pesquisadora: “Igual em que?”

Jonas: “Em...” (Coloca a mão na testa)

Pesquisadora: “Vamos ver se ele é um BLO. Ele é um BLO.” (Mostra a palavra escrita atrás do quadrado grande, e grosso.) “Você falou que ele é igual, ele é igual em que?”

Jonas: (Levanta os olhos para cima.) “É.. esse daqui” (Coloca a mão esquerda sobre o quadrado grande, grosso e azul) “Quadrado. E esse daqui também é quadrado” (Coloca a mão esquerda sobre o quadrado, grande grosso e vermelho.)

À medida que o processo de mediação é deslanchado, a transição do pensamento por complexo do tipo pseudoconceito para o conceito potencial, mostra- se claramente. Inicialmente as crianças justificaram sua escolha pela forma, pela cor ou pelo nome do bloco- como se o nome do bloco estivesse “colado” na peça, como se esse fosse uma propriedade do mesmo. Ao serem incitadas a analisar e a sintetizar as diferenças e semelhanças existentes entre os blocos, concluem ser o tamanho. Abstraem um dos atributos do bloco, ser “grande” ou “grosso”. Ao verbalizar um dos atributos criteriais, a palavra passa a exercer a função categorial ou conceitual no qual os significados passam a ser transformações dinâmicas. A palavra analisa o objeto para extrair suas características (LURIA, 1986).

Pesquisadora: “Esse é um BLO.” (Quadrado grande, grosso e vermelho) “Olhe para ele, olhe para as peças e pegue um BLO para mim.”

Odair: “Um BLO?”

Pesquisadora: “É um BLO.”

Odair: (Ele pega um trapézio grande, grosso e roxo) Pesquisadora: “Por que você escolheu essa peça?”

Odair: (Coloca o cotovelo sobre a mesa e a mão direita, apoia a cabeça) “Porque eu escolhi um BLO” (bate a mão na peça)

Pesquisadora: “Porque esse” (quadrado grande, fino e verde) Gustavo: “Quadrado”

Pesquisadora: “Ele é quadrado, só que ele não é um BLO. Ele é um CAT” (mostra a palavra escrita atrás do quadrado grande, fino e verde) “Qual a diferença entre eles? Olhe e me fale” Gustavo: (pega na ponta do quadrado grande, grosso e azul e na ponta do quadrado grande, fino e verde) “Esse azul” (quadrado grande, grosso e azul) “esse verde” (ponta do quadrado grande, fino e verde)

Pesquisadora: “Olhe além da cores, tem outra diferença. Qual é a diferença”

Gustavo: (olha para as peças, coloca o dedo indicador no quadrado grande, grosso e azul) “è quadrado”

Pesquisadora: “...Pegue um BLO para mim.” (Mostra a palavra escrita atrás do trapézio pequeno, grosso e vermelho.)

Edson: (Pega um trapézio grande, fino e branco.)

Pesquisadora: “Por que esse é um BLO?” (Aponta para o trapézio grande, fino e branco.)

Edson: “Ele é tamanho grande.” (Aponta para o trapézio grande, grosso e roxo. E para o trapézio grande, fino e branco.)

Pesquisadora: “Então o BLO é...?” Edson: “Grosso.”

Pesquisadora: “Grosso e...?” Edson: “E grande.”

Mesmo identificando um dos atributos criteriais do BLO, o pensamento das crianças ainda, permaneceu centrado na forma da peça, e a justificativa era feita por meio do pensamento por complexo ou do conceito potencial. Para que a transição do conceito potencial ao estágio de conceito propriamente dito fosse efetivada necessitou de intervenção por meio de contraprovas para desequilibrar o pensamento, incitando a uma nova análise dos blocos e ainda, de solicitação de complemento de raciocínio. Ao abstrair as diferenças entre o modelo e o bloco escolhido, as crianças conseguiram identificar o outro atributo criterial do BLO, grosso, ainda que não de forma diferenciada, sem elaborar uma síntese dos dois atributos. Mediante novas intervenções, alcançaram abstrair e generalizar os atributos criteriais conjuntamente e operar com conceito propriamente dito.

Anderson: (pega o quadrado grande, fino e verde)

Pesquisadora: “Porque você pegou esse?” (quadrado grande, fino e verde) Anderson: “Porque ele é mais diferente.”

Anderson: “Porque esse aqui é um pouco mais fino e quadrilátero.” (aponta para o quadrado grande, fino e verde)

Pesquisadora: “Esse é um CAT” (mostra a palavra escrita atrás do quadrado grande, fino e verde) “Esse não é um BLO. Esse é um CAT. Qual a diferença que existe entre eles?”

Anderson: (coloca a mão sobre o quadrado grande, grosso e azul e o quadrado grande, grosso e vermelho) “Esse é grosso.” (coloca a mão sobre o quadrado grande, fino e verde) “Esse é fino.”

Pesquisadora: “Procure para mim um BLO.”

Edson: (Olha para as peças. Pega um trapézio grande, fino e vermelho.) Pesquisadora: “Por que esse é um BLO?” (Trapézio grande, fino e vermelho.) Edson: “Parece com esse.” (Aponta para o trapézio grande, grosso e roxo.) Pesquisadora: “Você falou que o BLO, ele é como?”